“… a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde…” Winnicott
As brincadeiras fazem parte da vida da criança, e é por meio delas que, muitas vezes, a criança expressa os sentimentos de forma não verbal. Essa forma de expressão é de muita importância quando submetida a agravos, como a internação hospitalar. Privar a criança de sua linguagem é piorar ainda mais a agressão. Assim, um espaço adequado para que as brincadeiras aconteçam dentro do ambiente hospitalar é altamente recomendado. No Brasil, desde 2005, os hospitais que prestam atendimento pediátrico estão obrigados por lei a contar com brinquedotecas.1
Se, por um lado, a brinquedoteca proporciona um local para a criança manifestar seus sentimentos durante a internação e minimizar o sofrimento, sendo um dos locais do hospital lembrados com alegria, por outro, o convívio próximo e o contato com brinquedos manipulados por outras crianças podem facilitar a aquisição de infecções. Infelizmente, pode ocorrer a contaminação dos brinquedos, e surtos de infecções hospitalares já foram atribuídos a eles.2–4
As crianças apresentam algumas peculiaridades que as predispõem aos processos infecciosos, como a imaturidade imunológica, a falta de contato anterior com patógenos, a falta de controle esfincteriano nas crianças de baixa idade e a fase oral do desenvolvimento. Soma-se a isso a interação muito próxima com os membros da equipe de saúde e familiares e, portanto, maior contato com mãos e utensílios potencialmente contaminados. Também as causas infecciosas grande parte das vezes predominam nas internações pediátricas.5
Embora a maior vulnerabilidade da criança e a exposição a patógenos sejam bem conhecidas, o papel das superfícies e, particularmente, dos brinquedos tem tido pouca atenção por parte das equipes de controle de infecção hospitalar e de pesquisa, e é tida como prioritária.6,7
Boretti et al,8, em artigo publicado nesta edição da revista, mostram que microrganismos do gênero Staphylococcus, tanto coagulase negativos como positivos, com resistência elevada aos antimicrobianos habitualmente utilizados no tratamento de pacientes internados, estavam presentes em 87% dos brinquedos que analisaram logo após a manipulação pela criança. Tem o mérito de mostrar que a contaminação é elevada por microrganismos resistentes e que em alguns materiais, como plásticos e borracha, a contaminação é mais intensa.
Algumas limitações podem ser apontadas e podem servir para a continuação dessa linha de pesquisa. O desenho do estudo não permite saber quando ocorreu a contaminação, se os brinquedos já estavam contaminados antes da manipulação pela criança. Sabe-se que os estafilococos permanecem muitos dias viáveis em fomites e superfícies.9,10 A origem dos microrganismos também não pode ser analisada, e um fato curioso é o encontro de estafilococos coagulase positivos, como o S. intermedius, o S. schleiferi e o S. hyicus.5,11 Essas espécies habitualmente são encontradas em animais domésticos, como cães e gatos;5,11 será que a procedência nos brinquedos foi das crianças expostas a animais antes da internação? Ou nesse hospital ocorre a visita terapêutica de animais? A presença dos microrganismos não prova que eles podem infectar os pacientes, mas estudos utilizando tecnologia de biologia molecular poderiam atestar a origem das cepas que infectam os pacientes.5
De qualquer forma, medidas preventivas para evitar a disseminação dos microrganismos devem ser tomadas. Além das medidas clássicas de limpeza e desinfecção dos brinquedos e, portanto, a escolha de brinquedos laváveis e da higiene das mãos, não se deve esquecer da higiene das mãos das crianças12 e da limpeza e desinfecção dos mobiliários e das superfícies do ambiente.10 Tecnologias inovadoras, como superfícies autodesinfetantes, métodos de cuidados com pouca manipulação, desenho das áreas destinadas à recreação, devem ser pesquisadas em hospitais pediátricos.6,7,10
A autora declara não haver conflitos de interesse.