Em Portugal, mais de metade da população tem excesso ponderal e hipercolesterolémia. Quase metade tem hipertensão e quase um quarto da população é pré-diabética.
ObjetivoCalcular a prevalência de fatores de risco cardiovascular numa amostra de militares no ativo e caracterizar a sua distribuição por sexo, idade e classe profissional.
MetodologiaEstudo observacional e transversal realizado numa unidade militar. Foram recolhidos dados sociodemográficos e antropométricos, glicemia, perfil lipídico e pressão arterial (PA).
ResultadosForam incluídos 83 militares, 86,7% do sexo masculino, com idade média de 33,8 anos. 61% eram oficiais ou sargentos (idade média 41 anos) e 39% praças (idade média 22 anos). 67,5% registaram um índice de massa corporal (IMC) ≥25kg/m2 e 15,7% um IMC ≥30kg/m2. Quanto ao perfil lipídico, 47% apresentaram colesterol total (CT) ≥ 200mg/dl, 51,8% LDL ≥130mg/dl e 19,3% triglicéridos (TG) ≥150mg/dl. 13,3% apresentaram hipertensão e 19,3% apresentaram uma glicémia ≥100mg/dl mas nenhum revelou valores >110mg/dl. Os militares com idade ≥40 anos mostraram valores medianos mais elevados de IMC (27,6 vs. 25,7kg/m2), CT (215 vs. 179mg/dl), TG (115 vs. 88mg/dl), LDL (144 vs. 115,7mg/dl) e glicémia (96,1 vs. 90,0mg/dl), comparativamente com os de idade <40 anos. Os oficiais e sargentos apresentaram valores mais elevados em todos os parâmetros avaliados, comparativamente com os praças.
ConclusõesA maioria dos militares estudados apresentaram excesso ponderal (67,5%) e 47% apresentaram hipercolesterolémia. Os nossos resultados fazem-nos refletir sobre a necessidade de mais estudos que avaliem os hábitos alimentares e de atividade física desta população.
In Portugal, more than half the population is over weight and has hypercholesterolemia. Almost half has high blood pressure and nearly one quarter of the population is pre-diabetic.
ObjectiveTo calculate the prevalence of cardiovascular risk factors in a sample of active military and characterize their distribution by sex, age and profession.
MethodologyAn observational, cross, held in a military unit. Data were collected socio-demographic and anthropometric, blood glucose, lipid profile and blood pressure (BP).
ResultsWe included 83 military personnel, 86.7% male, mean age 33.8 years. 61% were officers or sergeants (mean age 41 years) and 39% squares (mean age 22 years). 67.5% have a Body Mass Index (BMI) ≥ 15.7% 25kg/m2 and a BMI ≥ 30kg/m2. The lipid, 47% had total cholesterol (TC) ≥ 200mg/dl, LDL ≥ 130mg/dl 51.8% and 19.3% triglyceride (TG) ≥ 150mg/dl. 13.3% had hypertension and 19.3% had a blood glucose ≥ 100mg/dl but none showed values> 110mg/dl. The military aged ≥ 40 years showed higher median values of BMI (27.6 vs 25, 7kg/m2), TC (215 vs 179mg/dl), TG (115 vs 88mg/dl), LDL (144 vs 115, 7mg/dl) and glucose (96.1 vs 90, 0mg/dl) compared with those aged < 40 anos. The officers and sergeants had higher values in all parameters evaluated compared with the squares.
ConclusionsMost of the military studied showed excess weight (67.5%) and 47% had hypercholesterolaemia. Our results make us reflect on the need for more studies that assess the eating habits and physical activity in this population.
Atualmente, mais de um bilião de adultos no mundo tem excesso de peso e pelo menos 300 milhões são clinicamente obesos. Estima-se que 17,6 milhões de crianças com menos de 5 anos, em todo o mundo, apresentam excesso de peso1.
Num estudo realizado em jovens portugueses do sexo masculino, observados nas inspeções militares, 15% tinha excesso de peso (IMC ≥25kg/m2) em 1994, percentagem que aumentou em 1999 para 22%. A percentagem de indivíduos obesos (IMC ≥30kg/m2) era, respetivamente, de 1,4 e 2,3%2. Relativamente a um estudo efetuado em militares no Brasil, com idades entre os 19-35 anos, a prevalência de excesso de peso e obesidade é de 75 e 18%, respetivamente. Nos indivíduos que praticam atividade física regular, a prevalência de excesso de peso e obesidade reduz para metade3. Vários estudos mostram que grande parte da população militar apresenta excesso de peso3–5, o que pode ter impacto no recrutamento e posterior desempenho na atividade física5.
Segundo a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), dados recolhidos entre 2003-2005, 53,6% da população portuguesa, entre os 18 e 64 anos, tem excesso de peso ou obesidade (39,4% e 14,2%, respetivamente) e 49,8% apresenta um risco cardiovascular aumentado devido a um perímetro da cintura elevado. Este estudo mostra que na meia-idade é o período da vida onde se verifica a maior prevalência de pré-obesidade/obesidade e que esta prevalência é maior nos homens do que nas mulheres.
Resultados semelhantes foram apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) (2005/2006).
As doenças cardiovasculares continuam a ser principal causa de morte em Portugal e na Europa. 34,1% da população portuguesa morre por doença cardiovascular, sendo a doença cerebrovascular e a doença coronária as mais prevalentes6.
Dados fornecidos pela Fundação Portuguesa de Cardiologia sobre o perfil lipídico da população portuguesa apontam para uma parte considerável da população (68,5%) que apresenta um risco moderado para doença cardiovascular (colesterol total ≥190mg/dl) e cerca de 23,4% apresenta um risco elevado (colesterol total ≥240mg/dl)7.
Relativamente à prevalência da hipertensão arterial (HTA) em Portugal, segundo o Estudo de Valsim, 42,62% dos portugueses sofre de HTA8. Resultados semelhantes foram encontrados pelo Prof. Doutor Mário Espiga Macedo, que mostrava que 46,5% dos portugueses com mais de 18 anos eram hipertensos9. Na Europa, a prevalência de indivíduos com HTA é de 44%. Já nos EUA e Canadá esta prevalência ronda os 28 e 27%, respetivamente, dos quais 23% estão controlados em oposição aos 8% nos países Europeus8. Nos militares brasileiros a prevalência de HTA é de 22%3.
Em Portugal, a prevalência de diabetes tipo 2 (DM2) ajustada ao sexo e à idade é de 11,7%. Verificou-se um predomínio no sexo masculino (14,2%) em relação ao sexo feminino (9,5%). Do total de pessoas avaliadas, 6,6% tinham diagnóstico prévio e 5,1% não sabiam que eram diabéticos. Entre os 20-39 anos, a prevalência foi de 2,4%, a qual vai aumentando com a idade para 12,6% (entre os 40-59 anos) e 26,3% (entre os 60-79 anos). 23,2% da população tinha «pré-diabetes»10.
ObjetivoO objetivo do estudo foi avaliar a prevalência de fatores de risco cardiovascular (índice da massa corporal, glicemia, colesterol, triglicéridos e pressão arterial) numa amostra de militares no ativo, bem como caracterizar a sua distribuição por sexo, idade e classe profissional.
MetodologiaEstudo observacional e transversal, realizado numa unidade militar. Foram recolhidos dados sociodemográficos (sexo, idade e grupo militar) e antropométricos (peso e altura), glicémia, perfil lipídico (colesterol total [CT], lipoproteínas de baixa densidade [LDL], triglicéridos [TG] e lipoproteínas de alta densidade [HDL]) e pressão arterial (PA). A dislipidémia foi definida de acordo com os critérios de: CT>200mg/dl, LDL>130mg/dl, TG>150mg/dl e HDL<40mg/dl para os homens e <45mg/dl para as mulheres11. Foi considerada HTA quando os valores da pressão arterial sistólica (PAS) foram superiores a 140mm/Hg e/ou da pressão arterial diastólica (PAD) de 90mm/Hg12. O excesso de peso e obesidade foram caracterizados de acordo com os critérios da OMS, IMC ≥25kg/m2 e IMC ≥30kg/m2, respetivamente.
As variáveis quantitativas (idade, CT, TG, HDL, LDL, glicemia, altura, peso, IMC, PAS e PAD) foram descritas através da média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo. As variáveis qualitativas (grupo militar, sexo, CT por grupo, TG por grupo, HDL por grupo, LDL por grupo, glicemia por grupo, IMC por grupo, PA por grupo) foram sumariadas através de frequências absolutas (n) e relativas (%).
A associação de variáveis categóricas independentes foi testada através do teste do Qui-quadrado ou do teste exato de Fisher. As comparações entre 2 grupos relativamente a variáveis quantitativas foram conduzidas através do teste T para amostras independentes ou do correspondente não paramétrico (Mann-Whitney), quando o pressuposto da normalidade não foi verificado. Os testes estatísticos foram efetuados para 2 caudas (bilaterais) considerando-se um nível de significância de 5%.
A análise estatística foi efetuada utilizando o software estatístico SPSS®, versão 16.0.
ResultadosForam incluídos 83 militares, 86,7% do sexo masculino, com idade média de 33,8 anos (entre os 18-51 anos). Aproximadamente 61% eram oficiais ou sargentos e 39% praças. Verificou-se que o grupo de indivíduos do sexo masculino era essencialmente constituído por oficiais ou sargentos (66,7%) enquanto o grupo de indivíduos do sexo feminino apresentavam uma maior percentagem de praças (72,7%). A média de idades dos oficiais e sargentos foi de 41 anos e a dos praças de 22 anos.
Do total da amostra, verificou-se que 67,5% tinha excesso ponderal e 15,7% tinha obesidade, (IMC médio de 26,5kg/m2). A percentagem de indivíduos com excesso ponderal foi superior nos oficiais e sargentos comparativamente aos praças (80,4 vs. 46,9%, p=0,002), sendo que 37,5% dos praças e 60,8% dos oficiais e sargentos tinha excesso de peso e 9,4% dos praças e 19,6% dos oficiais e sargentos tinha obesidade, figura 1. O IMC mediano registado pelo sexo feminino foi estatisticamente inferior ao registado pelos indivíduos do sexo masculino (24,0 vs. 26,6kg/m2, p=0,037). A proporção de indivíduos com excesso de peso (IMC >25kg/m2) foi superior no sexo masculino comparativamente com o sexo feminino (72,2 vs. 36,4%), p=0,034).
Relativamente ao perfil lipídico 47% tinha CT ≥200mg/dl, 19,3% apresentava TG ≥150mg/dl e 51,8% tinha LDL ≥130mg/dl (valores médios de CT- 203,3mg/dl; LDL- 133,1mg/dl e TG- 110,4mg/dl). 15,6% dos praças e 66,7% dos oficiais e sargentos tinha CT ≥200mg/dl. Quanto aos valores de LDL, 15,6% dos praças e 64,7% dos oficiais e sargentos tinha LDL ≥130mg/dl. Apenas 29,4% dos oficiais e sargentos apresentava valores de TG ≥150mg/dl em oposição aos praças que apenas 3,1% tinha os valores de TG elevados, figura 2. Da análise ao perfil lipídico, relativamente ao sexo, apenas os valores medianos de HDL foram estatisticamente diferentes entre os grupos (62mg/dl no sexo feminino vs. 46mg/dl no sexo masculino, p=0,001).
Quanto à glicemia de jejum, nenhum apresentava glicemia superior a 110mg/dl, 27,5% dos oficiais e sargentos e 6,2% dos praças apresentaram valores de glicemia ≥100mg/dl. Os valores medianos da glicemia foram ligeiramente inferiores para o sexo feminino (89 vs. 93mg/dl, p=0,039).
Relativamente à HTA, aproximadamente 13,3% dos indivíduos apresentaram PAS ≥140mmHg e/ou PAD ≥90mmHg, sendo a percentagem de oficiais e sargentos superior à dos praças (19,6 vs. 3,1% p=0,044, considerando o critério PAS ≥140mmHg ou PAD ≥90mmHg), figura 3. Em termos de valores medianos de PA, o sexo feminino apresentou valores mais baixos (118-74 vs. 122-72mmHg).
Foram registados valores médios mais elevados de IMC (27,5 vs. 24,8kg/m2), CT (221,8 vs. 173,8mg/dl), TG (128 vs. 82,3mg/dl), LDL (147,5 vs. 110mg/dl) e glicemia (95,7 vs. 87,3mg/dl) nos oficiais e sargentos em relação aos praças.
DiscussãoDos 83 militares estudados 67,5% apresentaram excesso de peso e 47% hipercolesterolémia.
Comparativamente, existem estudos em militares brasileiros3 e americanos4,5 que demonstraram que grande parte apresenta também excesso de peso tal como se verificou na nossa população. Esta elevada prevalência de excesso de peso nas populações militares pode não refletir o excesso de massa gorda, mas sim a elevada presença de massa magra, que por sua vez é mais pesada, influenciando deste modo o IMC dos militares.
Relativamente ao perfil lipídico existem estudos que mostram que os níveis de colesterol sérico aumentam com a idade e estão mais elevados nos homens, tal como se verificou na nossa população, em que 39,7% dos oficiais e sargentos apresentavam colesterol elevado comparando com apenas 6% dos praças7.
Em relação à HTA, os resultados da nossa população são mais baixos do que os descritos para a população portuguesa. Apenas 13,3% dos militares apresentavam HTA comparativamente com os 42,6% da população portuguesa8.
Os oficiais e os sargentos têm resultados mais elevados de IMC, colesterol, HTA e glicemia do que os praças, o que provavelmente está relacionado com a idade superior das 2 primeiras classes. Estes resultados poderão também relacionado com a prática regular de atividade física, a qual é mais intensa nos praças.
ConclusãoOs nossos resultados fazem-nos refletir sobre a necessidade de mais estudos que avaliem a composição corporal, os hábitos alimentares e de atividade física desta população. De futuro, é importante não só fazer uma avaliação corporal baseada no IMC, mas também realizar a todos os indivíduos uma bioimpedância, através da qual se pode obter a composição corporal exata do mesmo, em massa gorda e massa magra.
É importante salientar que o excesso ponderal e as doenças associadas podem ter impacto no recrutamento e posterior desempenho na atividade física em missões militares. É essencial a implementação de estratégias de prevenção e educação para a saúde em grupos populacionais específicos onde a prevalência de obesidade, diabetes, dislipidémia, HTA e doenças cardiovasculares estão presentes2,13.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.