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Vol. 4. Núm. 1.
Páginas 9-24 (enero 2005)
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Haploidização
Haploidization
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Rosália Sáa, Mário Sousab, Nieves Cremadesc, Cláudia Alvesd, Maria João Pinhod, Joaquina Silvad, Alberto Barrose
a Laboratório de Biologia Celular. Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS-UP). Serviço de Genética. Faculdade de Medicina do Porto (FMUP). Universidade do Porto (UP).
b Laboratório de Biologia Celular. Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS-UP).Centro de Genética da Reprodução Prof. Alberto Barros. Porto.
c Unidade IVF. Serviço de Ginecologia. Hospital Geral Universitário de Alicante. Espanha
d Serviço de Genética. Faculdade de Medicina do Porto (FMUP). Universidade do Porto (UP).
e Serviço de Genética. Faculdade de Medicina do Porto (FMUP). Universidade do Porto (UP). Centro de Genética da Reprodução Prof. Alberto Barros. Porto.
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Figura 1. Transferência nuclear de espermatócitos secundários (ST2) para ovócitos MII não enucleados, seguido de activação eléctrica.
Figura 2. Transferência nuclear de um espermatócito primário (ST1) para ovócito MII não enucleado, seguido de activação eléctrica. Transferência nuclear do 1.o pseudo-glóbulo polar masculino para um ovócito MII não enucleado, seguido de activação eléctrica.
Figura 4. Haploidização. (a, b) A um ovócito dador efectua-se uma abertura na zona pelúcida (ZP) utilizando uma substância ácida contida numa micropipeta. (c, d) O ovócito é depois colocado numa solução (citocalasina B) que despolimeriza os microfilamentos submembranares (citosqueleto). Pelo orifício da ZP, aspira-se o 1.o glóbulo polar e uma pequena parte do citoplasma que lhe fica subjacente (Enucleação). Esta porção de citoplasma contém os cromossomas do ovócito. (e) Parando a aspiração e retraíndo a micropipeta, destaca-se o citoplasma aspirado. (f, g) Deste modo, obtém-se um ovócito sem material genético, ou citoplasto (f) e uma pequena porção de citoplasma com os cromossomas do ovócito, ou nucleoplasto (g). (h, i) Através do orifício da ZP, uma célula diplóide somática adulta (feminina ou masculina) é microinjectada (Transferência Nuclear) no interior do citoplasto. (j, l) Deixando o citoplasto algumas horas em repouso, os cromossomas da célula somática (j: feminina; l: masculina) condensam-se e adquirem a conformação natural do ovócito, ou seja, evoluem para metafase. (k, m) O citoplasto é activado quimicamente (ionoforo de cálcio), induzindo a libertação para o exterior de metade dos cromossomas da célula somática, pelo que no citoplasto apenas ficam 23 cromossomas, femininos (k) ou masculinos (m).
Figura 11. (A) Transferência nuclear de um linfócito masculino (Li) para um ovócito MII não enucleado. (B) Devido à ausência de activação farmacológica, espera-se que os níveis de MPF no ooplasma se mantenham elevados, induzindo a condensação da cromatina e formação de cromossomas numa placa metafásica associada a um fuso meiótico (emparelhamento dos homólogos não replicados, com orientação dos homólogos para pólos opostos). (C) No caso presente, o linfócito ficou intacto no ooplasma, por vezes com condensação da cromatina, sem formação de uma placa metafásica.
Figura 13. (A) Transferência nuclear de um linfócito masculino (Li) para um ovócito MII não enucleado. (B) Espera-se que os níveis altos de MPF no ooplasma induzam a condensação da cromatina e a formação de cromossomas numa placa metafásica associada a um fuso meiótico (cromossomas homólogos emparelhados e orientados para pólos opostos). (C) Com a activação farmacológica, espera-se que ocorra a retoma da meiose do ovócito, com expulsão do 2.o glóbulo polar (2PB) e formação do pronúcleo feminino (PNf). Sobre o Li, a activação deveria induzir a citocinese com haploidização, libertando-se um pseudo-glóbulo polar (PPB) e originando um pseudo-pronúcleo (PPN) haplóide.
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A haploidização é a indução artificial da meiose em células somáticas adultas. Esta nova tecnologia foi desenvolvida no sentido de se criar gâmetas artificiais para oferecer uma alternativa à doação de gâmetas. Destina-se aos pacientes inférteis com ausência de gónadas, ou com patologia gonádica que impede a produção de gâmetas ou cujos gâmetas apresentam anomalias estruturais e/ou genéticas. Neste artigo, revemos toda a bibliografia existente e apresentamos os resultados experimentais do nosso grupo. Nesta tecnologia, efectua-se uma enucleação de ovócitos dadores, seguindo-se uma transferência nuclear de uma célula diplóide do paciente, em fase G1/G0, para os ooplastos. Em condições de não inibição da citocinese (o oposto da clonagem), activa-se de seguida os constructos e espera-se que o material genético seja induzido a sofrer uma separação prematura dos cromossomas. Esta separação é esperada uma vez que se induziu uma condensação prematura do material genético ao expô-lo à acção do MPF activado presente no ooplasma. Em conclusão, apesar de promissora, a tecnologia ainda apresenta uma taxa muito baixa de meiose induzida sem erros de segregação (9%).
Haploidization is the artificial induction of meiosis in somatic cells. This new technology has been developed to offer infertile patients an alternative to gamete donation by means of the artificial construction of patient gametes. It is intended to be used by the infertile patients with absent gonads, or with gonadal dysfunction that prevents the formation of mature gametes or whose gametes present severe structural/genetic abnormalities. We made a complete bibliography review and present our experimental data. In this technology, donor oocytes are first enucleated and then nuclear transfer is performed using G1/G0 adult diploid somatic cells of the patient. Avoiding cytokinesis inhibition (as used in cloning), constructs are then activated for the induction of a premature chromosome division. This is expected as the genetic material has been induced to prematurely condense by exposure to activated MPF present in the ooplasm. Although promising, this technology still allows a low rate (9%) of induced meiosis with a correct chromosome segregation.
Keywords:
Haploidization
Infertility
Meiosis in vitro
Nuclear transfer
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DEFINIÇÃO

A haploidização, ou criação de gâmetas artificiais a partir de células somáticas adultas, foi desenvolvida no sentido de se tentar criar gâmetas in-vitro (ovócitos e espermatozóides) para oferecer uma alternativa quer à doação de ovócitos ou de espermatozóides, quer à clonagem somática reprodutiva.

Destina-se aos homens com azoospermia secretora em que a biópsia testicular não revelou a presença de espermatozóides nem de células precursoras haplóides (espermatídeos) e em que a cultura de células progenitoras diplóides germinais testiculares falhou ou não é possível, aos homens sem testículos (remoção cirúrgica), ou às mulheres que não produzem ovócitos (anomalias dos ovários, quimioterapia, radioterapia, menopausa) ou não têm ovários (remoção cirúrgica).

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE ESPERMATOCITOS SECUNDARIOS PARA MII

Várias experiências em animais sugerem que é possível aproveitar o estádio MII dos ovócitos para conseguir, no seu ooplasma, induzir a meiose de células meióticas masculinas. No ratinho (fig. 1), após a microinjecção de um espermatócito secundário (ST2, em profase II da meiose: 1N2C) num ovócito MII (metafase II da meiose: 1N2C: um conjunto haplóide de cromossomas, cada um com 2 cromatídeos), o ooplasma rico em MPF (metaphase promoting factor) actua sobre o DNA masculino, condensando os cromossomas e a eles associando um fuso. Quando o constructo é artificialmente activado 2 h após a microinjecção, por impulso eléctrico (electroactivação), o fuso MII do ovócito e o fuso MII do ST2 segregam os cromatídeos. Em consequência, a meiose II feminina é completada, com expulsão do 2.o glóbulo polar (2PB) e formação do pronúcleo feminino haplóide (PNf). Em simultâneo, existe extrusão de um pseudo-glóbulo polar (PPB) e formação de um pseudo-pronúcleo haplóide (PPN) por parte do ST2. Este fenómeno ocorre em 75% dos casos. Dos zigotos, cerca de 65% atingiram o estádio de blastocisto. Quando transferidos, originaram em 24% dos casos uma descendência normal e fértil.

Figura 1. Transferência nuclear de espermatócitos secundários (ST2) para ovócitos MII não enucleados, seguido de activação eléctrica.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE ESPERMATOCITOS PRIMARIOS PARA MII

Do mesmo modo, no ratinho (fig. 2), após a microinjecção de um espermatócito primário (em profase I da meiose, ST1: 2N4C) num ovócito MII (1.o glóbulo polar, 1PB: 1N2C; MII: 1N2C), o ooplasma rico em MPF actua sobre o DNA do ST1, condensando os cromossomas e a eles associando um fuso. Cerca de 2 h depois da transferência nuclear, procedeu-se à electroactivação do constructo. Em 50% dos casos, o fuso MII do ovócito segregou os cromatídeos e o fuso MI do ST1 segregou os cromossomas homólogos. Deste modo, observou-se a extrusão do 2.o glóbulo polar feminino (2PB: 1N1C) e a formação do pronúcleo feminino haplóide (PNf, 1N1C). Por parte do ST1, houve extrusão de um 1.o pseudo-glóbulo polar (1PPB: 1N2C) e formação de um pseudo-pronúcleo, ainda diplóide (cada cromossoma com dois cromatídeos, PPN: 1N2C). O 1PPB masculino foi então microinjectado noutro ovócito MII. O ooplasma rico em MPF actuou sobre o DNA masculino (2 h), condensando os cromossomas e a eles associando um fuso. Após electroactivação, em 50% dos casos, os dois fusos segregaram os cromatídeos, com extrusão do 2PB (1N1C) e formação do PNf (1N1C) por parte do ovócito, e extrusão do 2PPB e formação de um PPN haplóide (1N1C) por parte do ST1. Dos zigotos, 12% atingiram o estádio de blastocisto. Após transferência, originaram descendência em 0,8% (2/258) dos casos, tendo os animais morrido pouco após o nascimento.

Figura 2. Transferência nuclear de um espermatócito primário (ST1) para ovócito MII não enucleado, seguido de activação eléctrica. Transferência nuclear do 1.o pseudo-glóbulo polar masculino para um ovócito MII não enucleado, seguido de activação eléctrica.

Estas experiências permitem pressupor que existem factores no ooplasma capazes de induzir a condensação dos cromossomas de outra célula, capazes de lhes associar um fuso meiótico, e capazes de induzir uma citocinese desigual. Supõe-se que a condensação dos cromossomas depende do MPF, mas desconhecem-se os factores que controlam a síntese do fuso e a citocinese desigual. No entanto, os maus resultados obtidos com os espermatócitos I (células germinais diplóides) sugerem que o ovócito MII não consegue induzir a formação de um fuso meiótico I, ou que não é capaz de induzir a segregação correcta dos homólogos. De facto, a primeira divisão meiótica (MI), responsável pela separação dos cromossomas homólogos, necessita que se forme um cinetocoro por cromossoma de cada par de cromossomas homólogos. Pelo contrário, na segunda divisão meiótica (MII, similar a uma mitose), responsável pela separação dos cromatídeos, forma-se um cinetocoro em cada cromatídeo do mesmo cromossoma.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE ESPERMATOCITOS PRIMARIOS PARA GV

Para se tentar ultrapassar este problema, decidiu-se sincronizar os estádios dos ovócitos com a profase I masculina. Nos ratinho, efectuou-se a microinjecção de um ST1 num ovócito também em profase I da meiose (estádio de vesícula germinal, GV). Em consequência, condensaram-se os cromossomas femininos e masculinos, formou-se em 75% dos casos uma única placa metafásica I, contendo ambos os cromossomas, seguindo-se a segregação conjunta dos homólogos, com extrusão de um glóbulo polar e formação de um pronúcleo misto diplóide. Porém, dos embriões transferidos não se obteve qualquer descendência.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE ESPERMATOCITOS PRIMARIOS PARA MI

No ratinho, tentou-se também a microinjecção de um ST1 num ovócito em metafase I da meiose (estádio MI). Os cromossomas masculinos condensaram e ficaram associados a um fuso, seguindo-se a segregação dos homólogos com extrusão, em 80% dos casos, de um pseudo-glóbulo polar e formação de uma placa metafásica II masculina. Em simultâneo, o ovócito segregou os seus cromossomas homólogos, com extrusão do 1.o glóbulo polar e formação da placa metafásica II feminina. Cerca de 2 h depois, induziu-se a activação artificial do ovócito para simular a fecundação pelo espermatozóide (por electroactivação). Em consequência, os dois fusos segregaram os cromatídeos (meiose II), havendo, em 50% dos casos, extrusão de dois glóbulos polares e formação de dois pronúcleos, feminino e masculino. Porém, dos embriões transferidos não se obteve qualquer descendência. Novamente, estes resultados sugerem que o ovócito, mesmo em profase I ou em metafase I, não consegue induzir, numa célula estranha, a formação de um fuso meiótico I ou de induzir a segregação correcta dos cromossomas homólogos.

DIPLOIDIZAÇÃO

No entanto, um outro resultado veio sustentar de novo a hipótese de ser possível induzir artificialmente a meiose em ovócitos MII. Durante a clonagem somática adulta do primeiro ratinho (fig. 3), os autores descobriram que, após a microinjecção das células foliculares (células somáticas adultas em G0/G1) e a activação (1-3 h após a microinjecção: 10 mM Sr2+ em meio sem Ca2+), os ooplastos efectuavam a extrusão de um pseudo-glóbulo polar, com perda de material genético e, pois, da diploidização. Para assegurarem a diploidia do núcleo transferido (objectivo da clonagem), foi assim necessário incubar as células com citocalasina B durante a activação (6 h com 10 mM Sr2+ + 5 μg/ml CKB em meio sem Ca2+). A citocalasina, ao despolimerizar os microfilamentos, impede a citocinese e induz, desse modo, a diploidização celular inibindo a extrusão do pseudo-glóbulo polar. Deste modo, o constructo activado funciona como se possuisse um DNA resultante dos pronúcleos, feminino e masculino, oriundos de uma fecundação normal, divide-se e forma um embrião. Conseguiram, deste modo, 93% de activação com diploidização, 12% de blastocistos e 2% de recém-nascidos.

Figura 3. Transferência nuclear de uma célula folicular para um ovócito MII enucleado, seguida de activação. (A,B) Abertura de orifício na zona pelúcida (ZP) com Tirode ácido. (C-E) Enucleação em meio com citocalasina B. Aspiração do 1.o glóbulo polar (1PB: 1N2C) e do ooplasma subjacente, contendo os cromossomas femininos em metafase II (MII: 1N2C), libertando o carioplasto (F) e o ooplasto (G). (H) Transferência nuclear de uma célula folicular (FC, célula somática adulta do ovário, diplóide: 2N,1C) para o ooplasto. (I) A activação, em meio sem citocalasina B e com 5 µM ionomicina (ionoforo de cálcio), induz haploidização, com expulsão de um pseudo-glóbulo polar (PPB: 1N1C) e formação de um pseudo-pronúcleo haplóide (PPN: 1N1C). (J) A activação, em meio com citocalasina B, 5 µM ionomicina e 2.5 mM 6-dimetilaminopurina (6DMAP: inibidor da síntese proteica, que impede a citocinese), induz diploidização, formando-se um pseudo-pronúcleo diplóide (PPN: 2N1C) por não existir extrusão de um pseudo-glóbulo polar.

HAPLOIDIZAÇÃO

Para haploidizar um genoma diplóide, é necessário induzir uma divisão celular com segregação, para pólos opostos, dos cromossomas homólogos. A hipótese de se poder conseguir este fenómeno no interior do ooplasma, foi demonstrada pelas experiências acima descritas, com transferência nuclear de espermatócitos I e II. Porém, os espermatócitos são células cujos genomas estão preparados para a haploidização natural, tendo-se apenas mudado o citoplasma onde efectuam esse processo. Para haploidizar células somáticas adultas diplóides, o problema é diferente. No entanto, as experiências, acima descritas, de clonagem nos ratinhos, mostraram que, na fase de activação, ocorre, por vezes, um fenómeno estranho. De facto, os autores observaram que o genoma diplóide, transferido para o citoplasto, liberta, por vezes, um pseudo-glóbulo polar. Esta citocinese implica uma perda de material genético, e corresponde à sobreposição da meiose-II do ovócito sobre o genoma diplóide transferido. Como a célula transferida se encontra em fase G0, ou seja, com cromossomas não replicados (sem cromatídeos), é possível que a citocinese, imposta pelo ooplasma, possa corresponder a uma segregação de homólogos. Pelo contrário, na clonagem, os autores consideraram este fenómeno um obstáculo à diploidização desejada, de modo que o evitaram activando os constructos na presença de citocalasina-B para impedir a citocinese.

Para saber se a haploidização de uma célula somática adulta diplóide é possível no ooplasma, efectuamos a activação dos constructos na ausência de citocalasina-B, esperando que ocorresse a extrusão dos homólogos no pseudo-glóbulo polar. A célula resultante foi depois analizada geneticamente, para verificar se houve uma segregação correcta dos cromossomas homólogos. O ooplasma contém factores que mantêm os cromossomas femininos parados em metafase-II, ou seja, factores que induzem a condensação do DNA em cromossomas, a formação de um fuso de microtúbulos e a segregação para pólos opostos dos cromatídeos que compõem cada cromossoma. Teoricamente, esses factores poderão também actuar sobre outro genoma introduzido no citoplasto, desde que na transferência nuclear não se active o ooplasma. No entanto, o problema da haploidização é o de se pretender que um genoma diplóide segregue para pólos opostos os cromossomas homólogos. De facto, o ovócito MII já só tem metade dos homólogos, pelo que a meiose-II apenas separa os cromatídeos presentes em cada homólogo. Para haver segregação dos homólogos de uma célula diplóide, os factores do ooplasma deveriam ser capazes de induzir o emparelhamento dos homólogos e de formar um só cinetocoro por homólogo. Este objectivo parece impossível de atingir, pois a fase do ovócito que contém os factores para a sinapse dos homólogos é a profase-I. No entanto, se introduzirmos um genoma diplóide não replicado (G1/G0), em que os cromossomas não possuem cromatídeos, poderia esperar-se que o ooplasma reaja sobre os homólogos como se fossem cromatídeos. Para testar esta hipótese, efectuou-se todo o procedimento da clonagem, modificando-se apenas a etapa da activação (fig. 4).

Figura 4. Haploidização. (a, b) A um ovócito dador efectua-se uma abertura na zona pelúcida (ZP) utilizando uma substância ácida contida numa micropipeta. (c, d) O ovócito é depois colocado numa solução (citocalasina B) que despolimeriza os microfilamentos submembranares (citosqueleto). Pelo orifício da ZP, aspira-se o 1.o glóbulo polar e uma pequena parte do citoplasma que lhe fica subjacente (Enucleação). Esta porção de citoplasma contém os cromossomas do ovócito. (e) Parando a aspiração e retraíndo a micropipeta, destaca-se o citoplasma aspirado. (f, g) Deste modo, obtém-se um ovócito sem material genético, ou citoplasto (f) e uma pequena porção de citoplasma com os cromossomas do ovócito, ou nucleoplasto (g). (h, i) Através do orifício da ZP, uma célula diplóide somática adulta (feminina ou masculina) é microinjectada (Transferência Nuclear) no interior do citoplasto. (j, l) Deixando o citoplasto algumas horas em repouso, os cromossomas da célula somática (j: feminina; l: masculina) condensam-se e adquirem a conformação natural do ovócito, ou seja, evoluem para metafase. (k, m) O citoplasto é activado quimicamente (ionoforo de cálcio), induzindo a libertação para o exterior de metade dos cromossomas da célula somática, pelo que no citoplasto apenas ficam 23 cromossomas, femininos (k) ou masculinos (m).

Para efectuar a enucleação, o ovócito MII é colocado numa solução de citocalasina B, que despolimeriza os microfilamentos submembranares e torna o oolema viscoso. De seguida, efectua-se uma abertura na zona pelúcida (ZP), utilizando uma solução Tirode ácida contida numa micropipeta. Pelo orifício da ZP, aspira-se então o 1.o glóbulo polar e uma pequena parte do citoplasma que lhe fica subjacente. Esta porção de citoplasma contém os cromossomas do ovócito que se encontram em metafase da meiose II. Finalmente, parando a aspiração e retraíndo a micropipeta, destaca-se o citoplasma aspirado. Neste procedimento, o citoplasma aspirado separa-se do citoplasma restante. Esta separação, com rotura do oolema e refusão das membranas, só é possível pela acção da citocalasina B, que induz a perda da rigidez natural do córtex e aumenta a viscosidade do oolema, o que permite que as membranas rompidas selem de imediato e de modo espontâneo. Deste modo, obtém-se um ovócito sem material genético (citoplasto ou ooplasto) e uma pequena porção de citoplasma com os cromossomas do ovócito (nucleoplasto). Cerca de 2-4 h depois da enucleação, efectua-se a transferência nuclear. Neste processo, e através do orifício aberto na ZP, a célula somática é colocada em contacto com a membrana do ooplasto. Por breves descargas eléctricas, a célula é levada a fundir-se com a membrana do citoplasto (electrofusão). Alternativamente, a célula pode ser microinjectada directamente no ooplasto. Deste modo, os cromossomas da célula diplóide ficam incorporados no citoplasto. Nas 2-4 h seguintes, espera-se que os factores do ooplasma actuem sobre o DNA exógeno, reprogramando-o e depois condensando-o numa placa metafásica, associado a um fuso. O constructo é então activado farmacologicamente (Sr2+; ionoforo para o cálcio; electroactivação) sem presença de citocalasina de modo a evitar-se a diploidização. Espera-se, então, que ocorra a extrusão de um pseudo-glóbulo polar, o que significaria que o material diplóide da célula somática sofreu haploidização.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE CÉLULAS FOLICULARES PARA MII ENUCLEADOS

Injectamos células foliculares (células somáticas adultas do ovário, diplóides, em fase G1/G0) em 14 ovócitos MII enucleados (fig. 5). Cerca de 1 h depois, verificamos que o núcleo da célula folicular estava condensado no ooplasto. Este resultado sugere que conseguimos microinjectar sem activar o ovócito, uma vez que apenas uma actividade alta do MPF poderia ser responsável pela condensação dos cromossomas. Deixaram-se os constructos em cultura durante 14 h, para permitir a reprogramação e a formação de uma placa metafásica. Ao fim deste período, activamos os ooplastos com a microinjecção de espermatozóides (ICSI) do parceiro da paciente. Cerca de 5 h após a ICSI, observamos extrusão do PPB em 3/14 (21,4%) dos ooplastos. Destes, conseguimos isolar dois PPB para análise genética por hibridização in-situ com sondas fluorescentes de DNA (FISH). A análise revelou a presença de apenas uma cópia dos cromossomas 13, 18, 21, X e Y, sugerindo que havíamos conseguido uma haploidização correcta. Cerca de 10 h após a ICSI, 2/3 dos ooplastos reconstruídos e com extrusão do PPB desenvolveram dois pronúcleos (um pseudo-pronúcleo derivado da célula folicular, e um pronúcleo derivado do espermatozóide). Os zigotos clivaram para embriões de duas células ao 2.o dia (2/14, 14,3%), tendo depois sido criopreservados.

Figura 5. Transferência nuclear de uma célula folicular para ovócito MII enucleado, seguida de activação por ICSI. A haploidização feminina é conseguida omitindo a citocalasina B na activação e cultura, para permitir a citocinese. (A,B) Abertura de orifício na zona pelúcida (ZP) com Tirode ácido. (C-E) Enucleação em meio com citocalasina B. Aspiração do 1.o glóbulo polar (1PB: 1N2C) e do ooplasma subjacente contendo os cromossomas femininos em metafase II (MII: 1N2C), libertando o carioplasto (F) e o ooplasto (G). (H) Transferência nuclear de uma célula folicular (FC, diplóide somática adulta do ovário: 2N,1C) para o ooplasto. (I) Cultura prolongada para o MPF do ooplasto condensar o genoma diplóide, formar cromossomas e associá-los a um fuso numa placa metafásica. (J) Activação do constructo por microinjecção de um espermatozóide. (K) Constructo activado. O espermatozóide forma um pronúcleo masculino haplóide (PNm: 1N1C). O genoma diplóide sofre citocinese e haploidização, com libertação de um pseudo-glóbulo polar (PPB: 1N1C) e formação de um pseudo-pronúcleo haplóide (PPN: 1N1C). (L) Restaurada a diploidização (PNm+PPN feminino), forma-se um embrião.

Estes resultados constituíram um marco científico, pois foram os primeiros embriões humanos obtidos por clonagem, por clonagem terapêutica e por haploidização (Maio de 2001).

Outros autores vieram depois confirmar ou refutar estes resultados. Num dos trabalhos, ovócitos MII de ratinho (sem enucleação) foram microinjectados com células foliculares (femininas) ou com fibroblastos masculinos da pele. Cerca de 1 h após a transferência nuclear, os ovócitos foram activados com 8% etanol, mas apenas 20-29% efectuaram a extrusão do 2.o glóbulo polar feminino e de um PPB, formando zigotos com dois pronúcleos (2PN). Apesar da maioria destes zigotos terem clivado, apenas 8-22% atingiram o estádio de blastocisto. Infelizmente, a haploidização não foi confirmada por análise genética dos constructos. Noutro estudo, ovócitos GV de ratinho foram enucleados, electrofundidos com fibroblastos femininos do estroma do endométrio humano (G1/G0: 2N1C), e cultivados por 14-16 h. Destes, 9/23 (39,1%) efectuaram a extrusão de um PPB, sugerindo ter ocorrido haploidização do genoma. Porém, a haploidização também não foi confirmada por análise genética dos constructos. Num outro estudo, os autores enuclearam ovócitos GV de ratinho (G2/M) e efectuaram uma electrofusão dos ooplastos com fibroblastos da pele (G2/M: 2N4C) de ratinhos fêmeas. Os ovócitos reconstruídos foram cultivados por 17 h para estudar se ocorria a primeira divisão meiótica com extrusão de um 1PPB (1N2C). A activação foi depois efectuada com 10 mM Sr2+ em meio sem Ca2+ durante 6 h, de modo a estudar se ocorria a segunda divisão meiótica com extrusão de um 2PPB (1N1C). A extrusão do 1PPB ocorreu em 62/119 (52,1%) dos constructos, mas apenas 41/119 (34,5%) efectuaram uma divisão assimétrica. Destes, nenhum apresentou um fuso normal com cromossomas correctamente alinhados, apesar de 16/29 (55,2%) apresentarem condensação dos cromossomas. Os autores também verificaram que a activação com Sr2+ causava fragmentação, pelo que bloquearam a citocinese com citocalasina-B. Apesar de tudo, 12/27 (44,4%) efectuaram a extrusão dos dois PPB. Apesar de muito interessante, também este estudo não avaliou o conteúdo haplóide nem o potencial de desenvolvimento embrionário dos constructos.

Pelo contrário, um estudo veio demonstrar, nos ratinhos, que parece impossível usar ovócitos MII para criar um genoma haplóide funcional a partir de um núcleo diplóide somático. Neste trabalho, 168 ovócitos MII foram enucleados e microinjectados com células foliculares. Cerca de 2-3 h após a microinjecção, os ooplastos foram activados durante 2 h com 5 mM SrCl2 em meio sem Ca2+. Depois da extrusão do PPB, as células foram analizadas por FISH, tendo os autores verificado a presença de fusos aberrantes e aneuploidias cromossómicas (153/168, 91,1%), o que sugere que a segregação dos cromossomas é possível mas ocorre ao acaso, não permitindo a obtenção de constructos haplóides normais. Estas experiências sugerem que, na ausência dos eventos normais da profase meiótica (sinapse/emparelhamento, recombinação homóloga/crossing-over e formação de quiasmas entre os cromossomas homólogos), não existem condições físicas que assegurem a segregação ordenada dos cromossomas homólogos. Os autores também sugeriram que, mesmo que ocorra por acaso uma segregação correcta dos cromossomas homólogos, será praticamente impossível assegurar que o complemento cromossómico contenha em exclusividade apenas os cromossomas paternos ou maternos de modo a que se consiga uma expressão adequada dos genes sujeitos a imprinting no desenvolvimento embrionário.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE LINFOCITOS PARA MII ENUCLEADOS

Apesar do revés constatado nas experiências com os ratinhos, decidimos prosseguir os estudos na espécie humana. Estudamos, desta vez, a capacidade e a possibilidade de transformar células sanguíneas (linfócitos) humanas em ovócitos e espermatozóides (haploidização) usando a técnica de transferência nuclear para ovócitos MII humanos enucleados, uma actividade que remonta a 1997. Os linfócitos encontram-se em fase G0/G1 e podem ser transferidos para ovócitos MII por microinjecção, não sendo necessária a electrofusão. Os linfócitos também possuem capacidade de reprogramação após transferência nuclear, uma vez que é possível obter nos bovinos, por clonagem reprodutiva, 17% de blastocistos e 2% de recém-nascidos masculinos.

Enucleamos 110 ovócitos MII em meio de cultura (SPM: com tampão Hepes) suplementado com 5 μg/ml de citocalasina-B. Os ovócitos MII foram doados benevolamente por pacientes em tratamento de infertilidade, correspondendo a ovócitos maduros excedentários e, por isso, não utilizados no ciclo de tratamento do casal. Para isso, o 1.o glóbulo polar (1PB) foi posicionado às 3h e abriu-se um orifício de 10 µm na zona pelúcida (ZP) com solução ácida de Tirode. Pelo orifício, aspirou-se o 1PB e uma pequena porção de ooplasma subjacente (contendo os cromossomas femininos em metafase-II), com uma pipeta de biópsia (20 µm). O 1PB e o carioplasto foram transferidos para 1 µl de tampão de lise, colocado num círculo de uma lâmina de vidro revestida por poli-L-lisina. Após desidratação ao ar, as preparações foram montadas com Vectashield contendo DAPI, para corar de azul o DNA. Da análise (fig. 6), verificamos uma eficiência de enucleação de 60%, que depois conseguimos elevar para 81% com o aumento da experiência (presença de DNA no 1PB e no carioplasto).

Figura 6. Transferência nuclear de um linfócito masculino para um ovócito MII humano enucleado, seguida de activação farmacológica. (A) Ovócito dador (O) rodeado pelo seu invólucro, a zona pelúcida (Z). Os cromossomas (*) do ovócito estão sob o 1.o glóbulo polar (1PB). (B) O ovócito é segurado por uma micropipeta de contenção (mc), enquanto a micropipeta de digestão (md) lança uma solução ácida para abrir um orifício na ZP (seta). (C) Depois de se abrir o orifício na ZP, o 1PB faz saliência para o exterior (seta). (D) No orifício da ZP, insere-se uma micropipeta de enucleação (me). (E, F) Pelo orifício da ZP, aspira-se o 1PB e uma pequena parte do citoplasma que lhe fica subjacente (Enucleação). Esta porção de citoplasma contém os cromossomas do ovócito (placa metafásica MII). (G) Parando a aspiração e retraíndo a micropipeta, destaca-se o citoplasma aspirado. Deste modo, obtém-se um ovócito sem material genético (citoplasto ou ooplasto) e uma pequena porção de citoplasma com os cromossomas do ovócito (carioplasto). (H) A coloração do DNA (azul) no material aspirado, mostra que a enucleação foi eficaz. Imagens de microscopia óptica invertida Hoffman (Centro de Genética da Reprodução Prof. Alberto Barros, CGR-ABarros) e de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, FMUP).

Após a enucleação, os citoplastos foram colocados em meio de cultura sem citocalasina e deixados a recuperar durante 2-4 h (37 °C, 5% CO2). Os ooplastos foram então microinjectados (transferência nuclear) com linfócitos humanos masculinos de tamanho médio (6-9 µm). Os linfócitos foram obtidos de amostras de sangue periférico, separados por Ficoll, estimulados com fitohemaglutinina (PHA) por 48-72 h, parados em G0/G1 por cultura com privação parcial de soro durante 3-5 dias, e criopreservados até ao seu uso (fig. 7).

Figura 7. Transferência nuclear de um linfócito masculino para um ovócito MII humano enucleado, seguida de activação farmacológica. (A) ooplastos. (B,C) Com uma micropipeta de injecção (mi) selecciona-se (B) e aspira-se (C) um linfócito (Li; seta). Pl. Plaquetas; Er, eritrócito. (D) O citoplasto (ovócito dador enucleado) é segurado por uma micropipeta de contenção (mc), enquanto que a micropipeta de injecção, contendo o linfócito (seta), se aproxima do orifício da ZP (entre pontas de seta). (E) Penetração (microinjecção) do citoplasto pela micropipeta de injecção. (F,G) O linfócito é deixado (transferência nuclear) no interior do citoplasto (setas). Imagens de microscopia óptica invertida Hoffman (CGR-ABarros).

Após a microinjecção, os constructos foram deixados em cultura por 2-4 h, de modo a que o ooplasma tenha tempo para reprogramar o DNA exógeno, condensar os cromossomas e os organizar numa placa metafásica. Os constructos foram então activados farmacologicamente com um inonoforo de cálcio, 10 µM A23187 durante 5-10 minutos, para saber se os cromossomas do linfócito sofriam haploidização, ou seja, se expulsavam 23 dos 46 cromossomas num PPB, transformando-se em potenciais gâmetas masculinos (fig. 3.8).

Figura 8. Transferência nuclear de linfócitos masculinos para ovócitos MII humanos enucleados, seguida de activação farmacológica. (A) Por activação química, o genoma diplóide do linfócito divide-se em duas partes, uma que fica dentro do citoplasto (pseudo-pronúcleo, PPN) e outra que é expulsa para o exterior (pseudo-glóbulo polar, PPB). Apresentam-se dois casos de análise genética por FISH do citoplasto reconstruído. (B,C) Haploidização conseguida. O PPB e o PPN apresentam uma constituição cromossómica haplóide, por ter ocorrido segregação dos homólogos. (D) Haploidização falhada. O PPN é diplóide e os cromossomas estão fragmentados (caótico). Imagens de microscopia óptica invertida Hoffman (CGR-ABarros) e de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).

No processo de enucleação, microinjecção e activação, sobreviveram 101/110 (91,8%) dos ovócitos MII, enquanto que 9/110 (8,2%) degeneraram (fig. 9 K). Dos 101 ovócitos reconstruídos e activados, 87/101 (86.1%) formaram um pseudo-pronúcleo (PPN) (fig. 9 A-F) e 14/101 (13,9%) desenvolveram 2-3 PPN (fig. 9 G-J). Dos 87 com 1 PPN, 49/87 (56,3%) não efectuaram extrusão de um pseudo-glóbulo polar (PPB) (fig. 9 A,D), 27/87 (31%) apresentaram extrusão de um PPB (fig. 9 B,E) e 11/87 (12,6%) exibiram 2 PPB (fig. 9 C, F). Ou seja, em teoria, 38 (27+11)/101 (37,6%) ou 38/87 (43,7%) das células conseguiram efectuar a meiose artificial e seriam provavelmente haplóides. Estes constructos foram deixados em cultura. Dos 49 constructos 1PPN/0PPB, 30/49 (61,2%) clivaram, 2/30 (6,7%) atingiram a fase de 12 células, e nenhum atingiu o estadio de blastocisto. Dos 38 constructos 1PPN/1-2PPB, 20/38 (52,6%) clivaram e 5/20 (25%) atingiram o estadio de blastocisto.

Figura 9. Transferência nuclear de linfócitos masculinos para ovócitos MII humanos enucleados, seguida de activação farmacológica. Resultados dos constructos após activação (número de casos observados por situação).

Os embriões foram processados para análise genética por FISH (fig. 10). Os embriões dos 14 constructos 2-3PPN e os embriões dos 49 constructos 1PPN/0PPB mostraram uma constituição diplóide, como esperado. Os 20 embriões obtidos a partir dos 38 constructos 1PPN/1-2PPB não mostraram divisões mitóticas normais, o que também era esperado caso fossem realmente haplóides. Destes, conseguiu-se uma marcação FISH completa em 16 casos, que evidenciou 7/16 (43,75%) embriões com predomínio de blastómeros diplóides e 9/16 (56,25%) embriões com predomínio de blastómeros haplóides. Especificamente, dos 7 diplóides, 2 eram mosaicos diplóide/poliplóide, 4 diplóides e 1 poliplóide, e dos 9 haplóides, 8 eram mosaicos haplóide/diplóide e 1 haplóide. Assim sendo, dos 101 ovócitos MII enucleados com sucesso, 9/101 (8,9%) sofreram realmente haploidização, ou 9/38 (23,7%), se considerarmos os constructos 1PPN/1-2PPB.

Figura 10. Transferência nuclear de linfócitos masculinos para ovócitos MII humanos enucleados, seguida de activação farmacológica e cultura dos constructos. (A) Embriões resultantes. (B-H) Análise FISH dos blastómeros. (B-E) Haplóides. (F) Diplóides. (G) Haplóide com nulissomia X. (H) Haplóide com dissomia 18. Imagens de microscopia óptica invertida Hoffman (CGR-ABarros) e de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).

Estas experiências sugerem que, apesar de ser possível induzir a haploidização de genomas diplóides pela técnica da transferência nuclear para ovócitos MII enucleados, se trata de um evento raro (9%). As inferências biológicas dos resultados são, no entanto, muito interessantes: (a) O MPF do ooplasma MII é capaz de induzir a condensação da cromatina de genomas diplóides; (b) O ooplasma MII é capaz de induzir a formação de cromossomas e de um fuso mitótico/meiótico num genoma diplóide; (c) O ooplasma MII é capaz de induzir a formação de ligações de tipo meiótico entre os homólogos, uma vez que para ocorrer uma segregação dos homólogos para pólos opostos é necessário que os microtúbulos se tenham ligado aos homólogos de modo oposto, como se fossem cromatídeos; (d) O ooplasma é capaz de induzir uma divisão assimétrica actuando sobre um genoma diplóide.

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE LINFOCITOS PARA MII SEM ACTIVAÇÃO

Numa outra série de experiências, transferimos linfócitos masculinos (fase G1/G0: 2N1C), isolados por Ficoll do sangue periférico, mas sem estimulação pela PHA nem cultura em meio pobre em nutrientes. Cuidadosamente, fragilizamos a sua membrana, usando uma micropipeta de 5 µm de diâmetro, e injectamos um linfócito por cada ovócito MII (não enucleado), sem aspirar o ooplasma de modo a evitar a activação prematura do ovócito (fig. 11). De 11 ovócitos MII, 10/11 (90,9%) apresentaram um linfócito intacto no ooplasma até 15 h após a microinjecção. Destes, em 10/11 (90,9%) conseguiu-se visualizar a cromatina com DAPI, e 4/10 (40%) apresentaram um aspecto condensado da cromatina. A análise FISH, possível em 8/10 (80%) dos casos, confirmou a diploidia dos linfócitos (fig. 12). Estes resultados mostram que é possível injectar linfócitos sem activar o ooplasma (90,9%). Porém, não existe eficiência na condensação da cromatina (40%) nem na indução da formação de uma placa metafásica (0%). Este problema poderia ser devido a uma possível interferência causada pela placa metafásica II do ovócito, ou à ausência de activação do constructo.

Figura 11. (A) Transferência nuclear de um linfócito masculino (Li) para um ovócito MII não enucleado. (B) Devido à ausência de activação farmacológica, espera-se que os níveis de MPF no ooplasma se mantenham elevados, induzindo a condensação da cromatina e formação de cromossomas numa placa metafásica associada a um fuso meiótico (emparelhamento dos homólogos não replicados, com orientação dos homólogos para pólos opostos). (C) No caso presente, o linfócito ficou intacto no ooplasma, por vezes com condensação da cromatina, sem formação de uma placa metafásica.

Figura. 12. Transferência nuclear de linfócitos masculinos para ovócitos MII não enucleados e sem activação farmacológica. Análise por FISH de dois casos. (A) O linfócito (Li) apresenta condensação da cromatina, com emparelhamento dos autossomas (1616, 1818) mas não dos gonossomas (X bem separado do Y). (B) O linfócito (Li) apresenta cromatina não condensada e ausência de emparelhamento entre os homólogos (16,16, 18,18, X,Y). (1PB) 1.o glóbulo polar. (MII) placa metafásica do ovócito. A letra (r) denota a presença de cromatídeos (replicação do cromossoma), fenómeno normal no 1PB e na MII. Imagens de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).

TRANSFERENCIA NUCLEAR DE LINFOCITOS PARA MII COM ACTIVAÇÃO

Para saber se este resultado dependia da ausência de activação do constructo, utilizamos 37 ovócitos MII (não-enucleados), que foram microinjectados com linfócitos segundo as condições anteriormente descritas. De seguida, após diferentes intervalos de tempo (2-6 h), activamos os ovócitos com 10 µM A23187 durante 10 minutos (fig. 3.13). Após cerca de 15 h de cultura, os constructos foram processados para FISH.

Figura 13. (A) Transferência nuclear de um linfócito masculino (Li) para um ovócito MII não enucleado. (B) Espera-se que os níveis altos de MPF no ooplasma induzam a condensação da cromatina e a formação de cromossomas numa placa metafásica associada a um fuso meiótico (cromossomas homólogos emparelhados e orientados para pólos opostos). (C) Com a activação farmacológica, espera-se que ocorra a retoma da meiose do ovócito, com expulsão do 2.o glóbulo polar (2PB) e formação do pronúcleo feminino (PNf). Sobre o Li, a activação deveria induzir a citocinese com haploidização, libertando-se um pseudo-glóbulo polar (PPB) e originando um pseudo-pronúcleo (PPN) haplóide.

ACTIVAÇÃO 6 H APOS A TRANSFERENCIA NUCLEAR

Dos 15 constructos activados 6h após a microinjecção, 11/15 (73,3%) formaram zigotos 1PN/2PB, enquanto que 4/15 (26,7%) permaneceram não-activados (0PN/1PB). Ou seja, na maioria dos casos houve retoma da meiose feminina (1PN/2PB), mas não houve haploidização (0PPN/0PPB). A análise por FISH forneceu resultados em 10/11 (90,9%) dos zigotos 1PN/2PB. Destes, em 10/10 (100%) dos casos, os linfócitos apresentaram um genoma diplóide, dos quais 8/10 (80%) com condensação da cromatina (fig. 3.14). Estes resultados mostram que a activação, quando efectuada 6h após a transferência nuclear, activa eficazmente a meiose II feminina (73%) e induz eficazmente a condensação da cromatina dos linfócitos (80%). Porém, não foi capaz de induzir a formação de uma placa metafásica nem a segregação dos homólogos dos linfócitos.

Figura. 14. Transferência nuclear de linfócitos masculinos (Li) para ovócitos MII humanos não enucleados, seguida de activação farmacológica 6h após a microinjecção. Análise por FISH dos zigotos 1PN/2PB obtidos. O linfócito (Li) apresenta condensação da cromatina com emparelhamento dos autossomas (1616, 1818) mas não dos gonossomas (X bem separado do Y). Imagens de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).

ACTIVAÇÃO 4 H APOS A TRANSFERENCIA NUCLEAR

Dos 12 constructos activados 4 h após a microinjecção, 2/12 (8,3%) activaram e formaram zigotos 1PN/2PB, enquanto que 11/12 (91,7%) permaneceram não-activados (0PN/1PB). Ou seja, na maioria dos casos não houve retoma da meiose feminina (1PN/2PB) nem haploidização (0PPN/0PPB). A análise por FISH forneceu resultados em 11/12 (91,7%) dos constructos. Destes, em 11/11 (100%) dos casos, os linfócitos apresentaram um genoma diplóide, 9/11 (81,8%) com condensação da cromatina (fig. 15). Estes resultados mostram que a activação, quando efectuada 4 h após a transferência nuclear, não activa a retoma da meiose-II feminina (8%), mas induz a condensação da cromatina dos linfócitos (80%). Porém, não é capaz de induzir a formação de cromossomas numa placa metafásica, associada a um fuso, nem a segregação dos homólogos dos linfócitos.

Figura. 15. Transferência nuclear de linfócitos masculinos (Li) para ovócitos MII humanos não enucleados, seguida de activação farmacológica 4h após a microinjecção. Análise por FISH dos constructos. (A) Li com condensação da cromatina, sem emparelhamento dos homólogos. (B) Li com condensação da cromatina e emparelhamento dos autossomas (1616, 1818) mas não dos gonossomas (X bem separado do Y). Imagens de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).

ACTIVAÇÃO 2 H APOS A TRANSFERENCIA NUCLEAR

Dos 10 constructos activados 2 h após a microinjecção, 3/10 (30%) formaram zigotos 1PN/2PB, enquanto que 7/10 (70%) permaneceram não-activados (0PN/1PB). Ou seja, na maioria dos casos não houve retoma da meiose feminina (1PN/2PB) nem haploidização (0PPN/0PPB). A análise por DAPI evidenciou a presença de cromatina dos linfócitos em 8/10 (80%) dos casos. A análise por FISH forneceu resultados em 6/8 (75%) dos constructos. Destes, em 6/6 (100%) dos casos, os linfócitos apresentaram um genoma diplóide, dos quais 3/6 (50%) com condensação da cromatina e 2/6 (33,3%) com configuração metafásica (fig. 16). Estes resultados mostram que a activação, quando efectuada 2 h após a transferência nuclear, activa parcialmente a retoma da meiose-II feminina (30%), a condensação da cromatina (50%) e a formação de uma placa metafásica (33%) nos linfócitos. Porém, não foi capaz de induzir a segregação dos homólogos dos linfócitos.

Figura. 16. Transferência nuclear de linfócitos masculinos (Li) para ovócitos MII humanos não enucleados, seguida de activação farmacológica 2h após a microinjecção. Análise por FISH dos constructos. (A) Condensação da cromatina do Li, com emparelhamento parcial dos autossomas (1616 vs 18,18). (B) Condensação da cromatina do Li, sem emparelhamento dos homólogos (16,16; 18,18; X,Y). (C) Li em metafase, com emparelhamento parcial dos autossomas (1616 vs 18,18). (D) Li em metafase, com emparelhamento dos autossomas (1616, 1818) mas não dos gonossomas (X bem afastado do Y). Imagens de microscopia de fluorescência (Serviço de Genética, FMUP).z

CONCLUSÕES

A tecnologia usada e as experiências acima descritas demonstram que ainda não foi possível induzir eficientemente a haploidização. No entanto, algumas das observações são muito encorajadoras, pelo que obrigam ao desenvolvimento de novas experiências, com vista a tentar melhorar a eficiência dos protocolos usados.

Dos resultados já conseguidos, algumas conclusões parecem fundamentais. Ficamos a saber que os linfócitos podem ser microinjectados em ovócitos MII sem activação do ooplasma, um requisito essencial para que ocorra a reprogramação do DNA diplóide transferido, a condensação da cromatina, a formação de cromossomas e a associação destes com um fuso mitótico/meiótico numa placa metafásica. Neste sentido, demonstramos que o MPF do ooplasma consegue actuar sobre a cromatina do linfócito, induzindo a sua condensação (50-82%) e que, apesar de parecer extraordinário, os factores do ovócito conseguem induzir a formação de uma placa metafásica (33%). Também determinamos que o melhor intervalo de tempo para iniciar a activação farmacológica do ovócito é de 2 h após a microinjecção. No entanto, a segregação dos homólogos do linfócito, com citocinese desigual (extrusão de um pseudo-glóbulo polar haplóide e formação de um pseudo-pronúcleo haplóide) foi ineficiente (9%) na transferência nuclear para MII enucleados e nula na transferência nuclear para MII intactos.

Este revés era teoricamente esperado. De facto, o ooplasma MII contém factores que permitem a condensação de um conjunto haplóide de cromossomas monoparentais numa placa metafásica de tipo mitótica, em que cada cromossoma tem dois cromatídeos, cada um com um cinetocoro. Como os cromatídeos estão ligados entre si, os cinetocoros localizam-se em pólos diametralmente opostos, pelo que a segregação dos cromatídeos se dá para pólos opostos. No entanto, para haver haploidização há necessidade do emparelhamento entre cromossomas homólogos biparentais e formação de um cinetocoro por homólogo. Apesar de não poder haver indução de quiasmas, podia-se teoricamente esperar que os factores de coesão entre os cromatídeos actuassem sobre os homólogos. Para resolver este problema, temos de transferir linfócitos para ovócitos MI intactos e MI enucleados, uma vez que os MI possuem factores que naturalmente reconhecem os homólogos ligados por quiasmas, sintetizando um cinetocoro por homólogo de cada par de homólogos, independentemente dos cromatídeos.

Outras causas poderão também ser responsáveis por estas dificuldades. Por exemplo, pode ser que a membrana do linfócito e o seu citoplasma interfiram no processo. Para resolver esta questão, temos de testar a transferência dos núcleos dos linfócitos em vez de usarmos toda a célula. A activação farmacológica pelo ionoforo de cálcio A23187, que induz um pico único de libertação endógena de cálcio, também poderá não ser o melhor estímulo para induzir a haploidização. Em alternativa, temos de experimentar o estrôncio, outros ionoforos, ou activar o sistema de sinalização intracelular com agonistas do inositol 1,2,3-trisfosfato. Finalmente, os resultados também indiciam que a presença da placa metafásica II e a retoma da meiose II do ovócito inibem a haploidização, pelo que as experiências deverão ser repetidas em ovócitos enucleados.

AGRADECIMENTOS

FCT (POCTI/SAU-MMO/60709/04, /60555/04, 59997/04, UMIB).


Correspondencia: Mário Sousa.

Laboratório de Biologia Celular, ICBAS, Universidade do Porto.

Largo do Professor Abel Salazar 2, 4099-003 Porto. Portugal.

Correo electrónico: msousa@icbas.up.pt


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