INTRODUÇÃO
Doença descrita pela primeira vez por Tripé em 1845, definida como condição patológica de erecção peniana, não relacionada com a estimulação sexual, e que persiste para além das 6 horas. Pode ocorrer em todos os grupos etário, mas tem dois picos de incidência; um entre os 5-10 e o outro entre os 20-50 anos. Tem sido classificado, de forma clássica, como idiopático e secundário (quadro 1). Na perspectiva hemodinamica pode ser dividido em duas categorias: priapismo isquémico (ou baixo débito) e priapismo não isquémico (ou alto débito). Nos doentes com priapismo de baixo débito o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, com o objectivo de evacuar o sangue retido nos corpos cavernosos e evitar as sequelas resultantes da isquemia prolongada. Esta provoca acidose e morte tecidular, as quais podem ocorrer ao fim de 6 horas de erecção mantida. Assim, se não for tratado levar ao aparecimento de fibrose e cicatriz no tecido eréctil e, em casos extremos, a necrose peniana. O seu diagnóstico é habitualmente fundamentado na história clínica e no exame físico.
As medidas iniciais para o tratamento do priapismo de baixo débito têm como objectivo diminuir o influxo de sangue (arterial) e aumentar o efluxo venoso, de forma a conseguir obter a detumencência peniana. Estas medidas conservadoras incluem a aspiração do corpo cavernoso com agulha n.o 18 e a injecção intra-cavernosa de um α-agonista (epinefrina, 10-20 µg; fenilefrina, 250-500 µg; efedrina, 50-100 mg). No entanto, se estas manobras conservadoras não forem eficazes a descompressão cirúrgica é mandatória para minimizar a fibrose dos corpos cavernosos e prevenir a disfunção eréctil.
CASO CLÍNICO 1
Doente do sexo masculino, 30 anos de idade, deu entrada no Serviço de Urgência (SU) cerca de 48 horas após notar erecção peniana dolorosa sem relação com a estimulação sexual. Ao exame físico apresentava pénis em erecção com hematoma penoescrotal (fig. 1). Nega doença orgânica e refere o uso desde há 3 dias de Triticum® (trazodone) para tratamento de depressão. No SU foi submetido, sem sucesso, a aspiração do corpo cavernoso com agulha e injecção de fenilefrina na dose de 250 µg. Em seguida foi efectuado um shunt cavernoso-esponjoso proximal, num primeiro tempo pela técnica de Winter, igualmente sem sucesso, pelo que posteriormente efectuou-se a técnica de Al Ghorab. Ao quinto dia de evolução, por manter erecção peniana, foi novamente intervencionado, sendo nesta fase efectuada uma fístula safeno-cavernosa bilateral, segundo técnica de Grayack, com resolução do priapismo (fig. 2-4). Durante a cirurgia foi efectuada biopsia do tecido cavernoso, cujo exame anatomopatológico revelou a presença de fibrose.
Figura 1. Hematoma penoescrotal.
Figura 2. Anastomose safeno-cavernosa bilateral, técnica de Grayack.
Figura 3. Fístula safeno-cavernosa bilateral, técnica de Grayack: Resultado final.
Figura 4. Fístula safeno-cavernosa bilateral, técnica de Grayack: 4 meses.
Actualmente o doente nega erecções penianas, voluntárias ou involuntárias, mantém apoio psicológico na consulta de medicina sexual, enquanto aguarda orientação terapêutica futura para a disfunção eréctil, nomeadamente a colocação de prótese peniana insuflável.
CASO CLÍNICO 2
Doente do sexo masculino, 65 anos de idade, deu entrada no Serviço de Urgência (SU) cerca de 72 horas após notar erecção peniana dolorosa sem relação com a estimulação sexual. Como antecedentes patológicos referia HTA medicado habitualmente com lisinopril e hidroclorotiazida. No SU foi submetido, sem sucesso, a aspiração do corpo cavernoso com agulha e foi efectuado um shunt cavernoso-esponjoso proximal, segundo técnica de Winter. Ao 4.o dia de evolução, por manter erecção peniana foi transferido para o SU do Hospital Geral de Santo António onde foi submetido, num primeiro tempo a shunt cavernoso-esponjoso proximal segundo técnica de Ebbehøj, igualmente sem sucesso, e posteriormente a shunt cavernoso-esponjoso distal, segundo técnica de Grayack. Nesse mesmo tempo operatório, foi novamente intervencionado, sendo efectuada uma fístula safeno-cavernosa bilateral, segundo técnica de Grayack, com resolução do priapismo. Durante a cirurgia foi efectuada biopsia do tecido cavernoso, cujo exame anatomopatológico revelou a presença de necrose.
Actualmente o doente nega erecções penianas, voluntárias ou involuntárias, e abandonou a consulta de medicina sexual.
CONCLUSÃO
O priapismo é uma doença rara com uma incidência de 0,0015% na população geral. O priapismo de baixo débito é uma emergência urológica, que numa proporção variável de casos pode ser resolvida com o tratamento médico. Nos casos, em que o tempo entre o aparecimento do episódio e o início do tratamento é prolongado, pode haver necessidade ao recurso ao tratamento cirúrgico. Deve-se salientar quanto mais tarde forem iniciadas as medidas terapêuticas maiores as probabilidades de surgirem sequelas definitivas com disfunção eréctil irreversível.
Correspondencia: Dr. La Fuente de Carvalho
Serviço de Urologia. Hospital Geral de Santo António.
Largo Prof. Abel Salazar. 4099-002 Porto. Portugal.
Correo electrónico: j.lafuente@sapo.pt
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