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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
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Vol. 54. Núm. 2.
Páginas 95-102 (abril - junio 2013)
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Vol. 54. Núm. 2.
Páginas 95-102 (abril - junio 2013)
Caso clínico
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Protocolo ortodôntico-cirúrgico no tratamento das deformidades dento-faciais classe iii- relato de caso clínico
Orthodontic-surgical protocol in the treatment of class III dental-facial deformities - report of a clinical case
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Rita Barroso
Autor para correspondencia
tiritta@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Francisco do Vale
Serviço de Ortodontia, da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
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Resumo

Os autores descrevem o protocolo usado no Serviço de Ortodontia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra para a preparação de doentes submetidos a tratamento ortodôntico-cirúrgico-ortognático. O caso clínico escolhido foi o de uma paciente de 21 anos, que apresentava uma deformidade dento-facial de classe III, com assimetria do terço inferior da face e que foi submetida a uma cirurgia bimaxilar.

Para se obter a normalização das estruturas dento-esqueléticas e consequente bom posicionamento do envelope cutâneo, é sempre elaborado um protocolo ortodôntico-cirúrgico que engloba 3 fases: uma fase de diagnóstico e plano de tratamento, uma fase ortodôntico-cirúrgica e uma fase de retenção.

Este método permite otimizar os movimentos realizados pelo cirurgião e assim aumentar a estabilidade pós-cirúrgica.

Palavras-chave:
Cirurgia ortognática
Aparelhos ortodônticos
Retentores ortodônticos
Férulas
Abstract

The authors describe the protocol used in the Orthodontics Service of the Medicine Faculty of the University of Coimbra, to prepare patients submitted to orthodontic-surgical-orthognathic treatment. A clinical case of a 21-year-old female patient, presenting a class III dental-skeletal dysmorphism, who was submitted to a bimaxillary surgery is presented.

To normalize dental-skeletal structures, and assure the correct positioning of the cutaneous envelope, an orthodontic-surgical protocol is used. This includes three phases: diagnostics and treatment plan, comprehensive orthodontic treatment combined with orthognathic surgery, and retention.

This method allows optimizing the surgeon's movements, increasing post-surgery stability.

Keywords:
Orthognathic surgery
Orthodontic appliances
Orthodontic retainers
Splints
Texto completo
Introdução

Pacientes com deformidades dento-faciais de classe III constituem um desafio para o ortodontista e para o cirurgião maxilo-facial, pois além da obtenção de uma boa oclusão é necessário restabelecer a proporcionalidade e harmonia da face. Quando a modificação de crescimento e/ou a camuflagem não se apresentam como soluções viáveis, a resposta é o tratamento combinado ortodontia-cirurgia ortognática1,2.

Este tipo de abordagem terapêutica envolve um trabalho de equipa entre o ortodontista e o cirurgião maxilo-facial. No Serviço de Ortodontia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra é, por norma, elaborado um protocolo ortodôntico-cirúrgico individualizado que permite antecipar as melhorias estéticas e funcionais para cada paciente. Este protocolo, relatado através do caso clínico exposto e obtido de forma aleatória, envolve várias fases: uma fase de diagnóstico e plano de tratamento com previsão cirúrgica, uma fase ortodôntica pré-cirúrgica, a cirurgia ortognática, uma fase ortodôntica pós-cirúrgica e a fase de retenção1–4.

Caso clínico

Paciente I.S., 21 anos, género feminino, procurou o Serviço de Ortodontia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra por apresentar uma deformidade dento-facial de classe III por hiperplasia mandibular e hipoplasia maxilar sagital e transversal.

Fase de diagnóstico e plano de tratamento

A paciente consultou o serviço a 9/10/2007 e apresentava um perfil marcadamente côncavo e assimetria do terço inferior da face com desvio do mento para a direita.

Não apresentava qualquer patologia geral e não referiu hábitos parafuncionais ou história de traumatismo da face.

Nos antecedentes familiares referiu um tio «prognata».

Além da recolha dos dados de anamnese, foi obtido:

  • 1.

    Um par de modelos de estudo em gesso onde foi realizada a respetiva análise de modelos (fig. 1a-c). A paciente apresentava uma classe III canina e molar, os incisivos superiores encontravam-se ligeiramente proinclinados e os incisivos inferiores retroinclinados.

    Figura 1.

    Modelos de estudo.

    (0.12MB).

    Apresentava ainda uma discrepância dento-maxilar de −3,5mm e uma discrepância dento-mandibular de −2mm. Não apresentava discrepância de Bolton.

  • 2.

    Exame fotográfico, com fotografias extraorais (fig. 2a) e intraorais (fig. 2b).

    Figura 2.

    a. Fotografias extraorais iniciais. b. Fotografias intraorais iniciais.

    (0.14MB).
  • 3.

    Uma teleradiografia da face em incidência de perfil obtida com a paciente em posição natural da cabeça (PNC), em posição de relação cêntrica (RC) e os lábios relaxados (fig. 3) e uma ortopantomografia (fig. 4).

    Figura 3.

    Teleradiografia da face em incidência de perfil inicial.

    (0.06MB).
    Figura 4.

    Ortopantomografia inicial.

    (0.05MB).

Foi realizada a análise cefalométrica dento-esquelética para avaliar as compensações dentárias e a desarmonia esquelética.

Foi usada a análise cefalométrica de Arnett, com as variáveis mensuradas para a população portuguesa, para o estudo dos tecidos moles no diagnóstico e na previsão inicial dos movimentos cirúrgicos5–9.

O traçado cefalométrico foi executado de forma manual e confirmado posteriormente através do Dolphin Imaging Software®Program/32 (High Quality Digital Imaging Software for Orthodontics, Orthognahic Surgery, Cosmetics and Medical Imaging), versão 8.0.6.12, da Dolphin Imaging Systems Inc, EUA.

O plano de tratamento proposto foi:

  • 1.

    Tratamento ortodôntico com aparatologia fixa multibrackets superior e inferior prescrição Roth, slot 0,018, com extração dos dentes 18, 28, 38 e 48.

  • 2.

    Osteotomia Lefort I para avanço de 3mm e expansão transversal e osteotomia sagital bilateral da mandíbula para recuo mandibular de 4mm com rotação anti-horária e correção da assimetria para a esquerda.

  • 3.

    Retenção.

Como a paciente apresentava uma inclinação dos incisivos superiores em relação ao plano maxilar dentro dos valores normais e não apresentava uma discrepância dento-alveolar significativa, não foram consideradas as extrações dos primeiros pré-molares superiores.

Fase ortodôntico-cirúrgicaPreparação ortodôntica pré-cirúrgica

Esta fase durou aproximadamente 18 meses e teve como objetivo colocar os dentes numa posição estável relativamente às bases ósseas, eliminando as compensações dentárias e harmonizando arcadas (fig. 5).

Figura 5.

Fotografias intraorais pré-cirúrgicas.

(0.05MB).

No final da ortodontia pré-cirúrgica os brackets presentes na boca eram equilibrium® 2da dentaurum (Turnstrabe 31-Ispringen-Alemanha) prescrição Roth, slot 0,018 e os arcos eram de aço inoxidável, com secção retangular 0,017X0,025, com ganchos adaptados. Cerca de 2 semanas antes da cirurgia foi feita uma preparação pré-cirúrgica que envolveu uma fase clínica e outra laboratorial.

Na fase clínica fez-se a recolha de dados clínicos relevantes como o comprimento da base alar, inclinação do plano maxilar, relação das linhas médias dentárias com a face e mento, exposição incisiva em repouso e em sorriso.

Obtiveram-se 3 pares de impressões das arcadas dentárias com alginato. Foi transferida para o articulador semiajustável do tipo Hanau a posição do maxilar, com recurso ao arco facial (fig. 6), fez-se um registo de mordida em relação cêntrica, novas fotografias intra e extra-orais e radiografias (uma ortopantomografia, uma teleradiografia da face em incidência de perfil e uma teleradiografia frontal - fig. 7). Na preparação para as radiografias foram usados marcadores metálicos para melhor identificar algumas partes das estruturas tegumentares do andar médio da face5,6.

Figura 6.

Montagem do arco facial.

(0.08MB).
Figura 7.

Teleradiografia frontal pré-cirúrgica.

(0.05MB).

A colocação das esferas metálicas é feita no lado direito da face e da seguinte forma5,6 (fig. 8a-c):

  • 1.

    Marcação do ponto Cheek Bone CB: olhar para o indivíduo numa perspetiva de vista a ¾, da esquerda para a direita, e marcar com tinta o ponto mais convexo do osso malar. Depois, olhar de frente para o indivíduo e marcar a tinta um ponto imediatamente abaixo do canto externo do olho direito. A esfera metálica foi colocada com gaze adesiva no ponto criado pela interceção de uma linha horizontal, iniciada no primeiro ponto marcado a tinta, com a linha vertical iniciada no segundo ponto marcado5,6.

  • 2.

    Marcação do ponto Orbital Rim OR’: a esfera metálica foi colocada diretamente no rebordo infraorbitário no mesmo meridiano da pupila, quando o indivíduo olha em frente5,6.

  • 3.

    Marcação do ponto Alar Base AB: a esfera metálica foi colocada no ponto de maior depressão, situado na base da asa direita do nariz5,6.

  • 4.

    Marcação do ponto Subpupil SP: a esfera metálica foi colocada no ponto situado no mesmo meridiano da pupila, a meia distância entre o ponto OR’ e o ponto da asa do nariz AB5,6.

Figura 8.

a. Ortopantomografia pré-cirúrgica. b. Teleradiografia da face em incidência de perfil pré- cirúrgica. c. Marcação dos pontos Arnett com esferas metálicas.

(0.19MB).

Nas teleradiografias convencionais estas estruturas são normalmente perdidas, dada a dificuldade na sua identificação. Com esta técnica de marcação essas estruturas ficam facilmente visíveis, permitindo a sua utilização no diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico-cirúrgico-ortognático5,6.

O traçado cefalométrico foi novamente executado de forma manual e confirmado posteriormente através do Dolphin Imaging Software®Program.

Juntamente com o cirurgião foram determinados os movimentos ósseos a efetuar durante a cirurgia (fig. 9a, b).

Figura 9.

a. Previsão pré-cirúrgica. b. Previsão pré-cirúrgica.

(0.19MB).
Fase laboratorial

Um par de modelos foi montado em articulador semi-ajustável do tipo Hanau H2 (fig. 10) e foram simulados os movimentos cirúrgicos a executar no maxilar através da cirurgia do modelo (fig. 11). Os restantes 2 pares foram montados em oclusor. Assim, foram confecionadas 3 férulas cirúrgicas: uma inicial, uma intermédia e uma final.

Figura 10.

Montagem de modelos em articulador semi-ajustável do tipo Hanau H2.

(0.11MB).
Figura 11.

Cirurgia do modelo superior.

(0.14MB).

A férula inicial, obtida a partir dos modelos de gesso montados em oclusor com o auxílio da cera de registo oclusal em relação cêntrica, permitiu ao cirurgião o registo intra-operatório da posição condilar correta dentro da fossa glenóide (fig. 12).

Figura 12.

Férula inicial.

(0.1MB).

A férula intermédia, obtida a partir dos modelos montados em articulador semi-ajustável, e após efetuada a cirurgia do modelo superior, serviu de guia para o deslocamento e posicionamento cirúrgico do maxilar (fig. 13).

Figura 13.

Férula intermédia.

(0.07MB).

A férula final, obtida a partir dos modelos montados em oclusor com o auxílio da cera de oclusão final, serviu de guia para o reposicionamento mandibular na oclusão pretendida (fig. 14).

Figura 14.

Férula final.

(0.09MB).

Antes da cirurgia as férulas foram testadas em boca e foram feitos os desgastes necessários para se obter estabilidade e adaptação (fig. 15).

Figura 15.

Prova de férulas em boca.

(0.08MB).
Cirurgia ortognática

Coube ao cirurgião executar as osteotomias programadas para a condução das bases ósseas à nova posição.

Foram realizadas 2 osteotomias:

  • Osteotomia Le Fort I para (fig. 16):

    • Expansão transversal de 5mm

    • Impactação total de 3mm

    • Avanço sagital de 3mm

    Figura 16.

    Le Fort I.

    (0.16MB).
  • Osteotomia sagital bilateral da mandíbula para (fig. 17):

    • Recuo de 5mm com rotação anti-horária e correção da assimetria mandibular para esquerda

    Figura 17.

    Osteotomia sagital bilateral da mandíbula.

    (0.12MB).

Finalização ortodôntica pós-cirúrgica

Esta fase durou aproximadamente 8 meses.

Após a cirurgia foram utilizados elásticos intermaxilares de forma a controlar a estabilidade pós-operatória (fig. 18). A férula final permaneceu na boca durante 4 semanas.

Figura 18.

Fotografias pós-cirúrgicas.

(0.12MB).

A partir da segunda semana foi iniciada fisioterapia com movimentos de abertura e fecho dentro dos limites confortáveis. Nas 2 semanas seguintes foram iniciadas sessões de 10-15min onde foram associados movimentos de lateralidade. A meta foi atingir a função ideal à sexta semana, a partir da qual foi introduzida a dieta sólida1.

Procedeu-se ao encerramento de diastemas e ajustes na oclusão.

Retenção

Na arcada superior foi colocada uma placa de Hawley e na arcada inferior foi colocado um retentor colado 3×3 com fio trançado de calibre 0,50mm/20 (fig. 19).

Figura 19.

Placa de Hawley/retentor colado 3×3.

(0.1MB).

A fase de retenção seguiu os mesmos procedimentos executados para o paciente ortodôntico convencional, embora neste caso, como houve expansão maxilar, foi prudente manter a placa Hawley 24h durante os primeiros 6 meses passando depois para uso noturno1,2 (fig. 20a, b).

Figura 20.

a. Fotografias extraorais finais. b. Fotografias intraorais finais.

(0.15MB).
Discussão e conclusão

A correção da deficiência transversal em pacientes adultos pode ser feita de 2 formas. Ou através da expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente ou através da osteotomia Le Fort I segmentar. A primeira está indicada principalmente em casos que apresentam deficiências transversais superiores a 7mm, em deformidades transversais isoladas ou ainda em casos em que as deficiências transversais têm um maior envolvimento da região anterior11,12.

A osteotomia Le Fort I segmentar está indicada em deficiências transversais associadas a deformidades verticais e/ou anteroposteriores quando a discrepância transversal é menor ou igual a 5mm ou em deficiências transversais maxilares com maior envolvimento da região posterior11,12.

Embora a expansão maxilar cirurgicamente assistida seja um procedimento com menor morbilidade, com menor tempo cirúrgico e com maior estabilidade em casos de expansão superiores a 5mm, a osteotomia Le Fort I segmentar proporciona uma correção das discrepâncias anteroposteriores, vertical e transversal num único ato cirúrgico. Este aspeto é relevante pois diminui o custo económico, profissional e familiar para o paciente11,12.

Atualmente pode-se tratar com sucesso a grande maioria das deformidades dentofaciais, permitindo ao paciente o retorno às suas atividades laborais em 2 semanas1,2,10.

De uma maneira geral o fator estético é mais relevante do que o fator funcional para a maioria dos indivíduos, o que contraindica apenas o tratamento ortodôntico para a correção das deformidades dentoesqueléticas com grande comprometimento facial em adultos1,10.

Os tratamentos ortodôntico-cirúrgicos devem ser executados de forma a que o resultado final corresponda às expectativas quer do paciente quer do ortodontista1,2.

Um bom planeamento pré-cirúrgico, uma correta simulação dos movimentos e a confeção das férulas cirúrgicas estão na base de um bom resultado final.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Dr. Artur Ferreira, Diretor do Serviço de Cirurgia Maxilo-Facial dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

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