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Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 27-36 (enero - junio 2014)
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Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 27-36 (enero - junio 2014)
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Caracterização da pessoa dependente no autocuidado: um estudo de base populacional num concelho do norte de Portugal
Characteristics of a person who is dependent on self-care: A population based study in a region in the North of Portugal
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Olga Ribeiroa,
Autor para correspondencia
olgaribeiro25@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Cândida Pintob
a Unidade de Cuidados Intermédios de Medicina, Centro Hospitalar de São João, Pólo São João, Porto, Portugal
b Unidade Científico Pedagógica: A Infância, a Adolescência, a Experiência Parental, a Idade Adulta e o Envelhecimento (UCP - IAEPIAE), Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal
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Tabela 1. Características sociodemográficas das pessoas dependentes
Tabela 2. Características da dependência
Tabela 3. Distribuição numérica e percentual do grau de dependência por domínio de autocuidado
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Resumo
Introdução

No mundo atual, face às alterações sociodemográficas, económicas e estruturais, a dependência no autocuidado tem cada vez mais importância, sendo hoje uma enorme preocupação das políticas de saúde e sociais a identificação das pessoas em situação de dependência e a criação de respostas ajustadas às suas necessidades.

Objetivo

O presente estudo visa caracterizar as pessoas dependentes no autocuidado, integradas em famílias clássicas num concelho do norte de Portugal.

Material e métodos

Num estudo de perfil quantitativo, exploratório, descritivo-correlacional e recorrendo a uma técnica de amostragem probabilística, aleatória, estratificada e proporcional, foram identificadas, numa abordagem do tipo «porta a porta», 2.126 famílias clássicas do concelho de Paços de Ferreira, das quais 248 integravam pessoas dependentes. Dessas, 241 famílias aceitaram participar na investigação. Como instrumentos de colheita de dados foram usados os formulários intitulados: «Famílias que integram Dependentes no Autocuidado».

Resultados

Os resultados mostraram que as pessoas dependentes eram maioritariamente do sexo feminino e com um nível etário elevado. Relativamente ao grau de dependência nos domínios de autocuidado, os que apresentavam maior percentagem de pessoas dependentes que, no mínimo, «necessitam de ajuda de pessoa» foram, por ordem decrescente, os autocuidados: tomar medicação, alimentar-se, arranjar-se, tomar banho, vestir-se e despir-se, usar cadeira de rodas, uso do sanitário, andar, transferir-se, elevar-se e virar-se. No que diz respeito ao grau de dependência, face ao domínio do autocuidado global, 7,9% das pessoas eram totalmente dependentes, não participantes; 91,7% tinham necessidade de ajuda de pessoa e 0,4% só necessitavam de equipamento.

Conclusão

Os resultados obtidos, para além de evidenciarem a necessidade de ajuda de alguém para executar, pelo menos uma das atividades inerentes a cada domínio de autocuidado, deixavam as pessoas dependentes propensas a um elevado risco de compromisso dos processos corporais. Face ao exposto, urge conhecer esta realidade, sob o ponto de vista epidemiológico, a fim de uma planificação de cuidados adequada às necessidades, que possa conduzir a ganhos em saúde.

Palavras-chave:
Dependente
Autocuidado
Dependência no autocuidado
Família
Abstract
Introduction

In the world we live in today, as a result of the socio-demographic, economic and structural changes, dependency on self-care is becoming more and more important, and nowadays it is of great concern to the social health policies to identify the people in a dependency situation and to come up with solutions that are suitable to meet their needs.

Objective

The aim of this study is to characterize and describe people dependent on self-care, integrated within a traditional family, within a private household, in a specific region in Northern Portugal.

Material and methods

In a study of a quantitative, exploratory and descriptive correlation nature, and using a random, stratified and proportional probabilistic sampling technique, 2126 classic families were identified in Paços de Ferreira, in a “door-to-door” approach. 248 of them were found to have dependent members and 241 of these families accepted to take part in this research. Forms entitled “Families with Self-Care Dependent members” were used as instruments of data collection.

Results

The results showed that the dependent people were mainly female and of a higher age group. As for the degree of dependency on self-care, it was shown that the higher percentage of dependent people who at least need someone's help, mostly include those who can take care of themselves: take their own medicine, feed themselves, get ready, bath or shower, get dressed and undressed, use a wheelchair, use the toilet, walk, move around, get up, and turn themselves around. As far as the degree of dependency is concerned, where global self-care is concerned, 7,9% of them were totally dependent without any kind of participation, 91,7% needed someone's help and 0,4% only needed equipment.

Conclusion

The results, besides demonstrating that they need help to perform at least one of the activities inherent to each set of self-care tasks, also show that they are more likely to be exposed to a higher risk of compromising bodily processes. In view of the above, it is necessary to be aware of this reality, from an epidemiological point of view, in order to plan the proper care to meet their needs and to lead to improved health.

Keywords:
Dependent
Self-care
Dependent on self-care
Family
Texto completo
Introdução

A evolução social e científica verificada ao longo das últimas décadas tem resultado num aumento da esperança média de vida e, concomitantemente, numa maior prevalência de doenças crónicas, fatores que se têm traduzido num aumento significativo de pessoas em situação de dependência. Esta é uma realidade em Portugal, tal como em outros países ditos desenvolvidos, sendo que os cuidados a estas pessoas são maioritariamente prestados no seio familiar. «A família surge, pois, como um elemento importante de solução e o cuidado fica, assim, socialmente dividido entre o Estado e a família»1.

Apesar de existirem várias políticas governamentais de apoio a pessoas em situação de dependência, a identificação dessas pessoas, do seu grau de dependência e dos cuidados básicos de que necessitam, não se encontram estudadas de forma a um efetivo aproveitamento dessas políticas por todos aqueles que delas necessitam.

Neste sentido, o estudo por regiões permitir-nos-á fazer um diagnóstico da situação, fundamentando a implementação de medidas de intervenção concretas, até porque é exatamente o grau de dependência que determina os cuidados que serão necessários2.

Na verdade, a avaliação do tipo e grau de dependência no autocuidado é de extrema importância, quer na avaliação do estado de saúde quer no planeamento dos cuidados. O conhecimento da dependência das pessoas em cada domínio de autocuidado, mais especificamente em cada atividade que o concretizam, permite não só planear cuidados individualizados, mas também definir e implementar intervenções realistas e adequadas às necessidades3.

Neste sentido, o presente estudo foi desenvolvido, no âmbito do mestrado4, sendo norteado pela seguinte questão: «Qual a dependência no autocuidado das pessoas dependentes integradas em famílias clássicas do concelho de Paços de Ferreira?».

Importa referir que o conceito de famílias clássicas é o definido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), segundo o qual a família clássica inclui «a pessoa independente que ocupe uma parte ou a totalidade de um alojamento, ou o conjunto de pessoas que residem no mesmo alojamento e que têm relações de parentesco de direito ou de facto entre si, podendo ocupar a totalidade ou parte do alojamento»5.

A dependência no autocuidado

O aumento da situação de dependência está relacionado fundamentalmente com 2 fatores: o aumento da esperança de vida e consequente envelhecimento da população, e a maior prevalência das doenças crónicas. O envelhecimento demográfico diz respeito ao aumento da proporção das pessoas idosas na população total, em detrimento da população jovem e/ou da população em idade ativa. A proporção da população mundial com 65 ou mais anos regista uma tendência crescente, tendo aumentado de 5,3% para 6,9% do total da população entre 1960-2001, esperando-se que aumente para 15,6% em 20506. «Paralelamente ao aumento do número global de idosos, emerge outro fenómeno, que consiste no aumento do número dos muito idosos, com maior probabilidade de degradação física e mental»7. Trata-se de um processo secundário de envelhecimento demográfico, por vezes apelidado como «o envelhecimento dos idosos» («the aging of the aged») e que está a acontecer gradualmente e em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que em 2025 existirão mais de 1,2 biliões de pessoas com idade superior a 60 anos, em que os idosos com 80 ou mais anos constituem o grupo etário de maior crescimento8.

Neste seguimento, o envelhecimento demográfico e as consequentes alterações no padrão epidemiológico e na estrutura da sociedade portuguesa vêm determinando novas necessidades em saúde, para as quais urge organizar respostas mais adequadas9.

Para além disso, a par dessas mudanças sociodemográficas, constatamos que a evolução dos progressos terapêuticos, o desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas e fármacos mais eficazes, a melhoria das condições socioeconómicas da população, bem como a alteração dos estilos de vida, se tem traduzido num aumento significativo de pessoas com doenças crónicas que vivem mais anos e em situação de dependência7. Associado a isso, se considerarmos que é essencialmente na população com mais de 65 anos que as limitações na capacidade de autocuidado se encontram mais patentes, prevê-se o agravamento da dimensão do problema nas próximas décadas10.

A par do envelhecimento e das doenças crónicas, também o número significativo de acidentes rodoviários e de trabalho têm contribuído para o aumento de pessoas dependentes no autocuidado.

É frequente a referência ao autocuidado como um conjunto de atividades iniciadas e executadas pela pessoa, ao longo do ciclo vital, cujo objetivo é a manutenção da vida, saúde e bem-estar. Todos os indivíduos adultos e saudáveis têm capacidade de se autocuidar. Porém, quando por motivo de doença, idade, estado de desenvolvimento, falta de recursos ou fatores ambientais a necessidade de autocuidado do indivíduo é superior à sua capacidade de o realizar, ou seja, quando existe défice de autocuidado, pode necessitar de ajuda a fim de satisfazer as suas necessidades de autocuidado, podendo essa ajuda provir dos familiares, amigos ou profissionais11. Neste sentido, a pessoa dependente é aquela que durante um período de tempo, mais ou menos prolongado, necessita de ajuda de outra pessoa ou de equipamento para realizar certas atividades da vida diária12–14.

É consensual que ao longo do ciclo vital a pessoa oscila nas necessidades de autocuidado, nas capacidades da sua satisfação e nas necessidades de ajuda dos outros, quando pelas mais variadas razões, nos processos de transição, se altera a condição do indivíduo ou do meio e da autonomia se caminha para a dependência.

Uma transição é normalmente precipitada por um evento ou «ponto de viragem»15. Na transição para a dependência esse ponto pode ser identificado como o início de uma doença ou um acidente, ou não ser possível de reconhecer, quando falamos, por exemplo, num estado de dependência progressivo associado ao envelhecimento. Daqui se depreende que a situação de dependência pode ser provocada pelo aparecimento de uma ou várias doenças crónicas, ou ser o reflexo de uma perda geral das funções, atribuível ao processo de envelhecimento. Assim sendo, a passagem de uma situação de independência para uma situação de dependência no autocuidado poderá inserir-se no conceito de transição saúde/doença e/ou de desenvolvimento.

A dependência não é um fenómeno novo. Sempre existiram pessoas dependentes, contudo, atualmente, numa época verdadeiramente marcada por profundas transformações estruturais como o envelhecimento da população, a mudança do perfil das patologias, com maior incidência de doenças crónicas, as alterações na estrutura familiar decorrentes da entrada das mulheres no mundo do trabalho, o fenómeno da dependência no autocuidado apresenta-se como um dos maiores desafios, não só ao nível da saúde, mas também ao nível social e político13,16. Os esforços desenvolvidos ao longo dos últimos tempos, no sentido de dar respostas aos utentes na comunidade que carecem de cuidados continuados, têm sido incrementados, sendo, no entanto, ainda insuficientes para as necessidades sentidas por parte das populações.

Na verdade, com as dificuldades do sistema de saúde e de proteção social em dar resposta a todas as necessidades de cuidados da população, foi atribuída à família a responsabilidade dos cuidados a prestar aos seus membros em situação de dependência13.

O problema é que, atualmente, as novas políticas de saúde denotam tendência para que o tempo do internamento hospitalar seja cada vez menor, o que conduz a altas precoces com pessoas no domicílio ainda em fase de recuperação das suas doenças ou em estadio terminal de vida, totalmente dependentes de outros7, nomeadamente dos membros da família. Estes estão na maioria das vezes impreparados para responder às necessidades do familiar dependente. Na sequência dessa situação, vivenciam transições situacionais e/ou transições de caráter organizacional, que importa equacionar numa resposta dos serviços de saúde.

Na atualidade, o facto de esta realidade não ser suficientemente conhecida tem dificultado uma planificação adequada às verdadeiras necessidades da pessoa dependente, bem como da família que a integra. Neste contexto releva a necessidade de conhecer a realidade portuguesa, para que se possa trabalhar na construção de modelos de intervenção adaptados às reais necessidades dos dependentes e famílias prestadoras de cuidados. Na verdade, a verificação desses dados é uma prioridade, pois só com resultados objetivos será possível realizar o diagnóstico da situação.

Método

Foi delineado um desenho de investigação quantitativo, exploratório, de natureza descritiva-correlacional e de caráter transversal. O contexto do estudo foi o concelho de Paços de Ferreira, subdividido em 16 freguesias. A população do estudo foi constituída pelas famílias clássicas residentes nesse concelho, à data dos censos de 2001.

Perante a impossibilidade de estudar a totalidade da população, foi constituída uma amostra representativa da população em estudo. Para determinar a dimensão da amostra utilizámos a fórmula publicada pela OMS de Lwanga e Lemeshow17, em que n=Z2 p (1-p)/d.

A técnica de amostragem usada foi probabilística, aleatória, estratificada e proporcional. Uma vez que, na investigação, pretendíamos estudar uma grande população - as famílias clássicas residentes no concelho de Paços de Ferreira e que esta população se encontrava dividida em grupos com uma característica específica - o local de residência, os estratos utilizados foram as freguesias do concelho.

A proporcionalidade foi de acordo com a representação das famílias de cada freguesia, em relação ao valor na população total do concelho de Paços de Ferreira.

Para conhecer a distribuição geográfica das famílias (em cada freguesia), recorremos à Base Geográfica de Referenciação de Informação18 e a um sistema de informação geográfico (SIG), Quantum GIS, para a seleção geográfica aleatória estratificada de subsecções territoriais, onde se encontravam as famílias clássicas a amostrar, de acordo com a dimensão pretendida em cada freguesia. Os outputs com as referidas subsecções geográficas, bem como com o número de famílias clássicas a amostrar, depois de importados para o Bing Maps, facilitaram a recolha de dados no terreno.

Salientamos que o presente estudo está inserido num projeto de base populacional, pois a amostragem probabilística a que se recorreu permite extrapolar os resultados para o concelho onde foi desenvolvida a investigação, concorrendo para um conhecimento epidemiológico das pessoas dependentes, integradas em famílias clássicas do nosso país.

A estratégia adotada para contactar a amostra foi a deslocação dos investigadores às seleções geográficas definidas previamente, recolhendo dados «porta a porta», até se obter o número de famílias determinado para a freguesia.

Como instrumentos de colheita de dados, foram usados os formulários intitulados «Famílias que integram Dependentes no Autocuidado», baseados numa investigação anterior3. Estes são constituídos por 2 partes: parte I - Inquérito Preliminar, e parte II - Formulário Prestador de Cuidados do Dependente (PCD).

A colheita de dados realizada nos domicílios das famílias clássicas decorreu de acordo com o seguinte procedimento: realização do inquérito preliminar; pedido de colaboração voluntária na investigação; informação sobre os objetivos da investigação e sobre a confidencialidade das respostas, garantindo-se o esclarecimento de quaisquer dúvidas; e, por fim, a aplicação dos instrumentos. Em consonância com os princípios definidos para a colheita de dados, os formulários foram, preferencialmente, aplicados aos membros da família prestadores de cuidados. Durante a aplicação dos instrumentos de colheita de dados foi o investigador a fazer as questões, preenchendo ele próprio o formulário, de acordo com os dados fornecidos. Este tipo de administração permitiu, em simultâneo, esclarecer as perguntas e ter uma maior adesão nas respostas. Para além disso, permitiu que alguns dados fossem documentados pelo investigador, após o seu juízo clínico, nomeadamente nas questões que o exigiam.

A presente investigação cumpriu todos os requisitos legais e éticos ao seu desenvolvimento, sendo que a sua realização foi do conhecimento da comissão de proteção de dados.

Resultados

Antes da apresentação dos resultados obtidos parece-nos importante evidenciar os dados relativos à amostra do estudo. Neste sentido, e atendendo a que o objetivo foi identificar um sistema social particular (famílias clássicas que integravam pessoas dependentes no autocuidado), com base numa abordagem do tipo «porta a porta», guiada pelo plano de amostragem já definido, encontrámos 2.126 famílias, das quais 11 recusaram participar no inquérito preliminar. Das 2.115 famílias clássicas que aceitaram responder ao inquérito preliminar, 248 integravam pessoas dependentes. Daqui se depreende que um valor percentual de 11,73% de famílias clássicas do concelho de Paços de Ferreira integravam pessoas dependentes no autocuidado. Das 248 famílias referidas, 7 recusaram participar na investigação. Por esse motivo, ficámos com uma amostra de 241 famílias que integravam pessoas dependentes no autocuidado.

Os alojamentos onde viviam as famílias eram, maioritariamente, moradias (83,8%), cujas necessidades de reparação eram de pequenas (33,6%) a médias (29,0%). Desses 241 alojamentos, só 27,2% possuíam acessibilidade a pessoas com mobilidade comprometida e 52,1% aquecimento.

De entre as várias tipologias de famílias, sobressaíram as com um núcleo (61,9%), seguidas das famílias com 2 núcleos (21,2%). É de destacar um número significativo de famílias sem núcleo (16,5%). Importa referir que, de acordo com o INE, o núcleo familiar é entendido como o conjunto de 2 ou mais pessoas residentes numa família clássica, entre as quais existe pelo menos um dos seguintes tipos de relação: casal, casal com filho(s), pai ou mãe com filho(s)5.

Apesar de não ter sido nossa pretensão identificar prestadores de cuidados principais e secundários (até porque não era disso que se tratava), houve situações em que os cuidados à pessoa dependente eram «partilhados» por 2 prestadores, sem que algum deles se assumisse como o principal. Assim, nas situações em que existiam 2 prestadores de cuidados foram identificados 2 perfis – o perfil 1 e o perfil 2.

Os prestadores de cuidados do perfil 1 (amostra constituída por 241 prestadores) eram, maioritariamente, do sexo feminino (89,6%), com uma idade média de 56,33 anos, casados ou a viver em união de facto (75,9%), com 1.° ciclo do ensino básico (50,6%) e domésticos (33,6%) ou pensionistas/reformados (21,2%). Relativamente ao parentesco eram, predominantemente, filhos/filhas (42,7%) ou maridos/esposas (27,8%). Verificou-se que 89,4% coabitavam com a pessoa dependente.

Os prestadores de cuidados do perfil 2 (amostra constituída por 32 prestadores) eram também maioritariamente do sexo feminino (56,3%), com uma idade média de 54,55 anos, casados ou a viver em união de facto (87,5%), com o 1.° ou 2.° ciclo do ensino básico (respetivamente 41,9 e 22,6%) e pensionistas/reformados (28,1%) ou vendedores (15,6%). Relativamente ao parentesco eram, predominantemente, pais (34,4%), filhos/filhas (21,9%) ou maridos/esposas (21,9%). Constatou-se que 71,9% coabitavam com a pessoa dependente.

Relativamente aos 241 dependentes (tabela 1), eram, maioritariamente, do sexo feminino, com uma idade média de 67,57 anos. No que se refere ao grupo etário, era na classe de idades superiores a 80 anos que se encontrava maior percentagem de pessoas dependentes. Importa referir que 6,2% tinham idade inferior a 18 anos.

Tabela 1.

Características sociodemográficas das pessoas dependentes

Variáveis em estudo 
Sexo
Feminino  128  53,1 
Masculino  113  46,9 
Total  241  100 
Idade (anos)
<18  15  6,2 
18 - 64  64  26,6 
65 - 79  66  27,4 
>80  96  39,8 
Total  241  100 
Estado civil
Casado/União de facto  100  41,7 
Solteiro  50  20,8 
Viúvo  89  37,1 
Divorciado  0,4 
Total  240  100 
Nacionalidade
Portuguesa  241  100,0 
Não portuguesa     
Total  241  100 
Nível de escolaridade
Nenhum  107  44,6 
Ensino básico (1.° ciclo)  99  41,3 
Ensino básico (2.° ciclo)  19  7,9 
Ensino básico (3.° ciclo)  2,9 
Ensino secundário  1,3 
Ensino superior  2,1 
Total  240  100 
Profissão
Pessoal administrativo e similares  0,4 
Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pesca  0,4 
Operários, artífices e trabalhadores similares  1,3 
Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem  0,4 
Trabalhadores não qualificados  0,8 
Doméstico  13  5,5 
Desempregado  1,7 
Pensionista/Reformado  194  81,5 
Estudante  10  4,2 
Outra  3,8 
Total  238  100 

Quanto ao estado civil, constatámos que, maioritariamente, eram casados ou viúvos, e tendo em conta a própria faixa etária, a quase globalidade encontrava-se na situação de pensionista/reformado. Nesta mesma linha interpretativa, o nível de literacia na presente amostra é muito baixo, sendo que a maioria não tinha qualquer nível de escolaridade, o que espelha bem a realidade portuguesa nesta faixa etária.

Relativamente à situação que originou a dependência (tabela 2), destacamos como principais causas de dependência a doença crónica e o envelhecimento. Em consonância com o referido, a instalação da dependência foi predominantemente gradual.

Tabela 2.

Características da dependência

Variáveis em estudo 
Situação que originou a dependência
Envelhecimento  68  31,5 
Acidente  24  11,1 
Doença aguda  19  8,8 
Doença crónica  147  63,6 
Instalação da dependência
Súbita  80  33,5 
Gradual  159  66,5 
Total  239  100 
Tempo de dependência (anos)
0-5  84  34,9 
6-10  75  31,1 
11-15  3,7 
16-20  23  9,5 
21-25  18  7,5 
26-30  10  4,1 
31-35  3,7 
36-40  2,5 
41-45  2,9 
Total  241  100 

No que concerne ao tempo de dependência, obteve-se a média de 11,5 anos, repartindo-se os maiores valores percentuais entre os tempos de dependência inferiores a 5 anos e entre 6-10 anos.

Quanto à necessidade de fármacos, prevaleceu o consumo de medicamentos em 97,5% dos dependentes, frequentemente em regime de polimedicação. Importa ainda referir que 6,2% tiveram internamentos no último ano e 31,1% referiram episódios de recursos ao serviço de urgência.

Uma vez caracterizadas as pessoas dependentes, para se perceber o tipo e grau de dependência que as mesmas apresentavam, partimos dos domínios de autocuidado do instrumento de Avaliação da Dependência no Autocuidado que integra o Formulário PCD, anteriormente referido. Cada um dos domínios de autocuidado estudados (tomar banho, vestir-se e despir-se, arranjar-se, alimentar-se, uso do sanitário, elevar-se, virar-se, transferir-se, usar cadeira de rodas, andar e tomar medicação) concretiza-se através de indicadores, sendo cada um deles classificado em:

  • «dependente, não participa» – pessoa totalmente dependente, que não é capaz de realizar a atividade em análise;

  • «necessita de ajuda de pessoa» – pessoa que realiza (inicia e/ou completa) a atividade em análise, necessariamente com ajuda de uma pessoa;

  • «necessita de equipamento» – pessoa que é capaz de realizar a atividade em análise, apenas com auxílio de equipamento adaptativo, não exigindo a colaboração de pessoa;

  • «completamente independente» – pessoa sem qualquer tipo de dependência na realização da atividade em análise.

Importa sublinhar que, aquando da realização de cada uma das atividades, atendendo ao grau de dependência apresentado, a pessoa pode necessitar da ajuda de outra, ou, em casos mais extremos, necessitar de substituição. Nesta última situação, a pessoa não tem nenhum papel ativo no seu autocuidado («dependente, não participa»), requerendo substituição em todas as suas atividades.

Apesar de as necessidades inerentes aos graus de dependência «dependente, não participa» e «necessita de ajuda de pessoa» serem diferentes, ambos refletem a necessidade de outra pessoa para a execução plena das atividades de autocuidado.

Neste contexto, se relativamente a cada atividade agruparmos as pessoas «dependentes, não participam» e as que «necessitam de ajuda de pessoa», conseguimos perceber em quais atividades de autocuidado um maior número de pessoas era dependente, no mínimo de pessoa.

Uma vez conhecida a dependência em cada atividade de autocuidado procurámos saber qual o grau de dependência das pessoas, face a cada domínio de autocuidado. Assim, de acordo com o grau de dependência, numa variação entre o score 1 «dependente, não participa» e o score 4 «completamente independente», relativamente aos 241 dependentes, considerámos:

  • dependente, não participa – pessoas dependentes que obtiveram score 1 em todos os itens;

  • completamente independente – pessoas que obtiveram score 4 em todos os itens;

  • necessita de equipamento – pessoas que não foram categorizadas, de acordo com os critérios anteriores, e que só necessitavam de equipamento, ou seja, apresentavam uma média de scores3;

  • necessita de ajuda de pessoa – as restantes pessoas que não foram categorizadas, de acordo com os critérios anteriores, ou seja, necessitavam de ajuda de pessoa, apresentando uma média de scores <3.

Os resultados relativos aos diferentes domínios de autocuidado encontram-se na tabela 3.

Tabela 3.

Distribuição numérica e percentual do grau de dependência por domínio de autocuidado

Domínios de autocuidado  Dependente, não participa1n (%)  Necessita de ajuda de pessoa2n (%)  Necessita de equipamento3n (%)  Completamente independente4n (%) 
Autocuidado: tomar banho  45 (18,8)  153 (64,0)  1 (0,4)  40 (16,7) 
Autocuidado: vestir-se ou despir-se  37 (15,4)  159 (66,3)  2 (0,8)  42 (17,5) 
Autocuidado: arranjar-se  39 (16,3)  160 (66,7)  2 (0,8)  39 (16,3) 
Autocuidado: alimentar-se  36 (14,9)  166 (68,9)  5 (2,1)  34 (14,1) 
Autocuidado: uso do sanitário  40 (16,6)  111 (46,1)  15 (6,2)  75 (31,1) 
Autocuidado: elevar-se  34 (14,1)  57 (23,7)  41 (17,0)  109 (45,2) 
Autocuidado: virar-se  34 (14,1)  38 (15,8)  12 (5,0)  157 (65,1) 
Autocuidado: transferir-se  38 (15,8)  68 (28,2)  33 (13,7)  102 (42,3) 
Autocuidado: usar cadeira de rodas  27 (36,5)  21 (28,4)  1 (1,4)  25 (33,8) 
Autocuidado: andar  31 (13,3)  113 (48,5)  47 (20,2)  42 (18,0) 
Autocuidado: tomar medicação  54 (22,7)  166 (69,7)  18 (7,6) 

Os resultados obtidos, tendo por referência os diferentes domínios de autocuidado, mostraram-nos que uma parte substantiva dos dependentes necessitava de ajuda de pessoa para concretizar as atividades de autocuidado.

Como se pode constatar na tabela 3, verificámos que nos autocuidados – tomar banho, vestir-se e despir-se, arranjar-se, alimentar-se e tomar medicação – mais de 50% das pessoas dependentes necessitavam de ajuda de pessoa para realizar o autocuidado.

No entanto, de modo a compreendermos a magnitude da problemática da pessoa dependente no autocuidado, ao agruparmos as pessoas «dependentes, não participam» e as que «necessitam de ajuda de pessoa», obtivemos o valor percentual das pessoas dependentes que necessitavam, pelo menos, de ajuda de pessoa em cada domínio de autocuidado.

Assim, como se pode constatar na figura 1, o domínio de autocuidado com maior percentagem de pessoas dependentes que, no mínimo, necessitavam de ajuda de pessoa, está relacionado com o tomar medicação. Seguem-se os autocuidados alimentar-se, arranjar-se, tomar banho, vestir-se e despir-se, usar cadeira de rodas, uso do sanitário, andar, transferir-se, elevar-se e, por último, virar-se.

Figura 1.

Distribuição percentual de dependentes que necessitavam, no mínimo, de ajuda de pessoa, por domínio de autocuidado.

(0.07MB).

Por sua vez, os domínios de autocuidado com maior percentagem de pessoas que só necessitavam de equipamento (fig. 2) para a sua concretização eram os autocuidados relacionados com défices na mobilidade, como o andar, o elevar-se e o transferir-se. Deste modo, podemos depreender que, entre outros, o andarilho, a bengala e as canadianas, o transfer da cama e as grades de segurança, bem como as barras de apoio, são equipamentos que facilitam a execução das atividades inerentes a esses autocuidados.

Figura 2.

Distribuição percentual de dependentes que só necessitavam de equipamento, por domínio de autocuidado.

(0.07MB).

Importa referir que nenhuma pessoa concretizava o autocuidado tomar medicação com recurso apenas a equipamento.

De modo similar ao realizado face a cada tipo de autocuidado, procedemos à análise do nível de dependência, mas agora face ao domínio do autocuidado global (fig. 3). Perante os resultados obtidos, verificámos que a quase totalidade dos dependentes necessitavam, no mínimo, de ajuda de pessoa para realizar, pelo menos, uma atividade de autocuidado.

Figura 3.

Distribuição percentual da dependência no autocuidado.

(0.04MB).

Após a análise descritiva, procedemos à análise inferencial, no sentido de identificarmos diferenças estatísticas passíveis de se revelarem importantes para o estudo.

Com recurso à análise da variância (ANOVA One-Way), pretendíamos indagar sobre a existência de significância estatística entre a diferença das médias das variáveis em estudo e a dependência nos vários domínios de autocuidado. Por outro lado, recorrendo ao teste estatístico Qui-Quadrado, procurámos averiguar a existência de diferenças na distribuição das variáveis. Dado o elevado número de variáveis envolvidas no estudo, para efeitos deste artigo apenas apresentaremos os resultados, cujos valores de p encontrados permitiram afirmar significância estatística entre as variáveis (p<0,05), evidenciando-os num esquema apresentado na figura 4.

Figura 4.

Esquema ilustrativo dos resultados significativos que emergiram do estudo.

(0.17MB).

Aquando do estudo da significância estatística entre as variáveis sociodemográficas da pessoa dependente e a dependência no autocuidado, verificámos a existência de diferenças estatisticamente significativas no caso das variáveis idade, estado civil e profissão. Relativamente à idade, verificámos que eram os dependentes que necessitavam de ajuda de pessoa para a realização do autocuidado, os que apresentavam uma média de idades mais elevada. No que concerne ao estado civil, foi nos casados ou nos que viviam em união de facto e nos viúvos que se constataram maiores percentagens de dependentes que necessitavam de ajuda de pessoa. Em relação à profissão, foi nos pensionistas/reformados que se registaram percentagens mais elevadas de dependentes que necessitavam de ajuda de pessoa.

No estudo da significância estatística entre as variáveis de caracterização da dependência e a dependência no autocuidado, verificámos que as pessoas cuja dependência decorreu de uma doença crónica e em que o modo de instalação da dependência foi gradual, apresentavam valores superiores no que se reporta à necessidade de ajuda de pessoa.

Também a dependência foi significativamente superior nas pessoas com maior consumo de medicamentos e com referência a internamentos e a recursos ao serviço de urgência no último ano. Verificámos que foram os dependentes que não participavam os que apresentavam médias de internamento e médias de recursos ao serviço de urgência, no último ano, mais elevadas.

No estudo da significância estatística entre as variáveis sociodemográficas do prestador de cuidados e a dependência no autocuidado, verificámos a existência de diferenças estatisticamente significativas no caso das variáveis parentesco, coabitação com a pessoa dependente e profissão. Quando o prestador de cuidados era filho/filha verificavam-se valores mais elevados de dependentes que necessitavam de ajuda de pessoa. Nos casos em que o prestador de cuidados se assumia sem profissão remunerada, isto é, doméstico, e coabitava com a pessoa dependente, esta apresentava maior dependência, necessitando de ajuda de pessoa.

Na figura 4 explicitamos em diagrama os resultados significativos que emergiram do estudo.

Discussão

O ambiente físico que rodeia a pessoa dependente pode exercer uma influência positiva ou negativa no processo de dependência8,19.

No nosso estudo, em relação às condições de alojamento, emergiram 2 resultados que podem obstaculizar os cuidados à pessoa dependente e a promoção da sua autonomia. Por um lado, o facto de apenas 27,2% dos alojamentos possuírem acessibilidade a pessoas com mobilidade comprometida, o que corrobora a ideia de que as barreiras arquitetónicas constituem ainda hoje um dos principais fatores limitativos de uma vida social completa para pessoas com dependência19. Por sua vez, a inexistência de condições de aquecimento em praticamente metade dos alojamentos, pode potenciar mais dependência, aquando do tempo frio, pela maior permanência no leito.

Quanto ao tipo de família, as pessoas dependentes do estudo encontravam-se inseridas, maioritariamente, em famílias com um núcleo (61,9%), que aquando da colheita de dados constatámos serem constituídas pela própria pessoa dependente e pelo cônjuge. Isto remete-nos para um contexto em que a pessoa dependente é idosa, mas o prestador de cuidados também o é, e eventualmente também este com necessidades específicas.

Relativamente aos prestadores de cuidados, emerge um perfil que veicula uma realidade social: maioritariamente mulheres (filhas, esposas, mães), com um baixo nível de escolaridade.

Numa análise interpretativa entre a idade do prestador de cuidados e a sua escolaridade, não nos surpreende que, relativamente à profissão, os prestadores de cuidados do estudo, à semelhança do que acontece noutros estudos20–22, sejam, na sua maioria, domésticos ou pensionistas/reformados, o que privilegia a conceção tradicional de cuidar da pessoa dependente em contexto familiar.

Por sua vez, o perfil das pessoas dependentes é o já evidenciado noutras investigações, nomeadamente idosos, com maior predominância do género feminino, maioritariamente pensionistas/reformados. Embora a dependência não seja exclusiva da idade, indubitavelmente que à medida que a idade avança aumentam as limitações funcionais, que são muitas vezes agravadas pela coexistência de doenças crónicas23–25.

Corroborando esta ideia, é consensual que a «dependência está presente ao longo da vida, na infância, na juventude e na adultícia, não sendo um atributo exclusivo da velhice, residindo a diferença no facto de, na velhice, a dependência assumir um carácter definitivo e permanente»26.

Efetivamente no nosso estudo encontrámos pessoas em situação de dependência numa amplitude etária dos 7-97 anos. Contudo, constatámos um número significativo de pessoas dependentes com idades superiores a 80 anos, ou seja, idosos da quarta idade. Verificámos um predomínio do género feminino, o que está em consonância com a maior longevidade das mulheres. No entanto, as mulheres, apesar de viverem mais anos, têm uma esperança de vida sem incapacidades bastante mais reduzida, quando comparada com a dos homens27.

No sentido de melhor compreendermos a situação de dependência das pessoas, analisámos o contexto situacional e os vários fatores que para ela concorrem. O envelhecimento e a doença crónica foram na presente investigação os fatores que mais contribuíram para a dependência. De facto, estima-se atualmente que 80% das pessoas com 65 ou mais anos sofrem, pelo menos, de uma doença crónica e, para muitas, a presença de 2 ou mais complica o estado de dependência28. Assim sendo, a passagem do estado de independência para dependência inseriu-se, maioritariamente, no conceito de transição saúde/doença e/ou de desenvolvimento, relacionada com o envelhecimento.

Em consonância com o referido, entendemos que a instalação da dependência fosse predominantemente gradual, dado o carácter insidioso e progressivo das situações de dependência, associadas às doenças crónicas e ao envelhecimento. Tudo isto se conjuga na compreensibilidade de um tempo médio de dependência de 11,5 anos.

Quanto à necessidade de fármacos, no presente estudo prevaleceu o consumo de medicamentos na quase totalidade das pessoas dependentes. Os idosos são os maiores consumidores de fármacos29, uma vez que também é neste grupo etário que se verifica o predomínio de doenças crónicas, a que se associam frequentemente regimes medicamentosos complexos.

Os resultados encontrados relativamente ao autocuidado «tomar medicação» em que a maioria das pessoas dependentes necessitavam, no mínimo, de ajuda de pessoa, constitui um fenómeno relevante, quando se estuda a problemática da dependência no autocuidado e dos cuidados prestados aos dependentes no seio da família. As situações de polimedicação encontradas, aliadas ao perfil dos cuidadores, também maioritariamente idosos e com baixo nível de literacia, podem configurar um problema de gestão adequada do regime medicamentoso, que é preciso enquadrar nas políticas de saúde.

No que concerne à dependência por domínio de autocuidado, os resultados demonstraram elevados graus de dependência. Apesar de as alterações na capacidade da pessoa para executar as atividades de autocuidado poderem estar relacionadas com limitações resultantes do compromisso motor, sensorial ou cognitivo, ou da sua combinação30, numa análise interpretativa dos resultados descritos constata-se que as atividades de autocuidado que apresentavam maior dependência são aquelas cuja execução exige maior amplitude e coordenação do movimento, maior capacidade motora fina e grosseira, bem como maior destreza manual, força muscular (nomeadamente nos membros superiores e inferiores) ou equilíbrio corporal.

Do referido são exemplos os níveis de dependência percentualmente elevados nos autocuidados alimentar-se, arranjar-se, tomar banho e vestir-se e despir-se. Para além disso, se focarmos a nossa atenção nos autocuidados transferir-se, elevar-se e virar-se, fortemente influenciadores da capacidade dos dependentes saírem da cama, percebemos que cerca de um terço das pessoas dependentes necessitavam no mínimo, de ajuda de pessoa. Estes resultados confirmam uma dependência significativa e preocupante, pois, para além de estarem sujeitas aos problemas com elevado risco de compromisso dos processos corporais, precisam obrigatoriamente da ajuda de outra pessoa para a sua sobrevivência e bem-estar3,7. Quer isto dizer que estas pessoas, sem ajuda de outra, adquirem o estatuto de «acamados», com todas as potenciais complicações que daí possam resultar.

Acresce a esta situação que o papel assumido pelo prestador de cuidados é, muitas vezes, de agir pela pessoa dependente ou em substituição da mesma, em detrimento das ações de promoção da capacidade de autocuidado, negando inconscientemente, todas as oportunidades para desenvolver o potencial remanescente da pessoa dependente.

Para além disso, importa também referir que o comprometimento na execução das atividades de autocuidado pode ser atenuado/ultrapassado pela utilização de equipamentos específicos a cada tipo de autocuidado. Assim, configura-se a necessidade de cuidados de substituição, para as pessoas dependentes que não participam, e cuidados de complementaridade para aqueles que «necessitam de ajuda de pessoa»31.

Quanto ao valor percentual residual (0,4%) de dependentes que só tinham necessidade de equipamento para a concretização do autocuidado, levanta-se uma questão interessante: será este resultado reflexo da utilização incipiente e deficitária dos equipamentos que poderiam ser úteis para a promoção do autocuidado das pessoas dependentes?

Na verdade, todos reconhecemos a importância dos equipamentos adaptativos na execução das atividades de autocuidado, no entanto, o desconhecimento das possibilidades de equipamento existente ou a impossibilidade de o adquirir por limitações económicas poderão justificar a «não utilização», o que contribuirá para o aumento da dependência de pessoa.

Os resultados do presente estudo permitem um retrato epidemiológico de uma região, que evidencia um problema de saúde pública que é preciso equacionar nas políticas de saúde e na organização dos cuidados de saúde. A monitorização e acompanhamento das pessoas dependentes no domicílio, bem como o apoio e a orientação do familiar prestador de cuidados trariam indubitavelmente «ganhos em saúde», pela minimização dos riscos associados à situação de dependência.

Conclusão

A identificação do perfil dos portugueses dependentes no autocuidado e integrados em famílias, pode «tornar-se um importante vetor para a melhoria das respostas às necessidades em cuidados de saúde dos cidadãos»3. Tal conhecimento potenciará a construção de modelos de intervenção de saúde mais consentâneos com as reais necessidades da pessoa dependente e, consequentemente, das famílias prestadoras de cuidados.

As mudanças nas necessidades em saúde que surgem da hegemonia das doenças crónicas e do aumento da longevidade implicam necessariamente mudanças no exercício dos profissionais de saúde em geral, em particular dos profissionais de enfermagem.

Perante o contexto do atual paradigma da desinstitucionalização, com tendência a altas precoces e consequentemente pessoas no domicílio ainda em fase de recuperação das suas doenças ou em estadio terminal de vida, totalmente dependentes de outros, impõe-se o conhecimento das necessidades de saúde.

O atendimento na comunidade, especificamente os cuidados domiciliários, surgem como uma resposta aos novos desafios, prevenindo ou minimizando os efeitos deletérios da dependência e das morbilidades que lhe estão associadas.

Paralelamente, o conhecimento mais aprofundado, acerca dos vários fatores intervenientes, nomeadamente na dependência no autocuidado, poderá permitir uma abordagem mais proativa da problemática, favorecendo, no futuro, um campo de intervenções preventivas e de cuidados individualizados.

Neste contexto, o conhecimento produzido, se aplicado, poderá beneficiar a comunidade, mas também potenciar o aperfeiçoamento da prática de enfermagem e a qualidade dos cuidados, uma vez que a caracterização da população abre caminho aos enfermeiros para implementarem intervenções, dentro das suas competências, que contribuam para aumentar o bem-estar dos clientes e suplementar/complementar as atividades de vida, relativamente às quais a pessoa é dependente.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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