A infeção da área genital pelo vírus do papiloma humano (HPV) é muito frequente. Estima‐se que 50% dos indivíduos sexualmente ativos são infetados pelo menos uma vez ao longo da vida. O diagnóstico é essencialmente clínico, toda a área genital deve ser inspecionada cuidadosamente. A sua apresentação pode dividir‐se em manifestações benignas (condilomas acuminados ou verrugas genitais) e em manifestações pré‐malignas e malignas (neoplasia intraepitelial e neoplasias invasivas). Faz‐se uma revisão das recomendações diagnósticas da infeção pelo HPV no homem, na mulher, no casal e no hospedeiro imunocomprometido, assim como uma atualização dos conceitos anatomopatológicos.
HPV infection affects about 50% of sexually active individuals at least once in a lifetime. Diagnosis is made on careful inspection of the genital area and can be divided into benign lesions (genital warts or condyloma acuminatum) and pre‐malignant lesions (intraepithelial neoplasia) that can lead to cancer (invasive neoplasia). Diagnostic recommendations are reviewed in Male, Female, Couple and in the immunocompromised host. Recent histological concepts are also discussed.
A infeção da área genital pelo vírus do papiloma humano (HPV) é muito frequente em ambos os sexos. Estima‐se que 50% dos indivíduos sexualmente ativos são infetados pelo menos uma vez ao longo da vida. A maioria das infeções é transitória e assintomática, resolve‐se frequentemente de forma espontânea e de modo geral em menos de dois anos.1
No sexo feminino existe um pico de incidência em mulheres jovens (início da vida sexual até aos 25‐30 anos). A prevalência nos homens é tendencialmente mantida ao longo da vida.
Quando existem manifestações clínicas, elas podem dividir‐se em benignas (condilomas acuminados ou verrugas genitais), causadas habitualmente por subtipos de baixo risco (90% associados aos HPV 6 e 11), e pré‐malignas e malignas (neoplasia intraepitelial e neoplasias invasivas) associadas a infeções persistentes por subtipos de alto risco (em especial HPV 16 e 18).2 Todas as áreas anatómicas potencialmente envolvidas em práticas sexuais podem ser afetadas (área genital interna e externa, perianal e anal, boca e orofaringe).3.
Material e métodosRevisão bibliográfica e reunião de consensos com painel de peritos.
Apresentação clínicaOs condilomas tipicamente são pequenas pápulas sésseis, de superfície lisa ou verrucosa, com poucos milímetros de diâmetro. Podem, porém, também ser filiformes, pedunculados ou confluentes em placas de grandes dimensões, em especial nos imunodeprimidos. Habitualmente são cor de pele, mas podem ser eritematosas, castanhas, acinzentadas ou esbranquiçadas se existir maceração (frequente em áreas de prega). Embora possam apresentar‐se como lesões únicas, mais frequentemente surgem como lesões múltiplas e agrupadas.4 Atualmente é frequente observar‐se em ambos os sexos lesões extensas nas áreas púbicas e perineais secundárias a disseminação por depilação de áreas infetadas.5
No caso dos condilomas, a maioria dos casos é assintomático. Pode, porém, haver ocasionalmente prurido ou queixas secundárias a trauma ou sobreinfecção (hemorragia ou exsudado)4.
HPV no homemO diagnóstico é essencialmente clínico, toda a área genital deve ser inspecionada cuidadosamente e com boa iluminação, pode‐se usar uma lente ou microscópio para melhorar a visualização. A localização preferencial nos homens não circuncisados é o sulco balanoprepucial, enquanto nos circuncisados é o corpo do pénis, sem esquecer o meato uretral. Deverá ser avaliada toda a área púbica, perineal, inguinal e perianal.6 No caso de condilomas perianais, deverá ser ponderada proctoscopia quando existam condilomas no canal anal, queixas proctológicas associadas ou coinfecção HIV.7
A presença de lesões clinicamente atípicas, pigmentação irregular, sintomas associados ou resistência ao tratamento deverá levantar a suspeita de neoplasia intraepitelial/invasiva e condicionar biópsia para avaliação histopatológica.
O diagnóstico diferencial faz‐se com variações anatómicas normais (pápulas peroladas do pênis, glândulas de Fordyce), outras infeções (molusco contagioso) e com lesões cutâneas benignas (nevos intradérmicos, queratoses seborreicas ou fibromas pêndulos).
O uso do ácido acético para a identificação e tratamento de lesões subclínicas apresenta uma taxa de falsos positivos superior a 60%, por isso a peniscopia não está recomendada.8
No momento não está recomendado teste HPV para o homem, quer em rastreio, quer em diagnóstico, dada a ausência de benefício na orientação clínica subsequente.9
HPV na MulherO vírus do papiloma humano (HPV) representa uma família de vírus DNA cujos diferentes tipos podem ser divididos em 2 classes, oncogênicos e não oncogênicos. As infeções com os tipos oncogênicos (ou de alto risco) são tidas como um fator necessário, mas não suficiente para o desenvolvimento de cancro do colo do útero. A maioria das infeções por HPV é transitória e apresenta um baixo risco de progressão. Uma pequena fração de todas as infeções pode tornar‐se persistente. A persistência após um ou dois anos decorridos da infeção inicial prediz o subsequente risco de neoplasia intraepitelial cervical e cancro. Assim, apenas uma fração reduzida das mulheres infectadas com vírus de alto risco desenvolverá anomalias cervicais e cancro do colo do útero.10
Os fatores que determinam a persistência de algumas infeções não estão totalmente esclarecidos. O genótipo do vírus parece ser o fator mais importante. O subtipo 16 tem o maior potencial carcinogênico, responsável por cerca de 60% de todos os casos de cancro do colo do útero, segue‐se o subtipo 18, responsável por 10 a 15%. Outros 12 subtipos estão implicados nos restantes casos.11 De igual modo, a infeção por HPV em mulheres com mais de 30 anos apresenta maior risco de persistência da infeção e do desenvolvimento de lesões de alto grau.
É sabido que o tempo que medeia entre a infeção por HPV e o desenvolvimento de cancro é longo, com uma média de 10 anos após o aparecimento da lesão de CIN 3 (Neoplasia Intraepitelial do Colo do Útero de Grau 3). Esse aspeto tem sido determinante na definição dos intervalos adequados para o rastreio do cancro do colo do útero.12
De acordo com legislação publicada no Diário da República de 21 de setembro de 2017, o programa de rastreio do cancro do colo do útero deve ser feito pelo teste de pesquisa de ácidos nucleicos dos serotipos oncogênicos do HPV, em citologia cervicovaginal, de 5 em 5 anos. Não há indicação para rastrear a infeção por HPV de baixo risco.13
As doentes em que a pesquisa for positiva para os serotipos 16 e 18 devem ser encaminhados para colposcopia. Nos casos positivos para os restantes serotipos oncogênicos, deve ser feita citologia reflexa, encaminhar para colposcopia as situações em que existam alterações citológicas. As doentes que nesse contexto tiverem citologia negativa devem repetir a colheita em um ano.
O teste HPV pode ainda ser usado para avaliar a necessidade de colposcopia, em mulheres que optaram por citologia inicial e nas quais essa tenha revelado ASC‐US (células pavimentosas atípicas de significado indeterminado).13
A vacinação contra o HPV não altera essas recomendações, dado estimar‐se que uma redução significativa no número de casos de cancro do colo uterino não ocorrerá antes de 20 anos após o início da vacinação generalizada.14
O programa de rastreio do cancro do colo do útero destina‐se à população do sexo feminino com idade igual ou superior a 25 anos e igual ou inferior a 60 anos.13 Mulheres com doenças imunossupressoras poderão ter indicação para iniciar o rastreio mais cedo.15
HPV no casalO diagnóstico de infeção por HPV (teste HPV positivo, verrugas genitais ou displasia cervical) pode desencadear nas doentes reações psicológicas marcadas, inclusive medo, vergonha e stress, associados à dúvida sobre a fonte de infeção, ao medo de rejeição pelo parceiro e à possibilidade futura de transmissão do vírus. As doentes que recebem um diagnóstico de infeção por HPV sofrem com frequência pelo estigma de portadores de uma infecção sexualmente transmissível, pelo receio da inexistência de um tratamento curativo e pela incerteza acerca da remissão, progressão e possibilidades de transmissão da infeção.16 Na qualidade de fonte mais fidedigna de informação sobre a infeção HPV, os médicos têm um papel fundamental na educação dos doentes e na moderação do impacto psicossocial do diagnóstico. Não estão indicados exames de rotina para os parceiros de doentes com diagnóstico de infeção HPV, se assintomáticos. No entanto, o casal pode se beneficiar de conselhos de educação sexual ou do rastreio de outras doenças de transmissão sexual. No caso concreto dos condilomas, torna‐se importante esclarecer que esses não progridem para cancro, têm tratamento e que o uso consistente de preservativo diminui a taxa de transmissão aos parceiros.17
HPV no imunocomprometidoA população infectada pelo HIV tem um elevado risco de coinfecção por vários subtipos de HPV e de evolução para neoplasia invasiva. Por isso, deverá ser usado um limiar de suspeição adaptado ao risco e se efetuar rastreio regular.18 Nessa população, os doentes com lesões anais deverão efetuar rastreio de neoplasia anal por citologia e proctoscopia regular.
O uso de técnicas de tipagem do HPV não tem interesse em casos assintomáticos ou de condilomas, dado não ter benefício clínico ou terapêutico. Também não está indicado em rastreio dos contatos sexuais de doentes infetados. A tipagem do HPV é habitualmente reservada para os casos de citologias anormais detectados em avaliações circunstanciais ou inseridas em programas de rastreio do colo do útero. Pode também ser usado como teste de rastreio em mulheres com idade ≥ 30 anos. Pode ainda ser usado em doentes seropositivos com infeção anal para orientar a necessidade de vigilância mais acurada ou de tratamento, embora ainda seja um tema controverso.
HPV e histologiaO consenso LAST (Lower Anogenital Tract Standardization Project) foi publicado em 2012 pelo CAP (College of American Pathologist) para uniformização do diagnóstico histológico e da terminologia usada nas lesões associadas ao HPV. O consenso tratou das lesões do trato anogenital inferior, que inclui colo uterino, vulva, vagina, pênis, região anal e perianal. Do ponto de vista histológico e biológico, as lesões são divididas em duas categorias, lesão escamosa intraepitelial de baixo e alto grau, e é feita uma tentativa de unificar a terminologia usada nas diferentes topografias, pelas diferentes especialidades que delas tratam.19
O consenso sobre HPV da Sociedade Portuguesa de Ginecologia usa a terminologia “lesões condilomatosas” para o grupo não displásico.20 Essas lesões apresentam hiperplasia e alterações nucleares de tipo coilocitose, característica da infecção viral, mas não apresentam displasia (atipias) do epitélio. As lesões não displásicas são em cerca de 90% associadas à presença do HPV de baixo risco (6 e 11). A maior parte desses casos não tem indicação de biópsia e por isso não passa pelas mãos do patologista. A biópsia é indicada em casos que apresentem dúvidas quanto à presença de displasia ou de outro diagnóstico diferencial. Também não há indicação para estudo e fenotipagem do HPV, dado não acrescentar nada ao prognóstico ou terapêutica na grande maioria dos casos. Quando houver, por algum motivo especial, necessidade de tipagem do HPV, a coleta deve ser feita com escovilhão diretamente sobre a lesão e armazenada em solução de meio líquido citológico (o mesmo usado no rastreio ginecológico). Esse método é preferencial à biópsia para feitura de PCR.21
De acordo com o LAST, essas lesões estão incluídas no grupo de lesões de baixo grau, que tem um espectro morfológico que vai desde a verruga viral até a displasia de baixo grau, inclusive o condiloma acuminado. Segundo esse consenso, todas essas lesões são histologicamente denominadas como “lesão escamosa intraepitelial de baixo grau. Essa denominação nem sempre é respeitada, por questão de hábito ou de entendimento, por isso ainda se podem encontrar comumente relatórios com o diagnóstico histológico de condiloma ou verruga viral, especialmente em lesões fora do colo uterino.1.
No estudo das biópsias podem‐se usar, além da hematoxilina‐eosina (HE), alguns marcadores imuno‐histoquímicos, como o p16 e o Ki‐67, indicados como auxiliares para lesões de difícil definição morfológica entre displasia de alto grau e alterações não displásicas.22
ConclusãoNa observação e diagnóstico do homem com verrugas anogenitais recomenda‐se observar a região anogenital externa sob boa iluminação e a classificação das verrugas do ponto de vista morfológico. A meatoscopia está indicada se houver dificuldade na completa visualização das verrugas intrameáticas e deve‐se ponderar uretroscopia em casos de verrugas mais proximais.
Na avaliação diagnóstica, a tipagem do HPV das verrugas genitais não está recomendada, tal como não está qualquer teste HPV para o homem, quer em rastreio quer em diagnóstico, dada a ausência de benefício na orientação clínica subsequente.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para essa investigação não se fizeram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.