Descrever os perfis de peso das mulheres grávidas, utentes da unidade de saúde familiar (USF), determinando a prevalência de grávidas obesas, com excesso de peso (EP), normopeso ou baixo peso antes da conceção e final da gravidez. Descrever as principais complicações em cada um dos grupos.
População e métodosEstudo observacional, descritivo e transversal realizado na USF Nova Via. A população em estudo incluiu todas as grávidas cujo parto ocorreu entre 1 de março de 2010 e 31 de dezembro de 2010, com pelo menos 7 consultas de Saúde Materna na USF. Os dados foram colhidos em setembro de 2011 através da consulta do processo clínico, recorrendo aos programas informáticos SINUS® e SAM®. As variáveis estudadas foram a idade, número de gestações, paridade, existência de consulta de pré-conceção, IMC na última consulta antes da gravidez, aumento de peso durante a gestação, complicações na gravidez, peso ao nascimento do recém-nascido e prematuridade.
ResultadosOitenta e oito grávidas cumpriam os critérios de inclusão: 22,7% com EP, 14,8% com obesidade e 1,1% com baixo peso. Na gravidez, 50% das primeiras e 30,8% das segundas aumentaram de peso mais do que o recomendado. As complicações foram mais comuns nas grávidas inicialmente obesas/EP (total 27,3%: 9,1% com diabetes gestacional, 9,1% com pré-eclâmpsia) do que nas inicialmente normoponderais (total 9,3%: 7,4% com diabetes gestacional). O número de cesarianas foi superior nas inicialmente obesas, bem como o número de partos pré-termo.
ConclusãoA prevalência de mulheres que eram obesas/EP ao engravidar é considerável, dessas, uma importante percentagem teve um ganho ponderal superior ao recomendado. Assim, como o controlo nutricional é difícil de obter, importa implementar medidas para o acompanhamento adequado, investindo nas consultas de pré-conceção, na educação para a saúde e, possivelmente, rastreando as mulheres de risco para um melhor seguimento e possível orientação para nutrição.
To describe the weight profiles of pregnant women, users of the Family Health Unit (Unidade de Saúde Familiar – USF). To determine the prevalence of obese, overweighted, normal-weighted or underweighted pregnant women before conceiving and at the end of pregnancy. To describe the main complications of each group.
Population and methodsObservational descriptive cross-sectional study, carried out at USF Nova Via. The study population included all pregnant women whose delivery occurred between 1/3/2010 and 31/12/2010, with at least 7 Maternal Health consults at USF. Data was collected in 9/2011 by consulting clinical process, using the software SINUS® and SAM®. The studied variables were age, number of gestations and deliveries, presence of pre-conceiving. The Consultation, BMI at last visit before pregnancy, weight gain during pregnancy, pregnancy complications, newborn's birth weight and prematurity.
Results88 pregnant women fulfilled the inclusion criteria: 22.7% with overweight, 14.8% with obesity and 1.1% underweighted. During pregnancy, 50% of the initially overweighted and 30.8% of the initially obese gained weight more than recommended. Complications were more common in pregnant women initially overweighted/obese (total 27.3%: 9.1% with gestational diabetes, 9.1% with pre-eclampsia) than those initially normal-weighted (9.3% total: 7.4% with gestational diabetes). The number of caesarean sections and preterm births was higher in those initially obese.
ConclusionThe prevalence of women that get pregnant and are obese/overweight is considerable, and a significant proportion gain weight more than recommended. Therefore, as nutritional control is difficult to obtain, it is important to implement measures for proper follow-up, investing in pre-conceiving consults, in health education, and eventually screening the women at risk, for a better follow-up and eventual nutritional counseling.
A prevalência da obesidade tem vindo a aumentar ao longo dos anos, bem como as suas comorbilidades, constituindo um importante problema de saúde pública. Atinge toda a população, embora o impacto nos mais jovens seja cada vez maior.
Atualmente estima-se que em Portugal 34,4% das mulheres tenha excesso de peso e 13,4% sejam obesas1. As mulheres obesas em idade fértil têm maior prevalência de amenorreia e infertilidade2.
A obesidade pode ser desencadeada ou agravada pela gravidez3. Quando está presente na gravidez, a obesidade está definitivamente associada a um risco aumentado de desfechos adversos durante a gestação, associando-se a maior risco de complicações maternas e perinatais, nomeadamente diabetes gestacional (DG), hipertensão arterial (HTA) induzida pela gravidez, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, fenómenos tromboembólicos, infeções urinárias, parto pré-termo, partos distócicos, cesarianas, malformações fetais, macrossomia fetal, morte fetal, hemorragia maciça pós-parto, infeção puerperal, morte materna, entre outras4–6. No entanto, estas complicações e as suas consequências podem ser prevenidas.
Está provado que as grávidas obesas e com excesso de peso (EP) devem ser encorajadas a perder peso antes de engravidar, reforçando a importância das consultas pré-concecionais. Também durante a gestação e no pós-parto a prevenção tem um importante papel, na medida em que pode ajudar a evitar as consequências a longo prazo, estando provado que o ganho de peso adequado durante a gestação está associado a um melhor desfecho materno e fetal.
Além das complicações maternas e perinatais, o excessivo aumento de peso materno também está associado a maior retenção de peso no pós-parto, bem como a maior risco de obesidade futura, acarretando desta forma problemas de saúde futuros para a mulher, nomeadamente alterações do metabolismo dos lípidos, HTA ou diabetes mellitus tipo 27.
O médico de família tem assim um papel ativo e preponderante para a obtenção de ganhos em saúde através da implementação e incentivo de medidas preventivas e de combate da obesidade.
Desta forma, o objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de grávidas obesas e com excesso de peso na Unidade de Saúde Familiar (USF) Nova Via, caracterizar as grávidas da USF Nova Via quanto ao seu perfil de peso e verificar as principais complicações ocorridas na gravidez e parto por perfil de peso.
MetodologiaEstudo observacional, descritivo e transversal que decorreu entre junho e outubro de 2011 na USF Nova Via.
As grávidas inscritas na USF Nova Via, cujo parto ocorreu entre 1 de março e 31 de dezembro de 2010 constituíram a população estudada.
Os critérios de inclusão foram: a) parto ocorrido entre 1 de março de 2010 e 31 de dezembro de 2010; b) ter tido 7 ou mais consultas de Saúde Materna (SM) na USF durante a gravidez de que resultou o parto em questão; c) primeira consulta de SM até às 11 semanas e 6 dias de gestação; d) última consulta de SM após as 35 semanas e 6 dias de gestação (se gestação de termo) ou 4 semanas antes do parto (se parto pré-termo). Constituíram critérios de exclusão a indisponibilidade dos dados relativos a pelo menos um dos seguintes parâmetros: a) peso na primeira consulta de SM; b) peso na última consulta de SM.
Os dados foram obtidos a partir dos processos clínicos, cujas fontes foram os programas informáticos SAM – Sistema de Apoio ao Médico® v.10.0 (ficha de identificação do utente, programa de SM, programa de saúde infantil e juvenil) e SINUS®.
Os dados foram recolhidos em setembro de 2011 e registados, pelos autores, numa base de dados eletrónica elaborada pelos mesmos no software Excel Microsoft Office 2007®.
As variáveis em estudo foram:
a) idade – variável universal;
b) número de gestações – variável quantitativa discreta, definida como o número de gestações incluindo a gestação de que resultou o parto entre março e dezembro de 2010;
c) paridade – variável quantitativa discreta, definida como o número de partos prévios ao ocorrido entre março e dezembro de 2010;
d) índice de massa corporal (IMC) na primeira consulta de SM – variável composta, definida pelo cálculo do rácio peso/altura2 (kg/m2) e classificada em 1) «obesidade» se IMC≥30kg/m2; 2) «EP» se 25≤IMC<30kg/m2; 3) «normopeso» se 18,5≤IMC<25kg/m2; 4) «baixo peso» se IMC<18,5kg/m2;
e) aumento de peso na gestação – variável composta, definida pela diferença entre o peso aferido na última consulta de SM e o peso aferido na primeira consulta de SM (kg) e classificada em 1) «aumento de peso superior ao esperado»; 2) «aumento de peso dentro do esperado»; 3) «aumento de peso abaixo do esperado» conforme apresentado na tabela 1;
Critérios de definição da variável «aumento de peso na gestação»*
IMC na 1.a consulta de SM | Aumento de peso superior ao esperado | Aumento de peso dentro do esperado | Aumento de peso abaixo do esperado |
«Obesidade» | > 9kg | [5-9] kg | < 5 kg |
«Excesso de peso» | > 11,5 kg | [7-11,5] kg | < 7 kg |
«Normopeso» | > 16 kg | [11,5-16] kg | < 11,5 kg |
«Baixo peso» | > 18 kg | [12,5-18] kg | < 12,5 kg |
f) complicações na gravidez – variável qualitativa nominal, definida como as complicações ocorridas na gravidez/parto que podem estar relacionadas com o peso da grávida (foram colhidas todas as complicações ocorridas que cumprem a definição de f) e obtiveram-se casos de diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, hemorragias uterinas e alterações do líquido amniótico);
g) tipo de parto – variável qualitativa nominal, classificada em 1) eutócico; 2) cesariana; 3) ventosa; ou 4) fórceps;
h) peso ao nascimento do recém-nascido (RN) – variável quantitativa contínua, definida como o peso (gr) aferido ao nascimento e classificada em 1) «baixo peso» se peso <2.500gr; 2) «peso adequado» se peso entre ≥2.500gr e <4.000gr; 3) «peso elevado» se peso ≥4.000gr;
i) prematuridade – variável quantitativa contínua, definida pela idade gestacional (IG) ao nascimento (semanas + dias) e classificada em 1) «recém-nascido de termo» se IG ≥ 37 semanas; 2) «recém-nascido pré-termo» se IG < 37 semanas.
Os dados recolhidos e registados em base de dados foram analisados utilizando o software Excel Microsoft Office® 2007.
As variáveis categorizadas são apresentadas como frequência (percentagem).
ResultadosDas 134 grávidas inscritas na USF Nova Via no período em estudo, 88 (65,7%) cumpriam os critérios de inclusão. Tinham 29,3 anos de idade média, uma média de 1,7 gestações e uma média de 0,4 partos prévios.
Na primeira consulta de SM, a avaliação do IMC distribuiu-se de acordo com os resultados apresentados na figura 1, onde 14,8% das grávidas eram obesas e 22,7% tinham EP.
A avaliação da evolução do peso durante a gravidez, que foi feita tendo em conta o IMC aferido na primeira consulta de SM, mostrou que 50% (10) das grávidas inicialmente com EP e 30,8% (4) das inicialmente obesas aumentaram de peso mais do que o recomendado. Das grávidas inicialmente com normopeso apenas 7,8% (4) apresentaram um aumento de peso superior ao recomendado. Os perfis de evolução de peso verificados estão apresentados nas figuras 2 a 4.
Das grávidas com normopeso na 1.a consulta de SM (54), 3 tiveram uma gravidez gemelar. Nestas gravidezes a evolução ponderal rege-se por parâmetros diferentes. Por serem apenas 3 grávidas, os autores optaram por excluí-las da avaliação da evolução de peso e da avaliação das complicações da gravidez/parto.
A única grávida com baixo peso na 1.a consulta de SM evoluiu de peso de acordo com o recomendado para o seu IMC inicial.
Globalmente, as complicações observadas durante a gravidez foram mais comuns nas grávidas inicialmente obesas/EP (27,3%) do que nas inicialmente normoponderais (11,2%). A hemorragia do 1.° trimestre constituiu a única exceção, tendo sido ligeiramente mais frequente neste último grupo (0 versus 1,9%). Estes resultados são apresentados de forma mais detalhada na figura 5.
De salientar que, surpreendentemente, a percentagem de DG nas grávidas obesas/EP foi relativamente próxima das grávidas normoponderais.
Relativamente ao tipo de parto, os resultados estão apresentados na figura 6. Destaca-se que o número de cesarianas foi superior nas grávidas inicialmente obesas/EP.
Relativamente ao número de partos pré-termo, a distribuição segundo o peso da mãe na 1.a consulta de SM e a sua evolução ponderal durante a gravidez está descrita na tabela 2.
Número de partos pré-termo de acordo com o peso da mãe na 1.a consulta de SM e a evolução de peso na gravidez
IMC na 1.a consulta de SM | Aumento de peso superior ao esperado (n) | Aumento de peso dentro do esperado (n) | Aumento de peso abaixo do esperado (n) |
«Obesidade» | 0 | 1 | 1 |
«Excesso de peso» | 1 | 1 | 0 |
«Normopeso» | 0 | 1 | 3 |
n: número de partos pré-termo.
Relativamente ao peso ao nascimento dos recém-nascidos, a distribuição segundo o peso da mãe na primeira consulta de SM e a sua evolução ponderal durante a gravidez foi a descrita na tabela 3 para os recém-nascidos com baixo peso e a descrita na tabela 4 para os recém-nascidos com peso elevado ao nascimento.
Número de recém-nascidos com baixo peso ao nascimento de acordo com o peso da mãe na 1.a consulta de SM e a evolução de peso na gravidez
IMC na 1.a consulta de SM | Aumento de peso superior ao esperado (n) | Aumento de peso dentro do esperado (n) | Aumento de peso abaixo do esperado (n) |
«Obesidade» | 1 | 0 | 0 |
«Excesso de peso» | 0 | 1 | 0 |
«Normopeso» | 0 | 1 | 0 |
n: número de recém-nascidos.
Número de recém-nascidos com peso elevado ao nascimento de acordo com o peso da mãe na 1.a consulta de SM e a evolução de peso na gravidez
IMC na 1a Consulta de SM | Aumento de peso superior ao esperado (n) | Aumento de peso dentro do esperado (n) | Aumento de peso abaixo do esperado (n) |
«Obesidade» | 0 | 1 | 1 |
«Excesso de peso» | 1 | 0 | 0 |
«Normopeso» | 0 | 0 | 2 |
n:– número de recém-nascidos.
Nesta amostra 14,8% das grávidas são obesas e 22,7% têm EP. Noutros estudos9 foi encontrada uma prevalência de obesidade nas grávidas que variou entre 6-28%, valores onde se encaixam os valores de obesidade encontrados na nossa população. Noutro estudo, Ducarme et al.10 encontraram 23,5% grávidas com EP e 7,5% de grávidas obesas, sendo a percentagem de grávidas obesas no estudo de Ducarme quase metade do valor obtido no nosso estudo. A percentagem de grávidas com ganho ponderal superior ao esperado durante a gravidez foi superior nas mulheres com obesidade ou EP.
As complicações durante a gravidez foram mais comuns nas grávidas inicialmente obesas ou com EP. Nos Estados Unidos, a incidência de DG em grávidas obesas está aumentada em relação à restante população obstétrica, estando descritas incidências de DG em grávidas obesas na ordem dos 6-12%, enquanto nas grávidas não obesas a incidência de DG ronda apenas os 2-4%9. Num estudo caso controlo português11 os autores verificaram uma incidência de DG e de HTA superior no grupo de obesas, como o esperado e à semelhança dos nossos resultados. No entanto, surpreendentemente, a percentagem de diabetes gestacional nas grávidas obesas/EP foi semelhante à das grávidas normoponderais no nosso estudo. Uma vez que todas as grávidas com diagnóstico de DG são referenciadas para seguimento da gravidez nos cuidados de saúde secundários, este facto pode ser explicado pelo facto de algumas mulheres optarem por ser duplamente vigiadas nos cuidados de saúde primários e secundários, podendo ter havido mais mulheres normoponderais a optarem por esta dupla vigilância do que obesas/EP.
O número de cesarianas foi também superior no grupo de grávidas obesas/EP corroborando os resultados de uma meta-análise de Poobalan et al.12, que mostraram que a obesidade na gravidez aumenta a probabilidade quer da cesariana eletiva quer da cesariana de emergência.
O facto de não terem sido encontrados outros estudos deste género efetuados nos cuidados de saúde primários e o facto da análise da evolução ponderal ter sido feita por subgrupos, tendo em conta o peso inicial das grávidas, constituem 2 pontos fortes do presente estudo.
No entanto, o nosso estudo também tem limitações, nomeadamente, o facto de apenas terem sido avaliadas grávidas vigiadas, o que pode ter levado à subvalorização das grávidas de alto risco, uma vez que estas foram referenciadas e seguidas a nível hospitalar; o facto de não terem sido avaliadas variáveis sociodemográficas que possam ter alguma influência nos resultados encontrados; e o facto de não ter sido avaliado o grau de risco das grávidas, que pode ter influência no aparecimento de complicações que possam não ser devidas única e exclusivamente à obesidade.
Foram também identificados 3 possíveis vieses: um viés de seleção, uma vez que só foram consideradas as grávidas vigiadas; um viés de informação, uma vez que os registos utilizados para a recolha de dados foram efetuados por diferentes médicos; e um viés de medição, uma vez que as balanças utilizadas não foram sempre as mesmas e podiam não estar calibradas.
No futuro, investir na educação para a saúde a fim de reduzir a percentagem de população obesa e com EP é uma medida fundamental. Também deveremos investir nas consultas de pré-conceção para tentar incentivar as grávidas pertencentes a estes grupos a perder peso antes de engravidarem, explicando os riscos da obesidade/EP durante a gravidez e que a perda de peso pré-gestacional diminui a ocorrência de complicações maternas durante a gestação. Será também essencial aconselhar o ganho de peso adequado durante a gravidez, de acordo com o peso inicial das grávidas, criando objetivos quantificados desde o início. Uma avaliação antropométrica adequada durante esta fase é, desta forma, imprescindível, tendo como objetivo não só identificar grávidas com desvio ponderal no início da gestação como também detetar ganhos de peso excessivos. Por último, deveremos investir na identificação das mulheres de risco de maneira a proporcionar um melhor seguimento das mesmas, avaliando qualitativa e quantitativamente a sua dieta e, se necessário, orientá-las para uma consulta de nutrição, de forma a obterem uma melhor orientação alimentar, adequada ao seu estado e ao seu peso no início da gravidez/na pré-conceção e que não coloque em risco nem a saúde materna nem a fetal.
Conflitos de intereseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Os autores agradecem à Dra. Ângela M. Teixeira, Assistente em Medicina Geral e Familiar na USF dos autores, pela disponibilidade e colaboração em todas as fases deste trabalho.