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Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 10-17 (enero - junio 2014)
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Páginas 10-17 (enero - junio 2014)
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Evolução da prevenção e combate à obesidade de crianças e jovens em Portugal ao nível do planeamento estratégico
Prevention and battle against obesity in children and youngsters at a strategic planning level and their evolution in Portugal
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André Beja
Autor para correspondencia
andre.beja@gmail.com

Autor para correspondência.
, Paulo Ferrinho, Isabel Craveiro
Unidade de Saúde Pública Internacional e Bioestatística, Centro colaborador da OMS para Políticas e Planeamento da Força de Trabalho em Saúde, CMDT, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Resumo
Introdução

Considerada pela OMS como epidemia global e um dos maiores desafios da saúde pública do século XXI, a obesidade é uma doença crónica com múltiplas causas, com destaque para as comportamentais, nomeadamente alterações ao padrão alimentar e sedentarismo. Constitui fator de risco de várias patologias, como diabetes tipo 2 ou cardiovascular, contribuindo para diminuição da qualidade de vida dos indivíduos e aumento dos custos com a saúde.

O excesso de peso tem efeitos negativos imediatos na saúde individual de crianças e jovens, aumentando o risco de apresentarem obesidade e suas comorbilidades na idade adulta. O crescimento do problema em idades infantojuvenis e a maior facilidade na introdução de mudança nos seus comportamentos sustentam recomendações para uma intervenção prioritária junto destas faixas etárias.

Diversos estudos evidenciam agravamento do problema na população portuguesa, sendo a prevalência entre crianças e jovens das mais elevadas na Europa. Este facto, associado aos custos individuais, sociais e económicos da doença, constitui foco de interesse para quem estuda os sistemas de saúde, tendo‐se procurado, com esta investigação, compreender a evolução das políticas e estratégias de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens ao nível do planeamento estratégico em Portugal.

Método

Recorrendo a uma metodologia qualitativa, fez‐se a análise dos conteúdos e estrutura de um Corpus Documental, que incluiu, entre outros, a Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998‐2002), Plano Nacional de Saúde 2004‐2010 e a versão preliminar do PNS 2012‐2016, complementando‐a com consulta pontual a informadores‐chave.

Resultados e discussão

Os resultados permitem uma visão sequencial do planeamento estratégico em Portugal e mostram que ao aumento de prevalência de excesso de peso na população correspondeu um ganho de importância do problema nas preocupações das autoridades de saúde. Verifica‐se ainda que a preocupação com o aumento da prevalência em crianças e jovens se refletiu mais tardiamente nos documentos estratégicos.

Conclui‐se também que o assumir do problema enquanto prioridade política surge após a aprovação da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade, de que Portugal é signatário, sendo possível estabelecer correspondência entre os princípios deste documento e as orientações estratégicas do PNS 2012‐2016.

Palavras‐chave:
Obesidade
Estratégias de saúde
Plano Nacional de Saúde
Planeamento em saúde
Planeamento estratégico
Carta Europeia de Luta contra a Obesidade
Portugal
Abstract
Introduction

Considered by WHO as a global epidemic and one of the greatest public health challenges of the twenty‐first century, Obesity is a chronic disease with multiple causes, especially behavioural changes like dietary changes and sedentary lifestyle. It is a risk factor for other conditions, such as diabetes or cardiovascular diseases, associated with the decrease of life quality of individual and the increase of health costs.

Overweight has immediate negative effects on individual health of young people, increasing the risk of Obesity and its co‐morbidities in their adult age. The fact of being a growing problem among children and youth, coupled with a relatively high permeability of members of these age groups to behavioral changes is at the basis of recommendations to a priority intervention with these groups.

Several studies show that the problem is growing among the Portuguese population, being the prevalence among children and youth one of the highest in Europe. This fact, together with the individual, social and economic burden of the disease, is of interest to those who study the evolution of health systems. With this investigation, we tried to understand the evolution of policies and strategies for preventing and combating Obesity among children and young people at strategic management level in Portugal.

Method

With a qualitative methodology, we analyzed the semantic and content of a set of documents, including the Health Strategy (1998‐2002), the National Health Plan 2004‐2010 and the draft of the National Health Plan 2012‐2016, complementing it with ad hoc query with key informants.

Results and discussion

Our results permit one overview of strategic planning in Portugal and show that the increasing concern of Portuguese health authorities with the growing impact of Obesity in the population. However the concern with its increase among children and young people risen later in the strategic documents.

We established that the problem became a political priority after the approval of the European Charter on Counteracting Obesity, of which Portugal is a signatory member, and it's possible to find a correspondence between the principles of the European Charter and the strategic guidelines of the National Health Plan 2012‐2016.

Keywords:
Obesity
Health strategies
National Health Plan
Health planning
Strategic planning
European Charter on Counteracting Obesity
Portugal
Texto completo
Introdução

A obesidade é um grave problema de saúde nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1997, como epidemia de escala global e um dos maiores desafios da saúde pública do início do século XXI1. Desde então que se assiste à mobilização crescente de recursos e esforços de responsáveis políticos, autoridades e profissionais de saúde e educação, sociedade civil e comunidade científica, para conhecê‐lo e enfrentá‐lo melhor.

Em Portugal, estudos de diversos especialistas e os resultados do 4.° Inquérito Nacional de Saúde (2005/2006)2 confirmam o crescimento da obesidade entre adultos3, enquanto outros indicadores apontam para uma das mais elevadas taxas de prevalência entre crianças e jovens ao nível da Europa4.

É largamente aceite que a obesidade é originada pelo desequilíbrio energético resultante de um aporte muito superior às necessidades orgânicas, num período de tempo prolongado5. Este balanço energético positivo tem múltiplas causas que interagem e se potenciam: os fatores internos, como genética ou fisiologia, e os externos, ligados à inter‐relação do indivíduo com a sociedade.

Os fatores externos são considerados determinantes no aumento da incidência e prevalência da obesidade6. Entre estes, destacam‐se as mudanças dos estilos de vida, tais como alterações do padrão alimentar – maior consumo de hidratos de carbono e lípidos, redução do consumo de cálcio ou menor qualidade dos nutrientes – e aumento do sedentarismo5.

Além de doença crónica, a obesidade constitui fator de risco para outras patologias, tais como hipertensão, diabetes tipo 2, litíase vesicular, doenças cardiovasculares, certos tipos de cancro e problemas psicossociais, aumentando também o risco de dislipidemia, insulinorresistência, problemas respiratórios, osteoarticulares, hormonais, entre outros, contribuindo em larga escala para a diminuição da qualidade de vida de adultos, crianças e jovens7. Estes factos originam elevados custos diretos e indiretos com a saúde e consideráveis perdas económicas8,9.

Para crianças e jovens em particular, a obesidade não só representa um risco acrescido no desenvolvimento cada vez mais precoce de doenças não transmissíveis, como se afigura precursora de obesidade na idade adulta, calculando‐se que cerca de 60% das crianças que apresentam excesso de peso antes da puberdade poderão apresentar excesso de peso numa idade adulta jovem7.

A origem multifatorial da obesidade sugere que a prevenção se deve centrar nas escolhas e comportamentos individuais e também nos fatores sociais e ambientais que os influenciam, incidindo em vários níveis, do individual ao global, pela conjugação de estratégias provenientes de organizações internacionais com iniciativas locais ou comunitárias e nacionais10.

Defendida por vários especialistas e organizações, a prevenção centrada nas crianças e jovens justifica‐se pela maior facilidade de intervenção junto destas faixas etárias, tanto em ambiente familiar como na escola e serviços de saúde, de modo a influenciar a sua alimentação e padrões de atividade e, por consequência, o seu desenvolvimento. Por outro lado, verifica‐se uma maior dificuldade dos adultos em perder peso5.

Em 2002, a International Obesity Task Force alertava para o facto da obesidade se estar a tornar numa ameaça direta às crianças da Europa6. No ano seguinte, a FAO/OMS enfatizava a prevenção prioritária junto de crianças e jovens, apontando um conjunto de estratégias nesse sentido11.

Em 2006 teve lugar a conferência da OMS‐Europa sobre a luta contra a obesidade, da qual resultou um compromisso político e uma proposta estratégica para prevenção, combate e tratamento da obesidade, com especial destaque para as crianças, vertidos na Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade12. A génese e conteúdo deste documento, que Portugal subscreveu, tornam‐no num quadro de referência para os sistemas de saúde, orientador da política e intervenção sobre o problema.

Em Portugal, a Lei de Bases da Saúde13 determina que é ao Governo que compete formular a política de saúde (Base VI, Art.° 1.°), cabendo ao Ministério da Saúde, em coordenação com os ministérios que tutelam áreas conexas, propor a sua definição, promover e vigiar a respetiva implementação e execução (Base VI, Art.° 2.°).

A política de saúde, enquanto conjunto de valores, finalidades e preferências, num domínio de maior abrangência e de menor especificidade14, é clarificada no Programa de Governo15, sendo desdobradas, através do planeamento em saúde, em estratégias de saúde, as linhas de «atuação seletiva para alcançar, atingir as metas e os objetivos»16.

Com a elaboração da Estratégia de Saúde Para o Virar do Século (1998‐2002)16, que denominaremos como Estratégia, o planeamento em saúde em Portugal assumiu um caráter de planeamento estratégico17, que se pode definir como o processo através do qual se estabelecem prioridades acordadas e uma orientação para o sector, dando‐lhe uma direção e continuidade, e que tem em conta os limites definidos pelos recursos existentes e os contextos político, social, cultural, institucional, financeiro, económico e internacional em que ocorre18. Estes contextos estão interligados, influenciando‐se mutuamente e reagindo às alterações que neles possam ocorrer.

Pelas implicações para indivíduos e comunidade, a elevada incidência e prevalência da obesidade em Portugal constitui um foco de interesse para quem estuda a evolução dos sistemas de saúde e as respostas que as autoridades têm vindo a preconizar. Assim, este artigo tem por objetivo fazer uma retrospetiva das políticas e principais estratégias de prevenção e combate à pré‐obesidade e obesidade infantil e dos jovens implementadas ao abrigo da Estratégia e do Plano Nacional de Saúde 2004‐201019,20, procurando compreender em que medida é que estas influenciam as opções inscritas na versão preliminar do PNS 2012‐2016.

Material e métodos

A investigação assentou numa metodologia qualitativa, com a realização de um estudo de caso, procurando a compreensão de um fenómeno atual no seu contexto real21.

Focando‐nos num fenómeno particular – a resposta preconizada pelas autoridades de saúde portuguesas à problemática da obesidade infantil e dos jovens – procurámos, pela descrição da sua evolução num determinado período de tempo, a sua compreensão global, recorrendo a pesquisa documental de fontes escritas oficiais, complementada com consulta a um conjunto de 10 informadores‐chave.

O contributo destes informadores foi o de facilitar documentação, esclarecer dúvidas sobre os documentos estratégicos e sugerir outros informadores a contactar. A sua seleção foi orientada por técnicas de amostragem não probabilística: partindo de um grupo inicial de especialistas e responsáveis envolvidos no processo de planeamento, constituído de forma criteriosa e de conveniência, o conjunto de informadores foi expandido por bola de neve22.

A constituição do Corpus Documental para análise partiu da leitura geral dos documentos estratégicos e da consulta de sites e microsites oficiais – Governo, ACS, DGS, PNS 2011‐2016 e Plataforma Contra a Obesidade – abarcando textos mencionados nestas fontes e sugestões dos informadores. A seleção final atendeu a critérios de exaustividade, homogeneidade e pertinência, sendo composta por meia centena de documentos, posteriormente analisados quanto à estrutura, semântica e conteúdos, de modo a obter uma visão ampla e sistematizada de cada um23.

Para análise semântica, foi construída uma grelha de análise com 3 categorias, definidas no processo de pré‐análise, correspondentes ao problema e a 2 das suas principais causas – obesidade, alimentação e atividade física –, sendo‐lhes agregado um conjunto de subcategorias com elas relacionadas.

A grelha de análise de estrutura, aplicada aos documentos mais relevantes e adaptada às suas características, incidiu na organização e conteúdos, em particular na identificação e caracterização da obesidade e obesidade infantil, propostas de estratégias, recomendações ou ações para lhe responder.

A aplicação destas grelhas teve ainda uma função exploratória, permitindo eliminar alguns textos inicialmente considerados.

Além de documentos em suporte papel e digital, o material utilizado na investigação compreendeu software para edição de texto e pesquisa e edição em ficheiros PDF (MSWord 2003 e Adobe Acrobat 7.0 Professional).

ResultadosSaúde um Compromisso: A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998‐2002)

A Estratégia de Saúde para o Virar do Século (1998‐2002) é um dos resultados visíveis do conjunto de reformas que marcaram o ciclo político iniciado nas eleições legislativas de 1995. Estabelecendo como missão do sistema de saúde a obtenção de ganhos em saúde, a Estratégia propõe uma nova política para o sector e visa ser «um quadro de referência nacional a partir do qual é necessário estabelecer prioridades regionais e locais, de acordo com cada situação específica»16. Focada nos principais problemas de saúde da população, apresenta objetivos gerais, metas a 5 anos, horizontes qualitativos a 10 anos e orientações de ação para lhes responder.

Pese a sua abordagem inovadora, a Estratégia não recolheu consenso político necessário à sua prossecução24, tendo sido abandonada pouco tempo depois da apresentação pública do documento final. No entanto, continuou a servir como guia de atuação das autoridades regionais e serviços de saúde25.

Quando a Estratégia foi elaborada, a mudança nos padrões nutricionais e de atividade física da população era já preocupação das autoridades de saúde26. No entanto, a obesidade não está quantificada nem considerada nos problemas prioritários da população: da análise à semântica e conteúdos do documento, conclui‐se que existe apenas uma menção ao problema, relativa aos obesos enquanto grupo de risco da diabetes mellitus.

Considerando a perspetiva intersectorial da Estratégia, uma análise às suas 27 áreas de intervenção prioritária permite identificar, em 11 delas, horizontes, metas, objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e prevenir o problema junto de crianças e jovens, pois visam algumas causas da obesidade, como alimentação e atividade física, propondo melhoria na vigilância de saúde, reforço de conhecimentos dos indivíduos ou capacitação de professores, profissionais de saúde e respetivas equipas.

No relatório Ganhos de Saúde em Portugal, que reflete sobre alguns dos domínios abordados na Estratégia, o excesso de peso é apontado como um problema dos adolescentes que, a par das morbilidades associadas, carece de indicadores atualizados para avaliação, recomendando‐se o reforço «da agenda para a saúde dos portugueses» no que respeita a dieta e atividade física25.

Plano Nacional de Saúde 2004‐2010

Apresentado como alavanca com «orientações estratégicas destinadas a sustentar ‐ política, técnica e financeiramente ‐ o Sistema Nacional de Saúde»19, o PNS 2004‐2010 assume continuidade com a Estratégia, sendo balizado pelo conhecimento existente sobre a situação da saúde, evidência e orientações de organizações como a União Europeia, OMS ou OCDE27.

Construído através de uma metodologia consultiva e de debate público, o Plano foi implementado, monitorizado e submetido a avaliação, tendo todo este processo servido de base ao ciclo de planeamento que se iniciou em 200928.

O estado de saúde da população é descrito a partir dos indicadores disponíveis, utilizados, juntamente com os resultados da consulta pública e dos debates preparatórios, para estabelecer prioridades de intervenção.

A obesidade é considerada um «enorme problema de saúde pública»20, sendo apresentados indicadores de prevalência nas fases do ciclo de vida correspondentes à idade adulta, bem como metas de redução dos mesmos até 2010. Prevê‐se ainda monitorização dos hábitos de atividade física/sedentarismo.

As alterações do padrão nutricional e a diminuição dos índices de atividade física são identificadas como fatores de risco de patologia crónica e é proposta uma intervenção transversal preventiva, centrada na promoção da saúde, curativa e de gestão da doença, abrangendo vários sectores (saúde, social, alimentar, educação e cultural), através de um programa nacional específico.

Estas temáticas são ainda apontadas como importantes no quadro da cooperação técnica no domínio da saúde com vários organismos internacionais, recomendando‐se o seu reforço.

Não existem, no entanto, referências a obesidade infantil e dos jovens, nem quantificação do problema. Constata‐se aumento do sedentarismo e desequilíbrios nutricionais nos jovens, admitindo‐se limitação dos indicadores disponíveis para a avaliação da morbilidade associada a obesidade, bulimia, anorexia.

A resposta aos principais problemas de saúde identificados no Plano passou pela elaboração de programas nacionais (ou revisão dos existentes), tendo sido concretizados 22 dos 40 previstos29. Entre estes, analisámos o Programa Nacional de Luta Contra a Obesidade (PNLCO), os de Saúde dos Jovens e Saúde Escolar, e, entre os restantes, os 7 onde se identificaram referências à problemática: Plano Nacional de Ação Ambiente e Saúde e Programas Nacionais de Promoção da Saúde Oral; Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas; Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares; Prevenção e Controlo da Diabetes; Contra as Doenças Reumáticas; Intervenção Integrada sobre Determinantes da Saúde Relacionados com os Estilos de Vida.

Os objetivos específicos do PNLCO apontam para a redução da proporção de indivíduos com excesso de peso em todos os grupos etários. Embora se reconheça a elevada prevalência entre crianças e jovens, com disparidades regionais, étnicas e de condição social na sua distribuição, estes não figuram entre grupos de risco identificados. As 23 Estratégias inscritas no documento servem a prevenção e combate à obesidade entre crianças e jovens, sendo 3 delas particularmente dirigidas a estes grupos30.

O PNLCO foi extinto em 2008, com integração das competências de prevenção secundária/terciária na Plataforma Contra a Obesidade e enquadramento do tratamento cirúrgico numa comissão criada para o efeito.

A Plataforma surge para concretizar os objetivos da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade e é apresentada como «medida estratégica, assumida politicamente a nível nacional, que visa criar sinergias intersectoriais, a nível governamental e da sociedade civil»31. Assume explicitamente a prevenção e combate à obesidade como prioridade política e, através dos objetivos e estratégias propostos, valoriza uma intervenção direcionada aos mais jovens.

Nos restantes 7 programas, obesidade, comportamentos alimentares ou sedentarismo são apontados como fatores de risco, não se identificando uma relação entre os propósitos de cada um destes documentos com a necessidade de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens. Apenas o programa de combate às doenças cardiovasculares contempla intervenções preventivas junto destes grupos, nomeadamente alteração de hábitos alimentares e combate ao sedentarismo32.

Todos estes programas apresentam medidas que, não sendo dirigidas ao problema ou a estes grupos, podem contribuir para este desígnio, tais como alteração da oferta alimentar, intervenções no meio, melhoria na vigilância de saúde e resposta dos serviços, capacitação de indivíduos, profissionais de saúde ou professores ou promoção de melhor conhecimento epidemiológico.

Plano Nacional de Saúde 2012‐2016

Dando seguimento à orientação governamental para elaboração de um novo Plano «orientado no sentido de uma priorização clara das intervenções, com base na evidência acerca do que gera mais ganhos em saúde»33, o Alto Comissariado da Saúde deu início à construção do PNS 2011‐201634, mais tarde designado como PNS 2012‐2016 em virtude de atrasos ocorridos na sua elaboração.

Em junho de 2011, um ano após a data prevista, foi anunciada a discussão pública deste Plano35, estando disponíveis para consulta vários capítulos do primeiro volume, Estratégias para a Saúde, e apenas um capítulo do segundo volume, Operacionalização do Plano Nacional de Saúde. Quando esta investigação foi realizada, a versão definitiva ainda não era conhecida, pelo que nos centrámos na versão preliminar e no seu processo preparatório.

No novo Plano, a obesidade é considerada risco de saúde pública e fator de risco para um conjunto de patologias em adultos e crianças. Constata‐se aumento da prevalência entre adultos, com assimetrias na distribuição regional36, não existindo dados de prevalência para menores de 18 anos.

O problema não figura entre as prioridades de intervenção nacional. No entanto, poderá vir a ser considerado como tal nos Planos Regionais de Saúde, previstos no PNS e que deverão estabelecer um quadro regional de prioridades37.

Embora a obesidade seja valorizada nas diversas fases do ciclo de vida dos indivíduos, só na fase Crescer com Segurança (período entre os 29 dias e 9 anos de idade) se explicita a necessidade de uma intervenção direcionada ao problema. Nas restantes fases são definidas áreas de intervenção que, não visando diretamente o problema, interferem com as suas causas.

Para monitorizar a evolução da prevalência do excesso de peso, propõe‐se a manutenção do quadro de indicadores do PNS 2004/2010, alargando‐o às crianças de 6 e 13 anos. Não foi divulgada previsão das metas a alcançar em 2016.

O quadro de ações e recomendações para operacionalização do Plano não foi disponibilizado. No entanto, face à valorização do problema ao longo do documento, com referências à Plataforma Contra a Obesidade – embora a Carta Europeia não figure no quadro legal, normativo, regulamentar e estratégico apresentado –, aos programas de Saúde Escolar, aos projetos de Cidades Saudáveis e Escolas Promotoras de Saúde, como exemplo de intervenção a desenvolver, e perante a orientação e evidência formuladas para os Eixos Estratégicos e Objetivos para o Sistema de Saúde do documento, abrem‐se perspetivas para um quadro de ações que responda direta ou indiretamente ao problema.

Esta perspetiva é reforçada por um conjunto de reflexões e propostas feitas durante o processo de planeamento, no âmbito das Análises Especializadas e dos Contributos enviados por entidades, organizações, especialistas e cidadãos, que, a serem acolhidas, poderão vir a ter impacto positivo sobre o problema e suas causas.

Entre estas propostas, destacamos a adoção de boas práticas implementadas noutros países, atribuição de responsabilidade e meios para uma intervenção dirigida ao problema e suas causas ao nível dos cuidados primários, reforço das estratégias locais de saúde e de iniciativas que promovam saúde em todas as políticas, cidadania em saúde ou equidade no acesso e a promoção da saúde e atividade física em meio urbano pela alteração dos instrumentos de ordenamento do território.

Discussão

Esta investigação permitiu‐nos uma perspetiva sequencial do processo de planeamento estratégico em Portugal e da sua evolução num contexto de mudança e influenciado por vários fatores18, bem como uma visão contextualizada das principais estratégias de prevenção e combate à obesidade infantil e dos jovens pensadas a este nível de planeamento. A discussão far‐se‐á em torno destes aspetos, focando ainda algumas dificuldades e aspetos críticos identificados durante o estudo.

Apesar das diferenças de conceção, a concretização das orientações político‐ideológicas que enquadram a política de saúde que está por detrás dos 3 documentos estratégicos traduz‐se numa perspetiva comum de obtenção de ganhos em saúde, espelhando a evolução e maturação da sociedade portuguesa e do próprio SNS.

Os 3 documentos propõem uma visão e direção para o sistema de saúde38, identificando‐se uma linha de continuidade indiciadora de consistência associada ao planeamento39. Partem do conhecimento existente sobre a saúde da população para consensualizar prioridades, procuram ter em conta as características, necessidades e recursos do sistema de saúde e são alinhados com a evidência, orientações e boas práticas internacionais. Estas características, bem como a integração de múltiplos atores no planeamento, refletem uma preocupação de ancorar estes processos na realidade e contextos em que decorram18,38.

Embora sem estatuto de prioridade em nenhum dos 3 documentos estratégicos, a obesidade foi sendo gradualmente reconhecida como problema de saúde em Portugal. A atenção crescente dada ao problema nos documentos e a preocupação cada vez mais explícita com a necessidade de respostas espelham este ganho de importância.

Contemporânea da classificação da obesidade enquanto epidemia global, a Estratégia não referencia o problema. No entanto, existem no documento metas, objetivos e orientações de ação que podem contribuir para combater e prevenir a obesidade junto de crianças e jovens, bem como de adultos, pois visam uma intervenção sobre algumas das suas causas.

No PNS 2004‐2010, a obesidade é já considerada como problema de saúde pública, não estando incluída nas 5 áreas prioritárias de intervenção propostas, sendo valorizada mais como fator risco e até como determinante da saúde, do que enquanto doença em si40.

À data da elaboração deste plano, existiam orientações internacionais para uma intervenção de prevenção e combate ao excesso de peso centrada nas idades infantojuvenis. No entanto, e embora estivesse descrito um aumento da prevalência na população portuguesa adulta, poucos eram os dados de prevalência em crianças e jovens3, facto que pode explicar uma menor atenção dada à questão e a inexistência de um quadro de indicadores para acompanhar a evolução nestes grupos etários. Ainda assim, é possível identificar intervenções visando uma ação positiva sobre algumas das causas do problema em 10 dos 22 programas nacionais então elaborados.

O PNS 2012‐2016 surge num contexto de uma prioridade política de prevenção e combate ao problema, assumida em 2007 com a criação da Plataforma Contra a Obesidade, existindo um conhecimento mais alargado sobre a prevalência na população portuguesa, fruto do desenvolvimento da investigação.

Embora a obesidade não seja apontada como problema prioritário na versão preliminar do Plano, verifica‐se um alinhamento com os princípios da Carta Europeia, nomeadamente uma maior preocupação com o aumento da prevalência, em particular nas idades infantojuvenis, referências à necessidade de uma intervenção direcionada e a adoção de indicadores para avaliar e monitorizar a evolução do problema entre os mais jovens. Quando realizámos a investigação, esta intervenção direcionada ainda não estava definida, existindo um acervo de propostas para a sua concretização.

Os principais resultados deste estudo, bem como a discussão que deles é feita neste artigo, validam a pertinência da abordagem à problemática escolhida e da metodologia utilizada, permitindo‐nos alcançar o objetivo proposto na investigação.

A aplicação de metodologias qualitativas no campo da ciência tem sido alvo de reflexão de vários autores, pois a inexistência de mensuração quantitativa dos fenómenos dificulta a avaliação dos resultados quanto à sua validade, ou seja, à correspondência com a realidade, e à sua fiabilidade, que será tanto maior quanto maior for a possibilidade de serem idênticos se houver uma repetição do estudo21.

Tratando‐se de uma investigação baseada na análise documental, confrontámo‐nos permanentemente com a necessidade de fazer prevalecer o rigor da técnica e a objetividade aos juízos, valores e ideias pré‐concebidas de quem investiga. Esta dificuldade constitui‐se como um desafio que consideramos bem‐sucedido, estando a validade e a fiabilidade do estudo asseguradas pela clarificação dos procedimentos de seleção do Corpus documental e do processo de análise realizado.

Durante o trabalho de análise foi possível identificar um conjunto assinalável de intervenções na área da prevenção e combate à obesidade, promovidas por organizações da sociedade civil, especialistas, escolas, universidades, serviços de saúde ou entidades locais e regionais, num claro sinal de que, apesar do problema não ter estatuto de prioridade, existem respostas organizadas e experiências de trabalho concretas sobre as quais valerá a pena refletir. Estas realidades não têm expressão significativa nos resultados apresentados, uma vez que a investigação se centrou nas respostas ao nível do planeamento estratégico em saúde, e constituem‐se como uma hipótese de trabalho científico futuro.

É ainda de referir que a análise do PNS 2012‐2016 ficou limitada pelo facto de, à data de termo da investigação (novembro de 2011), a versão posta à discussão pública estar incompleta. Ainda assim, tendo a versão final do PNS sido publicada após submissão deste artigo, mas antes da sua revisão final, foi possível uma breve abordagem ao documento, confirmando‐se a generalidade dos resultados aqui enunciados.

Conclusão

A análise à abordagem da obesidade feita na Estratégia, PNS 2004‐2010 e na versão preliminar do PNS 2012‐2016, permite concluir que, embora sem ganhar estatuto de prioridade, o problema tem vindo a ganhar importância entre as preocupações das autoridades de saúde em Portugal, expressas ao nível do planeamento estratégico. O mesmo se conclui sobre a importância dada ao aumento da prevalência entre crianças e jovens e à necessidade de intervenção específica junto destas faixas etárias, verificando‐se, no entanto, que este percurso tem sido mais lento.

Pode ainda concluir‐se que a inexistência de uma preocupação formal com a obesidade infantil e dos jovens, no sentido da sua priorização enquanto problema, não limitou as respostas ao mesmo, pois existiam conhecimento e recursos para impulsioná‐las.

No entanto, a subscrição da Carta Europeia de Luta Contra a Obesidade pelo governo português determinou o assumir de uma prioridade política, verificando‐se que a existência de um referencial de liderança e ação41 deu uma nova dimensão ao problema, sendo possível estabelecer correspondência entre os seus princípios e as orientações estratégicas do PNS 2012‐2016.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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