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Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 3-9 (enero - junio 2014)
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Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 3-9 (enero - junio 2014)
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Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma análise a partir das concepções de profissionais quanto às suas práticas
Baby‐Friendly Hospital Initiative: An analysis from the conceptions of professionais about their practices
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Maria Clara Santana Marojaa,
Autor para correspondencia
alicetel@terra.com.br

Autor para correspondência.
, Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silvab, Alice Teles de Carvalhoc
a Programa de Pós‐Graduação em Ciências da Nutrição pela Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa‐PB, Brasil
b Departamento de Enfermagem e Saúde Pública, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa‐PB, Brasil
c Programa de Pós‐Graduação em Ciências da Nutrição, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa‐PB, Brasil
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Resumo
Objetivos

Analisar a operacionalização da IHAC no que diz respeito à humanização na promoção do aleitamento materno e ao envolvimento da equipe nas ações relacionadas com a estratégia.

Métodos

Pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada num Hospital Amigo da Criança da rede pública da Paraíba, nordeste do Brasil. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e encontros de grupos focais com 60 profissionais de saúde de níveis técnico e superior. Em seguida, procedeu‐se à análise de conteúdo das narrativas.

Resultados

Os profissionais revelaram maior preocupação com o aspecto técnico no incentivo ao aleitamento materno. Foi identificado um distanciamento entre os processos de trabalho desses profissionais e as atividades pró‐amamentação desenvolvidas na maternidade, as quais se mostraram predominantemente a cargo do setor de Banco de Leite. Verificou‐se também que não há uma apropriação da política de aleitamento materno da instituição, por parte da equipe de saúde, como um instrumento orientador para o desempenho das atividades cotidianas.

Conclusões

É necessária a implantação de uma efetiva política de educação permanente e continuada destinada à equipe de saúde da maternidade, que contemple ampla divulgação e discussão com todos os profissionais envolvidos na assistência materno‐infantil. Todos estes devem estar preparados para resgatar a prática do aleitamento materno de forma a considerar não somente os aspectos biológicos dessa prática, mas valorizando também questões referentes à humanização.

Palavras‐chave:
Aleitamento materno
Hospital
Avaliação
Profissionais de saúde
Abstract
Objectives

To analyse the operationalization of the Baby‐Friendly Hospital Iniciative (BFHI) as far as the humanization in promoting breastfeeding and staff involvement in activities related to its stragey is concerned.

Methods

A case study, qualitative research, was conducted in a Baby‐Friendly Hospital from the public system of Paraiba, northeastern Brazil. Semi‐structured interviews and meetings with focus groups were conducted featuring 60 technical and top level professionals. This process was followed by the content analysis of the narratives.

Results

Professionals showed greater concern with the technical aspects of encouraging breastfeeding. A gap between the work processes between these professionals and the pro‐breastfeeding activities developed in maternity units was identified, which appeared to be predominantly in charge of the milk bank sector. It was also found that there is no appropriation of breastfeeding policy of the institution, by the health team, as a guiding tool to carry out daily activities.

Conclusions

It is necessary to implement an effective policy of lifelong learning and education directed to the maternity health care team that contemplates a wide dissemination and discussion with all professionals involved in maternal and infant care, so they can be prepared to rescue the breastfeeding practice considering not only the biological aspects of this practice, but also valuing issues related to humanization.

Keywords:
Breastfeeding
Hospital
Evaluation
Health care professionals
Texto completo
Introdução

Com base nos benefícios da amamentação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elaboraram, para a década de 1990, estratégias que favorecem a prática do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida; e do aleitamento materno complementar até os 2 anos ou mais. Foi, então, criada a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), cujo objetivo é promover, proteger e apoiar o aleitamento materno por meio da mobilização de toda a equipe hospitalar que trabalha com mães e lactentes1,2.

Atualmente são mais de 20 mil hospitais credenciados em todo o mundo. No Brasil, a IHAC faz parte do elenco de programas que compõem a Política Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) do Ministério da Saúde (MS)3 e configura‐se como uma estratégia de reconhecida importância para o sucesso do aleitamento materno, com impacto positivo na prática da amamentação4–6.

Contudo, durante o processo de implantação e manutenção da IHAC num hospital, podem ocorrer dificuldades de naturezas diversas, sendo ainda escassos os estudos que abordam questões relacionadas à sustentabilidade dessa estratégia7. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar a operacionalização da IHAC no Instituto Cândida Vargas, no que diz respeito à humanização na promoção do aleitamento materno e ao envolvimento da equipe nas ações relacionadas com a estratégia. Adicionalmente, objetivou‐se identificar eventuais barreiras e fatores facilitadores para a promoção desses aspetos‐chave da IHAC.

Material e métodos

Trata‐se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada num HAC – o Instituto Cândida Vargas –, da rede pública de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, nordeste do Brasil. Essa instituição foi escolhida como cenário de estudo por ser a maternidade que apresenta, desde a sua fundação, a maior média mensal de nascidos vivos no estado. Além disso, é um dos mais antigos HAC da Paraíba: foi credenciado na iniciativa em outubro de 1997 e, desde então, vem mantendo o título.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro a junho de 2011 e consistiu na realização de entrevistas individuais, com aplicação de roteiro de entrevista semiestruturado, e também de encontros de grupos focais. Foram considerados elegíveis a participar da pesquisa todos os 222 profissionais de saúde de níveis técnico e superior que trabalhavam na instituição. Foram incluídos no estudo 60 profissionais selecionados aleatoriamente a partir da listagem de escala de trabalho dos diversos setores do instituto. Participaram dos encontros de grupos focais os auxiliares de enfermagem; enquanto que, das entrevistas individuais, participaram os profissionais de saúde de nível superior, incluindo cargos de chefia.

Os instrumentos utilizados na coleta dos dados foram elaborados com base nos documentos oficiais que normatizam a iniciativa8,9 e em artigos científicos da área10,11. Continham questões incluídas em 2 eixos norteadores: a humanização na promoção do aleitamento materno e o envolvimento da equipe nas ações da IHAC.

Com o objetivo de analisar a adequação do roteiro semiestruturado para a entrevista, realizou‐se um pré‐teste num HAC de outro município da Paraíba. Nessa ocasião, foram entrevistados 15 profissionais de saúde de nível superior. Observou‐se, então, se houve compreensão do conteúdo por parte dos entrevistados e se a ordem das questões obedecia a uma lógica sem indução a respostas.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, sob o protocolo n.° 681/10. Todos os participantes receberam esclarecimentos sobre a pesquisa e, em caso de concordância, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Sistematização e análise dos dados

Os depoimentos foram registrados por meio de gravador e transcritos na sua íntegra. Em seguida, procedeu‐se à análise de conteúdo, procurando atender as etapas propostas por Bardin12: pré‐análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação. Foram consideradas as palavras, o contexto, a frequência, a intensidade dos comentários, a especificidade das respostas e a consistência interna destas13.

Resultados e discussão

Participaram da pesquisa as seguintes áreas profissionais: auxiliares de enfermagem (12), enfermeiros (18), fisioterapeutas (6), fonoaudiólogos (6), nutricionistas (6), psicólogos (6) e médicos pediatras (6). Dentre os profissionais entrevistados, 8 exerciam cargos de gestão, sendo 2 diretores e 6 coordenadores de área. A idade dos participantes variou de 21‐58 anos, com mais da metade destes apresentando idade inferior ou igual a 30 anos. Entre os participantes do estudo, apenas 15% trabalhavam há menos de um ano no instituto – sendo que o menor tempo de serviço verificado foi de 3 meses; e o maior, de 29 anos.

Humanização na promoção do aleitamento materno

Percebeu‐se que a atenção humanizada às puérperas é uma questão que permeia o processo de trabalho de parte dos profissionais entrevistados, refletindo, assim, uma extrapolação do campo meramente técnico e consistindo num compromisso com aspetos relacionados ao acolhimento:

«[...] Eu acho que a finalidade do nosso trabalho é o acolher, o acolher do binômio, tanto da mãe quanto do recém‐nascido. Como já foi dito, elas vêm para cá muito fragilizadas – é um período que a gente está muito sensível –; a puérpera também precisa de um apoio e a gente está ali para apoiá‐la: cuidando, ensinando, apoiando psicologicamente [...]. Eu acho que a palavra correta pra finalidade do nosso trabalho na verdade é acolhimento.» (Auxiliar de enfermagem).

«A humanização – eu gosto muito desta palavra –, sem isso aí nada funciona. Você pode dar o medicamento ao paciente, mas mais da metade é você levar para ele a compreensão, o acolhimento – como ela falou – a preocupação com ele.» (Auxiliar de enfermagem).

Alguns profissionais, contudo, revelaram maior preocupação com o aspeto técnico da finalidade das suas atribuições:

«Coordenar toda a área técnica correlacionada às atividades médicas desde a admissão até a alta, como também a parte ambulatorial e diagnóstica.» (Diretor técnico).

«É preparar as mães para que o trabalho de parto possa evoluir de forma rápida e segura para a mãe e para o bebê; e, então, quando ele nasce, a gente acompanha esse bebê para que o desenvolvimento dele seja o mais próximo do normal possível.» (Coordenador de fisioterapia).

Verificou‐se, ainda, que a valorização do aspeto técnico prevaleceu, mesmo quando a promoção do aleitamento materno foi abordada como um dos objetivos das atividades por eles desenvolvidas:

«Eu trabalho com o objetivo de promover o aleitamento materno; trabalho com musculatura, porque tem bebês prematuros que nascem sem reflexo, com musculatura inadequada, dificuldade de sucção; então a gente vai trabalhar para desenvolver isso para que ele seja capaz de mamar, recebendo aleitamento materno exclusivo.» (Fonoaudiólogo).

Em alguns momentos das entrevistas, a necessidade de uma abordagem mais humanizada no incentivo ao aleitamento materno foi reconhecida pelos próprios profissionais, com destaque para aqueles que desempenhavam cargos de gestão:

«[...] Então eu preciso de uma pessoa capacitada que tenha também essa vontade de trabalhar com aleitamento materno. E tem a questão também da humanização do profissional que, por mais que tenha, eu ainda sinto falta disso.» (Coordenador de Banco de Leite).

«Que dessem espaço para reciclar profissionais. Com relação ao aleitamento materno, a sugestão seria [...] a humanização no trabalho, a recepção com relação ao usuário, ao acompanhante [...], para tirar um pouco esse peso de você chegar aqui e dizer: “Preste esse serviço...”. E você deixa de ser uma pessoa [...] que interaja com o outro de uma forma mais harmoniosa [...].» (Coordenador de Psicologia).

É importante lembrar que não apenas o saber técnico, específico das diferentes profissões, deve ser aperfeiçoado, mas também a clareza de incorporar no processo de trabalho o acolhimento e a importância de entender de forma individualizada a situação de cada mulher.

Uma dificuldade apontada por Bulhosa et al.14 refere‐se às orientações oferecidas às mulheres – muitas vezes não individualizadas e não contextualizadas –, que aparentemente não contribuem para o aleitamento materno. Torna‐se importante valorizar as características singulares de cada binômio ‘«mãe‐filho» e fornecer apoio e orientações que possibilitem à mulher sentir‐se livre para decidir o manejo do aleitamento materno. Esses autores discutem a falta dessa individualização das orientações sobre aleitamento materno, constituindo situações que parecem pressionar as mulheres a amamentar. Tais atividades profissionais, como atividades mecânicas, induzem a mulher a amamentar também de modo mecânico, porque são atividades desempenhadas sem a indicação de suas finalidades, portanto, descontextualizadas.

Por sua vez, Ramos et al.15 perceberam, em seu estudo, que o repasse de informações sobre aleitamento materno às puérperas, em HAC, era feito, algumas vezes, de forma verticalizada e centrado nas vantagens e nas técnicas da amamentação. Para esses autores, é provável que o enfoque centrado nos aspectos biológicos do aleitamento – presente nos documentos que norteiam os treinamentos da IHAC – tenha influenciado os discursos predominantemente técnicos dos profissionais de saúde.

É importante destacar que, em 2009, foi lançada uma nova versão do material que normatiza o curso da IHAC para equipes de maternidade9. Esse material tem sido adotado pelo Instituto Cândida Vargas no processo de capacitação dos profissionais de saúde. De acordo com o material revisitado, o aspecto técnico da amamentação enfatizado nas versões anteriores foi substituído por uma metodologia mais participativa, que envolve questões que ultrapassam as técnicas relativas às profissões da área da saúde e alcançam outras áreas do conhecimento humano, como a comunicação, a antropologia e a sociologia.

Deve‐se compreender, ainda, que a apreensão das normas da IHAC pelos profissionais sob uma ótica exclusivamente administrativa pode transformar o caráter humanizador dessa iniciativa em práticas impositivas de condutas que não incorporam o respeito às diversidades socioculturais das mulheres e o direito destas sobre suas próprias decisões; como refletem os depoimentos a seguir:

«[...] Como ele (o recém‐nascido) está aqui, e aqui é HAC, você tem que amamentar [...]». (Médico Pediatra).

«[...] Só vão liberar (dar alta às mães) quando elas estiverem amamentando [...].» (Enfermeiro).

Segundo Tornquist16, a obsessão em fazer toda mulher amamentar seu bebê – fruto da apropriação burocrática de normas e rotinas – pode facilmente transformar gestos aparentemente acolhedores em atos de imposição normativa. Se as experiências de humanização se concentram em aspectos técnicos isolados e num modelo universalista de família e de feminilidade, podem minimizar seu grande potencial, que é o do empoderamento das diferentes mulheres no que tange à sua saúde reprodutiva e à saúde do seu filho.

Envolvimento da equipe nas ações da Iniciativa Hospital Amigo da Criança

Quanto às ações promotoras do aleitamento materno desenvolvidas na maternidade, os profissionais destacaram as atividades educativas, ou seja, palestras ou orientações durante o atendimento individual junto às puérperas ou gestantes. No entanto, observou‐se também, em suas falas, a ausência do tema entre os elementos dos processos de trabalho das práticas profissionais, no sentido do incentivo à amamentação.

«Eu creio que são as palestras que minhas colegas desenvolvem nas enfermarias; então elas incentivam muito o aleitamento materno. Eu creio que é isso aí, eu não tenho como responder com precisão, pois não é minha área de atuação.» (Nutricionista).

«Na minha função no hospital, eu não chego a incentivar o aleitamento materno, [...] mas tem o Banco de Leite, tem as outras fisioterapeutas lá em cima que estão sempre estimulando; elas (as mães) são bem estimuladas no incentivo ao aleitamento materno, mas do meu incentivo mesmo eu não tenho contato.» (Fisioterapeuta).

«[...] A gente trabalha também em conjunto com a fisioterapia no Grupo de Gestantes, [...] às vezes chamam psicólogo, mas não é sempre não, sempre é a fisioterapia [...].» (Enfermeira do Banco de Leite).

A desvinculação das práticas cotidianas dos profissionais das atividades pró‐amamentação reflete ser necessário um maior entendimento de que os processos de trabalho pressupõem iniciativas para a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno.

É importante ressaltar que todos os profissionais de saúde da maternidade são sujeitos‐chave para o cumprimento dos passos da IHAC, por estarem em contato direto com o binômio «mãe‐bebê». Nessa perspectiva, uma das etapas cumpridas pelo hospital em estudo para o credenciamento na iniciativa é o treinamento de toda a equipe de cuidados de saúde, capacitando‐a para implementar a política de aleitamento materno do hospital. Na maternidade em análise, conforme relato da equipe do Banco de Leite, esse treinamento ocorre semestralmente a fim de promover a educação permanente e contemplar os profissionais recém‐contratados:

«[...] É a minha área aqui dentro que é a questão da educação permanente, treinando os profissionais para o programa da IHAC. Todos os funcionários que entram aqui têm que passar por esse treinamento, porque a gente é um HAC, e a cada 6 meses a gente está fazendo sempre uma reciclagem com esses profissionais já existentes e com os que estão chegando.» (Psicóloga do Banco de Leite).

O cumprimento da etapa de treinamento dos profissionais quanto às normas da iniciativa é importante. No entanto, não parece ser suficiente para que os profissionais se percebam como corresponsáveis para que o binômio «mãe‐bebê» tenha acesso a uma estrutura facilitadora da prática da amamentação. A maternidade em estudo, enquanto HAC, deve caracterizar‐se não apenas pelas rotinas e atividades que desenvolve, mas sobretudo por apresentar toda a sua equipe de saúde preparada e envolvida com a questão da amamentação, valorizando a relação com as pacientes.

Moorel, Gauld e Williams10, ao estudarem a experiência da Nova Zelândia na implementação da IHAC, revelaram que nem todos os profissionais estavam familiarizados com a política e com as implicações desta nos seus processos de trabalho. Além disso, esses profissionais revelaram não entender por que eles precisavam participar de treinamentos sobre o assunto, mostrando‐se relutantes em relação ao processo de capacitação. Os autores afirmaram a necessidade de se ir além dos treinamentos – a importância de sensibilizar todos os profissionais, em longo prazo – para que seja alcançado o efetivo cumprimento da política de aleitamento materno.

Algumas atividades têm sido referidas como formas de sensibilizar a equipe de saúde e garantir o envolvimento desta nas ações da IHAC: reuniões periódicas, a fim de reforçar continuamente conceitos e práticas para adaptação das pessoas envolvidas no processo; promoção de fóruns de acompanhamento, como Comitê Permanente de Aleitamento; e avaliações sistemáticas realizadas pelas Secretarias de Estado da Saúde – muito embora estas tenham sido relatadas como algo temido, requerendo uma preparação prévia intensa11,17.

Um fato que pode estar contribuindo para o distanciamento entre o incentivo à amamentação e o processo de trabalho dos profissionais de saúde refere‐se à inexistência de uma padronização das orientações sobre aleitamento materno que devem ser transmitidas às mães, conforme se verifica nos relatos abaixo:

«[...] Das orientações não; é mais uma questão oral mesmo, a gente não segue nenhum.» (Fonoaudiólogo).

«[...] Não tem por escrito, mas a gente tenta padronizar: o pessoal que faz a visita nos alojamentos, quando dão alta, eles tentam orientar do mesmo jeito [...].» (Médico pediatra).

A definição de uma política interna de aleitamento materno é o primeiro passo para o credenciamento de um hospital na IHAC8. No entanto, a simples existência dessa política, no plano teórico, não é suficiente para impactar o processo de trabalho dos profissionais. As intenções da política devem ser apropriadas por toda a equipe de saúde como um instrumento orientador para o desempenho das atividades cotidianas de cada profissional. Essa correspondência do plano teórico na prática profissional possibilitaria visibilidade da uniformidade das atividades pró‐amamentação adotada pela instituição, inclusive no que se refere às orientações que são transmitidas às mães, permitindo que os profissionais tratassem da questão de forma equânime.

O processo de inserção dos profissionais no contexto da IHAC não deve ficar limitado a contemplar as atividades específicas de cada categoria profissional, mas também ajudá‐los a compreender a rotina de toda a instituição como uma estratégia global de incentivo à amamentação. Quando questionados quanto às ações promotoras do aleitamento materno desenvolvidas na maternidade, esse entendimento não se mostrou claro entre os entrevistados. Estes referiram, de forma pontual, o alojamento conjunto e o contato entre mãe e bebê logo após o nascimento como práticas facilitadoras da amamentação, a exemplo das seguintes falas:

«Colocar a criança no peito assim que chega é um incentivo, e a gente orienta em relação à importância dele (aleitamento materno) [...].» (Enfermeiro).

«A primeira coisa é deixar o bebê junto com a mãe, é um protocolo [...] e aí a gente faz isso de rotina, então isso tudo incentiva o aleitamento materno.» (Médico pediatra).

Quanto à conduta diante de mães que apresentam alguma intercorrência com a amamentação, os profissionais revelaram dificuldades referentes ao procedimento adequado nesse tipo de situação. Adicionalmente, verificou‐se que as ações de incentivo e manejo da lactação são predominantemente referidas como atribuições específicas do setor de Banco de Leite, conforme as declarações:

«[...] Eu não consigo dar essas orientações, mas tem as meninas do Banco de Leite que dão todo o apoio às mães que estão com alguma dificuldade ou têm que tirar o leite [...], aí elas orientam essas mães.» (Enfermeiro).

«Elas recebem do Banco de Leite, como eu falei, elas (profissionais do Banco de Leite) são bem atuantes aqui [...]. Não sei como é o tratamento, mas eu acho que deve sim ter algum tratamento adequado.» (Enfermeiro).

«Sim, sempre que as mães têm dificuldade para amamentar, o Banco de Leite é solicitado; as meninas do Banco de Leite vão lá e dão orientação.» (Fonoaudiólogo).

Foram identificados depoimentos que revelaram autonomia no apoio às mães com dificuldades para amamentar, ainda que associada à participação do Banco de Leite:

«A gente percebe que ela tem alguma dificuldade para amamentar. A gente tem que detectar a causa da dificuldade, ouvir a história, o porquê dessa dificuldade de amamentar – que às vezes dá dor –, ver se deu de mamar, se não deu e a gente vai investigar. Aí, trabalho intensamente os conflitos psicológicos existentes naquela amamentação e também solicito a participação do Banco de Leite [...].» (Psicólogo).

«[...] A gente procura incentivar, procura dizer a ela que não é assim; dependendo do que for a situação, às vezes é um mito [...]. São pacientes que apresentam um pouco mais de dificuldade, mas a gente consegue quebrar, traz o pessoal do Banco de Leite, que é especialista no assunto. A gente também conversa, a gente ajuda, diz que está com ela, que vai ajudar a colocar no peito [...].» (Enfermeiro).

Os profissionais de saúde de um HAC devem estar capacitados para analisar as causas das dificuldades que as puérperas tenham e sugerir meios que possam ajudá‐las a resolver os problemas relativos à amamentação9. Assim, o hospital, cenário do estudo, uma vez credenciado na IHAC, deve garantir às mulheres o auxílio necessário para a prática da amamentação, independente da etapa do fluxo de atenção hospitalar em que a mãe se encontre.

Salientamos que a atuação efetiva dos profissionais do Banco de Leite na promoção do aleitamento materno também foi evidenciada. Os depoimentos a seguir revelam essa realidade:

«O Banco de Leite tem um trabalho de primeiro mundo. Inclusive eu posso falar como usuária, que eu tive que levar minha filha, ela teve dificuldade [...] e fiquei muito feliz, porque ela hoje é doadora do Banco de Leite. Ela teve sérias dificuldades, ela teve acompanhamento de vários profissionais; então é um trabalho realmente de muita qualidade.» (Nutricionista).

«[...] Aqui tem muito apoio, porque você tem o Banco de Leite; eu acho que isso já é muito bem orientado. A única coisa que falta mais aqui é o interesse de alguns profissionais, porque aqui a gente trabalha com equipe, sabe? E a gente vê a dificuldade que alguns profissionais têm de dar mais atenção, porque o Banco de Leite é para a maternidade todinha.» (Enfermeiro).

A existência de uma comissão de aleitamento materno responsável pelas atividades da IHAC foi recomendada pelos participantes de um estudo realizado na Austrália por Walsh, Pincombe e Henderson18. Os profissionais consideraram importante o processo de educação em amamentação, mas reconheceram a dificuldade de seu alcance por todos os membros da equipe em virtude da intensa carga horária de trabalho, o que limitava o acesso aos treinamentos. Esses profissionais apresentaram, então, como recurso útil, a designação de funcionários para atuarem como consultores em lactação e promoverem atividades educativas sobre aleitamento materno junto às puérperas.

Assim, pode‐se minimizar a preocupação com o fato de as atividades de promoção do aleitamento materno estarem predominantemente a cargo de profissionais do Banco de Leite, levando‐se em consideração que o aperfeiçoamento e o empenho dos profissionais que o compõem possam resultar em um apoio à amamentação mais especializado. Por outro lado, essa prática pode levar à diminuição do envolvimento da maternidade como um todo – enquanto instituição credenciada na IHAC –, uma vez que esta deve apresentar envolvimento de todos que lidam direta ou indiretamente com mães e bebês, devendo estar preparados para atuar, sobretudo, diante das intercorrências com a amamentação.

Conclusões

Na perspectiva de identificar possíveis limitações, assim como possíveis fatores facilitadores, em relação à humanização na promoção do aleitamento materno e ao envolvimento da equipe de saúde com as ações da IHAC, analisou‐se o material empírico produzido e observou‐se que o caminho metodológico percorrido contribuiu para o alcance do objetivo. Essa análise evidenciou alguns fatores intervenientes na sustentabilidade da IHAC, como a necessidade de implantação de uma efetiva política de educação permanente e continuada destinada aos profissionais de saúde da maternidade.

Nesse sentido, um dos eixos norteadores do processo de capacitação deve ser a abordagem humanizada na promoção do aleitamento materno. Esta deve considerar, não somente as habilidades de comunicação, inseridas na última versão do curso da IHAC para equipes de maternidades, mas, sobretudo, despertar os profissionais para o propósito da IHAC: que é incentivar o aleitamento materno por meio do empoderamento das mulheres em relação às suas próprias decisões sobre a amamentação.

Outro aspecto que deve ser contemplado no processo de capacitação é o entendimento de que a dinâmica de trabalho de cada profissional faz parte de um projeto maior: a IHAC. Dessa forma, o processo de inserção dos profissionais no contexto da iniciativa não deve apenas esclarecê‐los quanto aos aspectos biológicos do aleitamento materno, mas também sensibilizá‐los quanto à valorização da relação com as mães e à percepção das rotinas de toda a instituição como práticas facilitadoras da amamentação. Assim, os profissionais irão perceber‐se como sujeitos‐chave na promoção do aleitamento materno num HAC.

A educação permanente e continuada da equipe de saúde deve ainda permitir o acesso e a utilização da política de aleitamento materno da instituição amiga da criança, especialmente no que se refere às orientações a serem transmitidas às mães, como um instrumento efetivo para o desempenho das atividades dos profissionais.

Revelou‐se como uma prática positiva o fato de existir um grupo de profissionais (Banco de Leite) responsável pelas atividades de incentivo ao aleitamento materno e manejo da lactação, e pelos treinamentos da IHAC para os profissionais de saúde da maternidade, considerando a qualificação dessas atividades. Entretanto, para que essa prática não prejudique o envolvimento dos demais profissionais nas ações da IHAC, é necessário o reforço contínuo de conceitos, de práticas e do papel essencial que cada um destes exerce num HAC.

Portanto, o processo de capacitação precisa contemplar uma ampla divulgação e discussão com todos os profissionais envolvidos na assistência materno‐infantil, devendo todos estes estar preparados para resgatar a prática do aleitamento materno.

Autoria

Maria Clara Santana Maroja é servidora técnico‐administrativa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Brasil. Alice Teles de Carvalho e Ana Tereza Medeiros Cavalcanti da Silva são docentes da Universidade Federal da Paraíba, Brasil.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Agradecemos aos alunos bolsistas de Iniciação Científica, Ítalo Max e Tássia Camila, pelo apoio à coleta de dados; à Diretora Multiprofissional do Instituto Cândida Vargas, Maria da Assunção Nóbrega, pelo livre acesso que nos concedeu ao cenário de estudo; e aos profissionais de saúde da instituição, pela disponibilidade para as entrevistas.

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