Os odontomas constituem-se como os tumores odontogénicos mais comuns, sendo definidos como uma malformação benigna, em que as células alcançam completa diferenciação, atingindo o estágio, no qual todos os tecidos dentais estão representados. São classificados em odontomas complexos e compostos. Normalmente, são assintomáticos e diagnosticados através de exames radiográficos de rotina. O tratamento para este tipo de lesão é a exérese cirúrgica e o prognóstico é excelente. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão da literatura sobre o assunto e apresentar um caso de odontoma composto de uma paciente de 26 anos do género feminino atendida na clínica de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da PUC Minas.
Odontomas consists as the more common odontogenic tumors, being defined as a benign malformation, in which the cells attain complete differentiation, reaching the stage in which all dental tissues are represented. They are classified complex and compound odontomas. They are usually asymptomatic and diagnosed by routine radiographic examination. The treatment for this type of lesion is surgical excision and the prognosis is excellent. This paper aim is to review literature on the subject and present a case of compound odontoma in a 26 years female patient treated in the Stomatology clinic of the School of Dentistry at PUC Minas.
Os odontomas são os tipos mais comuns dos tumores odontogénicos, pois são considerados mais como uma anomalia de desenvolvimento (hamartoma) do que uma neoplasia verdadeira1–3.
Acometem preferencialmente indivíduos na segunda e terceira décadas de vida, contudo, sem encontrar prevalência quanto aos sexos2,4–7. A localização mais frequente do odontoma composto é observada na região anterior da maxila, ao passo que o odontoma complexo ocorre na região posterior em ambos maxilares8,9.
Estas lesões são geralmente assintomáticas, sendo identificadas em exames radiográficos de rotina. Achados clínicos, como impactação, mal posicionamento, anodontia, malformação e desvitalização de dentes adjacentes podem estar associados aos odontomas5,10. Outros sintomas incluem anestesia do lábio inferior e expansão da cortical óssea11.
Radiograficamente, os odontomas compostos apresentam-se como um conjunto de estruturas semelhantes aos dentes, de forma e tamanho variáveis, envoltos por uma zona radiolúcida, sendo sua imagem patognomónica constituída de 2 ou mais dentículos de pequeno tamanho7,12. Já os odontomas complexos aparecem como massas radiopacas amorfas, envolvidas também por uma estreita zona radiolúcida8,9.
Histologicamente, as lesões apresentam todas as estruturas dentárias: matriz de esmalte; dentina ou material dentinóide; polpa e cemento em um estroma de tecido conjuntivo fibroso, sendo toda a massa envolta por uma cápsula fibrosa10,13,14.
O tratamento do tumor em questão consiste na exérese cirúrgica, devendo preservar as unidades dentárias com ele relacionadas8.
O propósito deste trabalho é relatar um caso de odontoma composto, além de promover uma revisão da literatura sobre o tema.
Caso clínicoPaciente do género feminino, 26 anos de idade, leucoderma, estudante, compareceu à clínica da disciplina Estomatologia da Faculdade de Odontologia da PUC Minas queixando-se de um «aumento de volume que apareceu na região lingual».
Durante a anamnese, não foi relatada nenhuma ocorrência de trauma ou dado médico relevante e sem referências a parestesia. Ao exame clínico intrabucal observou-se um aumento de volume na região lingual do rebordo mandibular. Durante a palpação, a lesão apresentou-se de consistência dura, sendo a mesma assintomática.
Foi solicitada uma radiografia periapical, que mostrou a presença de uma massa radiopaca contendo pequenas estruturas calcificadas com radiopacidade semelhante à de estruturas dentárias delimitada por uma linha radiolúcida localizada nos ápices dos dentes 34 e 35. Observou-se também deslocamento radicular do dente 35 (fig. 1). Para melhor localização e delimitação da lesão, foram realizadas uma radiografia oclusal e uma panorâmica (figs. 2 e 3). Os dentes 34 e 35 responderam positivamente aos testes de vitalidade pulpar.
Com base na história clínica e nos achados radiográficos, estabeleceu-se o diagnóstico clínico de odontoma composto. O tratamento proposto foi a remoção cirúrgica (enucleação e curetagem), através de anestesia local.
A conduta cirúrgica utilizada consistiu em: antissepsia intra e extra-oral, anestesia do nervo alveolar inferior esquerdo, lingual, bucal e mentoniano. Foi realizada a incisão do tipo envelope na região lingual envolvendo os dentes 31 a 36. Após o deslocamento do retalho, realizou-se a osteotomia utilizando peça reta e broca esférica sob intensa irrigação com soro fisiológico, a lesão foi clivada e removida (figs. 4–6). Procedeu-se à exodontia do elemento 35, que se encontrava intimamente relacionado com a lesão. Foram realizados os procedimentos de regularização das bordas com lima para osso, limpeza final com soro fisiológico da cavidade, reposicionamento do retalho e sutura com fio de seda 4-0.
O material coletado foi incluído em solução formalina a 10% e encaminhado para a análise anatomopatológica no Laboratório de Patologia Bucal da PUC Minas, o qual confirmou o diagnóstico de odontoma composto (fig. 7). Foram passadas as recomendações pós-operatórias e prescritos analgésico, antibiótico e anti-inflamatório não esteroidal ao paciente com intuito de um pós-operatório mais confortável e sem complicações. Além disso, foi prescrito bochecho diário com solução de gluconato de clorexidina a 0,12% (Periogard®) durante 7 dias.
Dentículos constituídos por cemento, dentina e tecido pulpar (a,b) (aumento de 20 × e 40 ×, respetivamente). Túbulos dentinários e tecido pulpar constituído por tecido conjuntivo fibroso frouxo vascularizado, contendo odontoblastos (c) (aumento de 100 ×). Tecido conjuntivo fibroso frouxo, exibindo ninhos de células epiteliais odontogénicas, circundando os dentículos (d) (aumento de 400 ×). Coloração em hematoxilina e eosina.
Decorrido o período de 7 dias, a paciente voltou para remoção da sutura apresentando ótima cicatrização. Durante a proservação de 11 meses, notou-se, na radiografia panorâmica, a neoformação óssea na área antes ocupada pelo odontoma (fig. 8).
Explicou-se à paciente importância de reabilitação na área onde foi realizada a exodontia do elemento 35; porém, a mesma optou por abandonar o tratamento.
DiscussãoA história comprova a existência antiga dos odontomas: durante uma escavação num túmulo em Lewes, identificou-se um odontoma na maxila de um jovem, datado de 500 a 1800 anos antes de Cristo. O termo odontoma foi introduzido por Broca em 1867 para designar genericamente patologias que incluíam cistos e tumores odontogénicos13,15.
De acordo com a Classificação Internacional de Tumores da Organização Mundial de Saúde, os odontomas são conceituados como malformações ou hamartomas em que as células epiteliais e mesenquimais apresentam completa diferenciação com formação de esmalte e dentina2,16–18.
A etiopatogenia constitui um aspeto bastante investigado, embora ainda se apresente indeterminada. São sugeridos fatores como: mutações genéticas ou interferência de um gene no controle do desenvolvimento dentário, traumatismo ou infeções locais, restos epiteliais de Malassez, germinação aberrante primitiva da lâmina dentária, anomalias dos elementos formadores dos tecidos dentários, hiperatividade da lâmina dentária, ou pode estar relacionada com doenças sistémicas. Alguns investigadores relatam que os odontomas complexos se desenvolvem a partir do folículo dentário: já os compostos, a partir de proliferações acessórias do epitélio odontogénico 13.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1992 classificou os odontomas em compostos e complexos baseados no grau de diferenciação e organização tecidual1,16,17,19,20. O odontoma composto é uma malformação na qual estão representados todos os tecidos dentários com um padrão de distribuição ordenado, onde a lesão consta de muitas estruturas semelhantes a dentes rudimentares. Já o complexo, é uma malformação na qual estão representados todos os tecidos dentários com um padrão de distribuição desordenado. Tanto o composto quanto o complexo são envolvidos por uma cápsula fibrosa. Por vezes podem aparecer odontomas que representam a combinação de ambos, o odontoma composto ou misto1,5,19.
O caso apresentado envolveu uma paciente do sexo feminino de 26 anos, sendo que a literatura refere um acometimento igual para ambos os sexos e preferencialmente indivíduos na segunda e terceira décadas de vida.
Clinicamente, apresentam-se como lesões assintomáticas, de crescimento lento e tamanho variável. Os odontomas podem causar uma série de transtornos, sendo destacados os problemas relacionados com a interferência no processo de irrompimento do dente, retardando ou impedindo os movimentos de erupção ectópica, e ainda possíveis sequelas como: deslocamento e má formação de dentes vizinhos, diastema, anodontia e a pressão exercida pelo odontoma pode gerar dor, desvitalização e reabsorções dentárias2,4–7.
O exame radiográfico é de extrema importância para o estudo e o diagnóstico dos odontomas. Os odontomas apresentam aspeto radiográfico característico2,6,7. Nos odontomas complexos, a radiopacidade não se apresenta especificamente determinada, mostrando-se como uma massa irregular e desorganizada circundada por uma estreita zona radiolúcida8,9. No tipo composto, a imagem radiográfica é patognomónica7,12. Podemos observar, na imagem radiopaca, dezenas de dentículos que simulam dentes de pequeno tamanho circundado por fina área radiolúcida7,12.
Ao exame microscópio, pode observar esmalte ou matriz de esmalte, dentina ou material dentinoide, tecido pulpar e cemento apresentando completa histodiferenciação, mas dispostos de modo desordenado e sem relação entre si, envolvidos por uma cápsula de tecido conjuntivo fibroso nos odontomas complexos. Já o odontoma composto constitui-se nas mesmas estruturas calcificadas dispostas de modo ordenado e com relação entre si, semelhante a dentes normais contidos numa cápsula fibrosa13,14.
O diagnóstico diferencial do odontoma nos estágios inicial e intermediário deve ser feito com uma série de lesões, tais como fibroma ossificante, displasia cementária periapical, tumor odontogénico adenomatoide e cisto odontogénico epitelial calcificante. O diagnóstico diferencial do odontoma complexo inclui os osteomas e as osteítes condensantes14.
No caso clínico apresentado, a hipótese de diagnóstico de odontoma composto foi baseada nos achados clínicos e imagiológicos, em que se constataram todas as características da lesão, sendo o diagnóstico posteriormente confirmado com o exame histopatológico.
O tratamento do odontoma é cirúrgico conservador, sendo relativamente simples a sua remoção, pela facilidade de clivagem2,5,15. A possibilidade de recidiva é remota16. No caso clínico apresentado, o tratamento instituído foi a enucleação completa da lesão, exodontia do elemento 35 e reparação óssea da área operada.
O odontoma pode ser tratado sem a necessidade de remoção dos dentes adjacentes16,17. No caso relatado foi realizado a exodontia do elemento 35 devido à falta de suporte ósseo após a enucleação da lesão.
O acompanhamento do caso foi feito pelo período de um ano, durante o qual não se notaram indícios de recidiva, facto que concorda com relatos unânimes da literatura.
ConclusãoDe acordo com a literatura, conclui-se que:
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O odontoma é um tumor odontogénico benigno e de ocorrência frequente no complexo maxilo-mandibular, onde há uma completa diferenciação celular, com estágio de formação de esmalte, dentina e polpa;
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São patologias assintomáticas, de evolução lenta, atingindo, na maioria dos casos, pequenas proporções;
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O diagnóstico precoce do odontoma, bem como uma possível intervenção cirúrgica, permitem ao paciente evitar maiores complicações na vida adulta (transtornos oclusais, estéticos, fonéticos, não erupção de elementos da dentição permanente, desvitalização de dentes adjacentes e erupção ectópica).
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Quanto ao tratamento, os autores são unânimes em indicar que a melhor forma de tratamento é a excisão local simples, sendo o prognóstico favorável.
Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.