DISFUNÇÃO ENDOTELIAL: DO LABORATORIO À CLINICA
A Disfunção eréctil (DE) afecta cerca de 152 milhões de homens em todo o mundo, e as projecções apontam para números de cerca de 322 milhões em 20251.
É conhecido que entre as várias etiologias da DE a mais frequente é a de origem vascular, por insuficiencia arterial das artérias cavernosas, resultando numa diminuição na biodisponibilidade do óxido nitrico (ON)2. É igualmente bem conhecido que a presença de factores de risco vascular tais como a diabetes, hipertensão arterial, hipercolesterolémia, a obesidade e o tabagismo aumentam o risco de aparecimento de disfunção endotelial3, e o endotélio é bastante mais do que a parte interna das artérias. É de facto um componente bastante activo do sistema cardio-vascular, jogando um papel activo na homeostasia circulatória atravês dos efeitos vasomotores, anti-inflamatórios e anticoagulantes. Muitas propriedades da função endotelial são mediadas pelo ON que participa igualmente nos mecanismos anti-inflamatórios e anti-aterogénicos, inibe a função plaquetar, a adesão leucocitária, a proliferação das células musculares e a permeabilidade vascular.
Está recentemente em voga a teoria do "Lúmen Arterial", onde se considera a aterosclerose como uma doença sistémica, sendo claro que obstrucções maiores ou iguais a 50% do calibre dos vasos, são responsáveis por sintomatologia.
Torna-se assim particularmente compreensivel que a disfunção endotelial possa ser um marcador precoce de aterosclerose antes mesmo das manifestações clinicas, e que o seu reconhecimento seja igualmente importante na estratificação dos doente de risco para DE, como aliás já é reconhecido para a doença coronária sintomática4.
Muitos métodos têm sido utilizados para avaliar a função endotelial, mas como o maior estimulo fisiológico para a libertação do ON é o próprio fluxo sanguíneo, o método mais utilizado baseia-se na avaliação ultrasonográfica dos diâmetros dos vasos periféricos5. Embora a artéria braquial seja a mais frequentemente estudada com este intuito, outras artérias periféricas podem também o ser, incluindo a artéria cavernosa, como o fez pela primeira vez Virag6. A facilidade com que se consegue o acesso do ponto de vista ultrasonografico ás artérias braquiais, por comparação com as artérias cavernosas, faz com que estas sejam mais estudadas, quando se pretende avaliar a disfunção endotelial. Assumindo que a disfunção endotelial é um processo sistémico, e como tal passivel de poder ser avaliado em diferentes sistemas vasculares, é lógico que deve ser efectuado da maneira mais cómoda para o doente e técnicamente mais simples, sendo contudo importante avaliar a correlação entre as alterações nas artérias braquiais e as cavernosas, e caso se confirme, como estudos recentes o demontram7, então utilizar de forma rotineira a avaliação das artérias braquiais como factor de prognóstico da disfunção endotelial, e consequentemente da DE7,8.
Nas últimas décadas têm sido feito um grande esforço para idêntificar a doença coronária nos seus estadios mais precoces possíveis. Surgiram meios imagiológicos, que permitem o diagnóstico da doença coronária obstrutiva com enorme precisão, como a tomografia multi-detector ou a ressonância magnética nuclear, que permitem caracterizar a placa aterosclerótica e assim reconhecer o potêncial de instabilidade da mesma. Contudo 2 técnicas recentes simples e de baixos custos, baseadas no efeito Doppler, têm ganho especial relevo na avaliação de risco cardio-vascular e de prognóstico: O ratio da pressão arterial braquio-cefálico e a avaliação da espessura intima-média da artéria carótida.
Quanto á avaliação da DE de origem arterial, as publicações mais recentes parecem apontar no mesmo sentido, com avaliação da correlação entre as alterações pós-oclusivas no diâmetro das artérias braquiais e das artérias cavernosas atravês da ultrasonografia-doppler7, através da medição da percentagem de aumento do diâmetro da artéria cavernosa (PICAD), obtendo-se boas correlações entre ambas as artérias. Outros trabalhos demonstraram igualmente, boas correlações entre a avaliação de resposta hiperémica reactiva entre as artérias braquiais e as artérias cavernosas, quando avaliadas pelo doppler8. De facto tais resultados não são de espantar, uma vez que o denominador comum é o endotélio vascular, e estando este doente num local do organismo, tal será seguramente uma situação que terá repercussão sistémica. Deve contudo olhar-se com atenção tais trabalhos já que irão permitir, atravês de exames simples, seguramente escalonar os doentes em potênciais grupos de risco para a doença endotelial, e desta forma iniciar uma terapêutica precoce para os factores de risco endoteliais, o que ajudará seguramente a prevenir a DE, bem como as restantes manifestações da disfunção endotelial, não sendo de mais lembrar que a DE está presente em cerca de 66% dos doentes antes de um episódio de Enfarte Agudo do Miocárdio.
Chegado a este ponto, a que elementos poderemos recorrer do ponto de vista laboratorial, como elementos de avaliação da DE? De facto, numerosos marcadores bioquimicos têm vindo igualmente a ser avaliados quer experimentalmente, quer do ponto de vista clínico: CD 40ligando, glutatião peroxidase-1, Myeloperoxidase, IMA, PAPP-A, PLAC2, uFFAs e, acima de todos, hs-CRP. Contudo, do ponto de vista prático diríamos que apenas a PCR e a Hgb A1c, são de facto as únicas com estudos sólidos onde é evidente a sua correlação com a disfunção endotelial.
Quanto à aplicação terapêutica destes conhecimento, vários estudos têm demonstrado que intervenções ao nível dos estilos de vida, dieta e intervenções farmacológicas podem melhorar a disfunção endotelial, e que a esta melhoria se seguem melhorias clinicas globais.
Assim, do ponto de vista geral é de preconizar a suspensão do tabaco, o exercicio fisico, como forma de combater a obesidade, sendo certo que um perímetro abdominal superior a 102 cm está claramente associado à doença endotelial, o bom controlo das glicémias nos diabéticos, sendo fundamental a manutenção de uma Hgb A1c inferior a 6,5%, sendo claro a repercussão metabólica desta atitude, com diminuição marcada do ião Superóxido (O-), e consequentemente aumento do ON, com o respectivo beneficio a nível celular; o tratamento com estatinas, vizando um bom controlo das hipercolesterolémias; e o uso dos IECA e ARBs, no tratamento da HTA. De facto tais medidas demonstraram claramente uma recuperação da função endotelial, o que é uma prova indirecta da importância do factor endotelial na doença aterosclerótica.
Quanto a medidas mais especificas para a DE, vários trabalhos têm demonstrado que a toma precoce e regular dos inibidores da fosfodiesterase 5 leva a um efeito benéfico do ponto de vista endotelial e vascular, nos vários territórios vasculares9, e mais especificamente nas artérias cavernosas11, estando associada a um aumento do GMPc gerado pela activação do ON. Os vários estudos clínicos revelaram uma acção protectora destes metabolitos ao nível endotelial quer a curto, quer a médio prazo. Outros estudos baseados em modelos animais demonstraram igualmente uma melhoria estrutural e funcional do tecido cavernoso e sugeriram de forma clara o mesmo mecanismo molecular do GMPc/ON, já referrido como Key point12,13.
Resta-nos pois "dar tempo ao tempo" e esperar que estudos bem desenhados surjam e demonstrem de forma clara e inequivoca estes mesmos beneficios a longo prazo e que nos permitam do ponto de vista prático criar grupos de risco quanto ao factor endotelial, de maneira a efectuar profiláxia endotelial aos "doentes" saudáveis que dele mais necessitem.
Correspondencia: Manuel Ferreira Coelho.
Serviço de Urologia. Hospital Fernando Fonseca.
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