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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
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Vol. 56. Núm. 2.
Páginas 127-131 (abril - junio 2015)
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Vol. 56. Núm. 2.
Páginas 127-131 (abril - junio 2015)
Caso clínico
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Contribuição da radiografia panorâmica no diagnóstico de calcificação de ateroma de carótida: relato de caso e revisão da literatura
Contribution of panoramic radiography in the diagnosis of calcified carotid atheroma: case report and literature review
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Mariana Quirino Silveira Soares
Autor para correspondencia
marianaqsilveira@usp.br

Autor para correspondência.
, Rubens Cardozo de Castro Jr., Paulo Sérgio da Silva Santos, Ana Lúcia Alvares Capelozza, Izabel Regina Rubira Fischer‐Bullen
Departamento de Estomatologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
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Resumo

As calcificações vasculares são comuns em pacientes com lesões ateroscleróticas avançadas, ocorrendo mais em indivíduos de idade avançada, reduzindo a distensão e luz dos vasos sanguíneos, gerando hipertensão. Ateromas podem levar a cardiopatia, a qual está diretamente associada à ocorrência de acidente vascular cerebral. Calcificações nos ateromas de carótida podem ser detectadas incidentalmente nas radiografias panorâmicas odontológicas, porém a associação entre a presença das imagens e o diagnóstico ainda representa um desafio. Neste artigo relatamos o achado incidental de ateromas de carótida na radiografia panorâmica de um paciente masculino de 73 anos. A radiografia apresentava imagem radiopaca com grande dimensão e localização atípica de ateroma de carótida, representando um desafio para o diagnóstico. A despeito dos achados radiográficos exuberantes o paciente apresentou estenose inferior a 50% no exame ultrassonográfico. Assim, revisamos a literatura sobre a precisão da radiografia panorâmica no diagnóstico e a necessidade de encaminhamento do paciente para investigações adicionais.

Palavras‐chave:
Doenças das artérias carótidas
Aterosclerose
Radiologia
Radiografia panorâmica
Abstract

Vascular calcifications are common in patients with advanced atherosclerotic lesions. Most frequent in older adults, they reduce distension and decrease the lumen of blood vessels causing hypertension. Atheroma can lead to heart disease and is directly associated with the occurrence of cerebral vascular accident. Calcifications of the carotid atheroma can be detected as incidental findings on panoramic radiographs for evaluation, but the association between the presence of the images and the diagnosis is still a challenge for the clinician. We report the incidental finding of carotid atheroma on panoramic radiography of a 73 year‐old male. The radiography showed a radiopaque image with large and atypical location of carotid atheroma, representing a challenge to diagnose. Despite the significant radiographic findings, the stenosis observed on ultrasonography was smaller than 50%. Hence, we review the literature about the accuracy of panoramic radiography in the diagnosis and the need for further investigation.

Keywords:
Carotid Artery Diseases
Atherosclerotic plaque
Radiology
Panoramic Radiography
Texto completo
Introdução

As doenças das artérias carótidas desenvolvem‐se frequentemente em pacientes com idade mais avançada, muitas vezes causadas por calcificações vasculares e formação de placas ateroscleróticas1–3. A calcificação do sistema vascular na região da cabeça e do pescoço reduz a distensão dos vasos sanguíneos, resultando em diminuição da luz dos vasos e, consequentemente, podendo originar a uma doença cardíaca congestiva, insuficiência coronariana e morte4–7.

Aproximadamente 20% dos acidentes vasculares cerebrais isquêmicos são resultantes do desprendimento ou ruptura de uma placa aterosclerótica presente na região carotídea. As placas carotídeas são ricas em material fibroso com pouca deposição de material lipídico. A estenose aterosclerótica de mais de 50% do lúmen carotídeo pode causar acidentes vasculares cerebrais isquêmicos e ataques isquêmicos transitórios3,8.

A identificação das placas calcificadas de material fibroso na região carotídea pelo cirurgião dentista é muito importante, pois a radiografia panorâmica é um exame complementar muito utilizado para avaliação e plano de tratamento e pode auxiliar no diagnóstico precoce de uma lesão mais grave que possa causar danos à saúde do paciente3,9,10. Entretanto, o correto diagnóstico dessa lesão na radiografia panorâmica e a conduta em relação ao paciente ainda representam um desafio na prática clínica odontológica3.

Neste trabalho faremos o relato de um achado incidental de ateroma de carótida em imagem radiográfica panorâmica de um paciente que procurou atendimento para avaliação de lesão em boca. A imagem radiográfica panorâmica revelou imagem radiopaca de dimensão e localização atípicas de ateroma de carótida tornando o diagnóstico desafiador e a despeito dos achados radiográficos exuberantes o paciente apresentou estenose inferior a 50% no exame ultrassonográfico com Doppler. Assim, discutimos a literatura existente sobre a precisão da radiografia panorâmica no diagnóstico dessa lesão, o diagnóstico diferencial e a conduta em relação ao encaminhamento do paciente para investigações adicionais.

Caso clínico

Paciente do sexo masculino, 73 anos, leucoderma, foi encaminhado pelo cirurgião dentista para avaliação e tratamento de lesão pigmentada na mucosa jugal, observada durante tratamento odontológico. Durante a anamnese o paciente relatou ser tabagista e etilista há mais de 50 anos, diagnóstico prévio de artrite reumatoide e no momento da consulta em tratamento com sulfato de hidroxicloroquina 400mg e metrotexato 2,5mg. Ao exame clínico observou‐se presença de mancha negra‐acinzentada de superfície plana, contornos irregulares com consistência semelhante à da mucosa, de mais ou menos 2mm na mucosa jugal direita próxima à região dos dentes 15 e 16. O paciente foi submetido à biópsia excisional da lesão e o resultado do exame histopatológico foi compatível com argirose focal (tatuagem por amálgama).

Durante interpretação do exame radiográfico panorâmico trazido pelo paciente foi possível observar a presença de uma imagem radiopaca heterogênea na região de ângulo/corpo de mandíbula do lado direito outra imagem radiopaca na altura da 3.a vértebra do lado esquerdo (fig. 1). O diagnóstico presuntivo do achado da imagem sobreposta ao ângulo de mandíbula incluiu sialólito em glândula submandibular e ateroma em artéria carótida; e do achado na altura da 3.a vértebra do lado esquerdo: ateroma em artéria carótida.

Figura 1.

Imagem panorâmica apresentando imagem radiopaca heterogênea sobreposta ao ângulo/corpo de mandíbula do lado direito e imagem radiopaca na altura da 3.a vértebra do lado esquerdo.

(0.06MB).

Na telerradiografia em norma lateral múltiplas imagens radiopacas alinhadas à coluna vertebral na altura da 2.a e 3.a vértebras foram visualizadas (fig. 2). Para que pudéssemos fazer o diagnóstico diferencial obtivemos uma imagem radiográfica oclusal distorcida para descartar o diagnóstico presuntivo de sialólito que não foi confirmado (fig. 3). Assim, foi solicitada ultrassonografia com Doppler de carótidas. Na imagem ultrassonográfica foi confirmada a presença de placa ateroesclerótica heterogênea, com calcificação de superfície lisa, sem repercussão hemodinâmica determinando estenose inferior a 50% na artéria carótida interna do lado direito e placas ateroscleróticas nos bulbos carotídeos direito e esquerdo, sem repercussão hemodinâmica (fig. 4). O paciente foi encaminhado ao cardiologista que diante do laudo do exame ultrassonográfico optou pelo acompanhamento do caso.

Figura 2.

Telerradiografia apresentando múltiplas imagens radiopacas alinhadas à coluna vertebral na altura da 2.a e 3.a vértebras.

(0.12MB).
Figura 3.

Imagem radiográfica oclusal distorcida de mandíbula.

(0.04MB).
Figura 4.

Imagem ultrassonográfica com Doppler de carótidas apresentando estenose inferior a 50% na carótida interna direita (A), nos bulbos carotídeos direito (B) e esquerdo (C).

(0.13MB).
Discussão e conclusões

Os ateromas são placas lipídicas fibrosas localizadas na camada íntima de qualquer artéria. São mais comuns na aorta, coronárias e carótidas. O termo aterosclerose é utilizado para descrever um grupo de alterações patológicas que incluem: espessamento e perda de elasticidade da parede arterial resultante da formação dos ateromas3. A calcificação vascular é comum em lesões ateroscleróticas avançadas, ocorre com maior frequência em indivíduos com idade mais avançada e está diretamente associada à ocorrência de acidente vascular cerebral (AVC)11–13.

Estima‐se que a cada ano sejam registrados 17,1 milhões de óbitos no mundo decorrentes de doenças cardiovasculares, dentre elas o AVC. A causa mais comum de AVC são as placas ateroscleróticas na bifurcação da artéria carótida comum e na carótida interna14. Para os pacientes com arteriosclerose assintomática o risco de AVC varia de 1‐3% enquanto nos pacientes que apresentam estenose ou lesões ulceradas o risco aumenta de 5‐7%12.

O tratamento para as lesões na artéria carótida são discutidos na literatura e variam desde o acompanhamento médico e mudança no estilo de vida até à endarterectomia da carótida ou possível implante de stent nos casos com maior grau de estenose15–17. O limiar para o tratamento com endarterectomia é estenose de 70% (em casos específicos, 50‐69%), para os pacientes com estenose inferior a 50% este procedimento não é indicado18. O stent é empregado em pacientes ≥70% que não podem ser submetidos à endarterectomia19.

As calcificações nos ateromas de carótida podem ser detectadas como achados incidentais nas radiografias panorâmicas muito utilizadas em odontologia com prevalência variando entre 3‐5%9,20,21,22 e podem sugerir um alto grau de estenose arterial13.

Considerando que a radiografia panorâmica é um método auxiliar da avaliação inicial dos pacientes para investigação de lesões odontogênicas e não‐odontogênicas dos maxilares, sua interpretação inclui todas as estruturas adjacentes, permitindo assim a detecção de alterações das áreas de ateroscleroses em artérias carótidas.

Usualmente, as calcificações nos ateromas de carótida em radiografias panorâmicas aparecem como radiopacidades nodulares difusas alinhadas verticalmente na altura do osso hioide, epiglote e margem inferior da terceira e quarta vértebra cervicais (C3‐ C4)22. Entretanto neste relato observamos a presença de imagem radiopaca na altura da C3 do lado esquerdo e outra sobreposta ao ângulo da mandíbula do lado direito na altura da segunda vértebra cervical. Esta localização inusitada da lesão do lado direito deve‐se provavelmente à localização da calcificação em artéria carótida interna e bulbo carotídeo, diferente da lesão do lado esquerdo localizada apenas no bulbo carotídeo.

O diagnóstico diferencial de ateromas de carótida deve incluir outras imagens radiopacas, que devido à proximidade topográfica com a artéria carótida podem se projetar na mesma área radiográfica23. Dentre elas: 1. o osso hioide, calcificações na cartilagem cricoide, glândula tireoide (corno superior da cartilagem tireoide) cartilagem tritícia, epiglote, palato mole, língua, lóbulo da orelha, tubérculo anterior da atlas e vértebra; e 2. lesões – nódulos de calcificação linfáticos, flebólitos, sialólito em glândulas submandibulares, tonsilólitos e acne calcificada3,24.

É importante enfatizar que qualquer achado no que diz respeito às calcificações em artérias carótidas em imagens radiográficas panorâmicas podem representar indicação para investigação adicional com exame por ultrassonografia com Doppler13. A imagem panorâmica não está adequada para o rastreamento de estenose de carótida em nível populacional, uma vez que apresenta limitações importantes, como nem todos os ateromas apresentam calcificações e, portanto, podem ser observados no exame radiográfico. A distinção de outras estruturas radiopacas na mesma região topográfica pode representar um desafio até mesmo para profissionais experientes; considerando‐se ainda que os achados da radiografia panorâmica nem sempre apresentam alto grau de correlação com a ultrassonografia e angiografia13,21.

Numa investigação prévia com 778 radiografias panorâmicas, as imagens foram interpretadas por examinadores com diferentes graus de experiência. O primeiro examinador, um residente do segundo ano de clínica geral, identificou imagens sugestivas de ateromas em 99 radiografias (12,7%); o segundo examinador, professor associado de prótese dentária com experiência de análise de cerca de 1.200 radiografias panorâmicas ao ano, identificou como positivos 78 casos (10,03%) e o terceiro examinador, um especialista em radiologia maxilofacial que está acostumado a interpretar aproximadamente 3.000 radiografias panorâmicas por ano e com ampla experiência clínica e científica na identificação de calcificações nas artérias carótidas em radiografias panorâmicas, identificou como positivos 27 casos (3,5%). Fica assim claro que a experiência do examinador é um fator determinante para o correto diagnóstico dessa lesão21.

Noutro estudo prévio, a mensuração das áreas sugestivas de calcificação da artéria carótida foi realizada em radiografias panorâmicas utilizando ferramentas disponíveis no NIH's ImageJ (NIH, Bethesda, MD, EUA; http://imagej.nih.gov/ij/) e os resultados comparados com os achados no exame ultrassonográfico das artérias carótidas em 122 pacientes. A radiografia panorâmica foi capaz de identificar as calcificações das artérias carótidas com 77,8% de sensibilidade e 84% de especificidade. As imagens de calcificação na artéria carótida comumente observadas na radiografia panorâmica foram bem correlacionadas com o índice de resistência e altamente associadas à presença de aterosclerose generalizada medido a partir de eco‐Doppler carotídeo. Quando a calcificação estava localizada na carótida interna a correlação com os achados na ultrassonografia foi menor12. Esses resultados justificam a falta de correlação no nosso caso entre a exuberante imagem radiopaca observada na radiografia panorâmica e um grau de estenose não significativo do ponto de vista clínico observado no exame de ultrassonografia.

Assim, sugere‐se que os pacientes com diagnóstico de ateromas de carótida a partir da radiografia panorâmica se beneficiem de investigações adicionais e possam ser encaminhados à especialidade médica pertinente. Porém, o paciente deve ser informado a respeito das limitações do exame radiográfico e tranquilizado no intuito de evitar que o mesmo torne‐se ansioso devido à preocupação causada pela identificação e seja prejudicado pelos fatores emocionais e não exatamente pela doença diagnosticada3.

Os achados incidentais de calcificações em ateromas de carótida podem ser usados para triar pacientes que se beneficiariam de uma investigação minuciosa de alterações vasculares em carótidas no intuito de minimizar eventos cardiovasculares futuros. De momento a radiografia panorâmica é incapaz de predizer o grau de estenose arterial com precisão, sendo a ultrassonografia com Doppler o exame complementar ideal para essa investigação. Além disso, é preciso atenção ao diagnóstico diferencial com outras estruturas radiopacas anatômicas e patológicas que podem estrar localizadas na mesma região topográfica.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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