A prevenção da infecção e das doenças associadas ao HPV é um importante tema de saúde pública devido à sua crescente incidência. A prevenção primária é aquela que evita a infecção inicial e é a mais relevante no sexo masculino, pode incluir o uso rotineiro do preservativo, a circuncisão e a vacinação. A prevenção primária através da vacinação é eficaz na diminuição das lesões associadas à infecção pelo HPV em mulheres até 45 anos e os dados existentes para o homem provêm maioritariamente da experiência observada no sexo feminino. Apesar de ser a única vacina que poderá prevenir certos tipos de neoplasias, a taxa de vacinação no homem mantém-se reduzida em todo o mundo devido à informação insuficiente relativamente à eficácia e segurança, falta de recomendação pelo médico assistente, custo associado e preocupação que possa encorajar a promiscuidade sexual.
The prevention of HPV-related diseases is an important healthcare issue due to its increasing incidence. Primary prevention is most important in males as it avoids initial infection and includes the use of condom, circumcision and vaccination. Primary prevention with vaccination is effective in decreasing HPV-related lesions in women up to 45 years old and the existing data for men comes from the experience from vaccinating women. Although it is the only vaccine that prevents cancer, the worldwide rates of vaccination in males is very low due to lack of information related to efficacy and side effects, lack of recommendation from the treating doctor, price and concern about encouragement of sexual promiscuity.
A prevenção da infecção e a das doenças associadas ao HPV representa uma temática importante que atende à sua crescente incidência. As estratégias de prevenção primária e secundária aplicadas ao cancro colo do útero, que é a neoplasia com a relação mais bem estabelecida com o HPV, têm demonstrado ser eficazes para diminuir a incidência desse cancro. Contudo, a sua aplicação no sexo masculino enfrenta alguns obstáculos e, por isso, o desenvolvimento de novas estratégias especificamente dedicadas a essa doença no homem são necessárias.
Material e métodosRevisão bibliográfica e elaboração multidisciplinar do documento de consenso na prevenção do HPV masculino dentro do grupo de trabalho. Após a estruturação do documento procedeu-se à apresentação pública no XVI Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Andrologia, Medicina Sexual e Reprodução em 3 de junho de 2018 na cidade do Porto. Após reestruturação foi colocado o documento para discussão pública no site www.spandrologia.pt até a reunião exclusivamente dedicada e reunião de consensos com painel de peritos.
Prevenção primáriaA prevenção primária é aquela que evita a infecção inicial, reduz a incidência da doença. A vacinação contra o HPV enquadra-se nessa estratégia e tem-se mostrado eficaz na redução de infeções anogenitais e lesões pré-malignas cervicais e anais, com estudos feitos maioritariamente na população feminina. No entanto, a cobertura vacinal permanece insuficiente de uma forma global; o sexo masculino não é geralmente elegível e os protocolos de vacinação contra o cancro do colo do útero poderão não se adequar às doenças associadas ao HPV no homem.
Prevenção secundáriaEsse tipo de prevenção visa a detectar e tratar precocemente a doença através do rastreio de indivíduos assintomáticos. A citologia do colo do útero é o padrão de prevenção secundária em relação à infecção por HPV, é exclusiva do sexo feminino. O rastreio pela citologia e pelo teste molecular tem algumas limitações quando aplicadas ao homem, notadamente em relação ao cancro do pénis, cancro da orofaringe e anal. A análise serológica poderá ser uma ferramenta útil e não invasiva, a carecer de mais investigação.
Nesse domínio da prevenção secundária, a população alvo deverá incluir homens com 55 a 65 anos, com elevado número de parceiros sexuais, ou parceiros de doentes com neoplasias relacionadas com HPV.
Prevenção terciáriaO objetivo da prevenção terciária é evitar a recorrência do cancro. Nesse contexto, no seguimento após tratamento, os métodos mais promissores parecem ser a detecção na saliva do DNA HPV-AR (cancro da orofaringe) e no sangue de DNA HPV-AR e serologia HPV 16 e 18 (qualquer cancro relacionado com o HPV).
Em resumo, a vacinação contra o HPV deve ser recomendada e expandida como método de prevenção primária, contudo serão necessárias várias décadas para atingir uma cobertura global. Daí que esforços devam ser feitos para desenvolver medidas de prevenção secundária e terciária eficientes.
Uso de preservativo e HPVExistem duas formas principais de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST):
- 1.
Quando secreções uretrais ou vaginais infetadas contatam superfícies mucosas, como a uretra masculina, a vagina ou o colo do útero (e.g.: HIV, gonorreia, clamídia e tricomoníase);
- 2.
Através do contato com a pele infetada ou superfícies mucosas (e.g.: HPV, herpes genital, sífilis, cancroide)1.
O uso consistente e correto de preservativos masculinos de látex pode reduzir (embora não eliminar) o risco de transmissão de IST. Para obter o máximo efeito protetor, os preservativos devem ser usados de forma sistemática e adequada. O uso inconsistente pode levar à aquisição de IST, uma vez que a transmissão pode ocorrer num único contato sexual com um parceiro infectado. Da mesma forma, se os preservativos não são usados corretamente, o efeito protetor pode diminuir mesmo quando eles são usados de forma consistente2.
As formas mais eficazes de evitar a transmissão de IST são a abstinência sexual ou um relacionamento mutuamente monogâmico em longo prazo com um parceiro não infectado. No entanto, muitas pessoas infectadas podem desconhecer o seu estado, pois as IST são frequentemente assintomáticas ou não reconhecidas.
RacionalOs preservativos de látex proporcionam uma barreira essencialmente impermeável às partículas do tamanho dos agentes patogênicos das IST3. A infecção pelo HPV pode ocorrer em áreas genitais masculinas ou femininas cobertas (protegidas pelo preservativo), bem como as áreas que não são4. A proteção depende do local da infecção, apenas previne a transmissão quando as lesões estão nas áreas genitais cobertas ou protegidas pelo preservativo. Além disso, erros de aplicação e problemas como a rotura, deslizamento ou aplicação tardia também são comuns5. Assim, espera-se que o uso consistente e correto de preservativos de látex proteja contra a transmissão de HPV em alguns casos, mas não em todos6.
ResultadosO uso do preservativo pode reduzir o risco de doenças associadas ao HPV, o qual deriva da prevenção primária parcial das infeções e da prevenção parcial das reinfeções. O seu uso tem sido associado a maiores taxas de regressão da neoplasia intraepitelial cervical (CIN) e clearance de infecção por HPV em mulheres7 e com regressão de lesões penianas associadas ao HPV em homens.
Nos homens, o risco de aquisição do HPV foi duas vezes menor entre aqueles sem parceiro sexual constante que sempre usaram preservativo, em comparação com os que nunca usaram preservativo. A probabilidade de clearance de uma infecção oncogênica do HPV foi 30% maior entre os homens não monogâmicos que sempre usaram preservativo, em comparação com homens que nunca usaram preservativo, quando ajustadas as variáveis para país, idade, etnia, educação, tabagismo, álcool e número de parceiros sexuais recentes2.
RecomendaçãoO uso de preservativo deve ser promovido para prevenir a infecção por HPV nos homens, especialmente em homens não monogâmicos. O seu papel preventivo nas relações monogâmicas é mais limitado, deve ser deixado ao critério do casal o seu uso rotineiro, exceto quando existem lesões visíveis ou quando essas estão a ser tratadas, para as quais está claramente recomendado o seu uso, dado o risco de transmissão de uma possível nova infecção.
Apesar de o uso de preservativo se associar a um menor risco de cancro do colo do útero, o seu uso não deve substituir o rastreio de rotina com citologia, nem deve ser um substituto para a vacinação contra o HPV entre os elegíveis para a vacina.
Circuncisão e HPVOs estudos são muito controversos nos efeitos da circuncisão como método preventivo da infecção por HPV. Quando feita em crianças e jovens, reduz significativamente o risco de contrair as duas infeções sexualmente transmissíveis mais comuns – o vírus herpes simplex tipo 2 (HSV-2) e o papilomavírus humano (HPV)8.
Os mecanismos biológicos para a redução das taxas de infecção HPV por meio da circuncisão podem envolver fatores anatômicos e celulares. A retração do prepúcio sobre o eixo durante a relação sexual expõe a mucosa prepucial interna aos fluidos vaginais e cervicais e também pode resultar em microrrupturas. A cavidade húmida também pode fornecer ambiente favorável para a sobrevivência do HPV e consequente infecção epitelial. Esse vírus reproduz-se nas células epiteliais da epiderme e da derme; por seu lado, a mucosa interna do prepúcio é levemente queratinizada, o que pode facilitar o acesso do HPV a células epiteliais subjacentes. Após a circuncisão e a queratinização, o risco de infecção epitelial é provavelmente mais reduzido9–11.
Existem outros estudos que não mostram diminuição da proteção contra HPV não invasivos, mas estão associados à redução da prevalência de HPV oncogênicos.
A circuncisão, como meio de depuração da infecção do HPV, pode ser um importante complemento à educação, ao uso do preservativo e à vacinação na redução da carga global de morbidade e mortalidade por esse vírus.
Em resumo, a circuncisão não está indicada como método preventivo para a infecção por HPV. Parece diminuir o risco de infecção, contudo existe uma grande controvérsia nos resultados dos estudos feitos (idade da circuncisão, método de detecção do HPV, metodologia usada e populações estudadas).
Vacinação HPV no sexo femininoA carcinogênese induzida pelo HPV tem sido estudada mais extensamente no colo do útero, é um processo multifatorial associado à infecção persistente pelo HPV de alto risco, com uma evolução relativamente lenta (15 a 25 anos, desde a infecção), proporciona oportunidades de intervenção na prevenção primária ou secundária.
A aprovação de vacinas contra os HPV 16 e 18, os quais são responsáveis por 70-75% dos casos de cancro invasivo do colo do útero, forneceu um meio eficaz de prevenção primária, possibilitou uma redução significativa desse problema de saúde pública, bem como redução no impacto emocional e os custos financeiros inerentes às lesões relacionadas com o HPV12. Os tipos 45, 31, 33, 52 e 58 são responsáveis por um acréscimo de 16-20% dos casos de carcinoma do colo do útero (CCU), os sete tipos em conjunto (16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58) são responsáveis por cerca de 90% dos casos de CCU, em nível mundial13.
A inclusão da vacina contra o HPV no Plano Nacional de Vacinação (PNV), em 2008, para todas as adolescentes com 13 anos, a vacinação por repescagem das jovens com 17 anos em 2009, 2010 e 2011 e a inclusão da vacina nonavalente no PNV em janeiro de 2017, para ser administrada às jovens a partir dos 10 anos, foram marcos importantes na prevenção de lesões associadas ao HPV.
Estão atualmente disponíveis três vacinas em Portugal. Todas as vacinas são geradas por tecnologia recombinante e compostas por partículas semelhantes aos vírus (virus like particles [VLPs]). As VLPs são produzidas com a clonagem do principal gene da cápside viral de diferentes genótipos de HPV e expressas em vetores (baculovírus no caso da vacina bivalente e leveduras nas vacinas quadrivalente e nonavalente). Essas VLPs têm grande semelhança com os vibriões do HPV, mas não contêm material genético, pelo que não são infeciosas, nem oncogênicas. Induzem níveis elevados de anticorpos neutralizantes quando administradas por via intramuscular. Além das VLPs, que estimulam a resposta dos anticorpos, as vacinas contêm adjuvantes que aumentam a imunogenicidade das VLPs, o que permite prolongar a imunidade com menor dose de antígeno e ter uma resposta imune 60-100 vezes superior à induzida pela infecção natural14.
O principal objetivo da vacinação consiste na prevenção em longo prazo do CCU. Em médio prazo, é a prevenção das neoplasias precursoras do CCU (CIN3 e AIS). Em curto prazo, é uma redução significativa dos resultados citológicos cervicais anômalos e respectivos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Os objetivos associados são a prevenção de outros cancros relacionados com o HPV, notadamente as neoplasias precursoras da vulva e vagina. Além disso, as vacinas quadrivalente e nonavalente oferecem também proteção contra as verrugas genitais, que se notará em curto prazo, e, provavelmente, para a papilomatose respiratória recorrente, causada pelos tipos 6 e 11 do HPV15.
As vacinas contra o HPV impedem a infecção pelos respetivos genótipos, mas não apresentam eficácia terapêutica, pelo que o potencial preventivo é maior quando aplicado a pessoas não expostas. Foi demonstrada proteção cruzada significativa contra os genótipos de HPV 31, 33 e 45 com a vacina bivalente e para o tipo HPV 31 com a vacina quadrivalente.
Para o desenvolvimento clínico das vacinas, as lesões de alto grau cervicais e anais foram aceitas por organismos internacionais reconhecidos (FDA, EMA e OMS) como as lesões verdadeiramente precursoras do carcinoma invasivo, foram aceitas como marcadores clínicos indiretos para a avaliação da eficácia da vacinação contra o cancro do colo do útero e cancro do ânus.
Os resultados dos ensaios clínicos de fase II e III com as vacinas bivalente e quadrivalente demonstraram elevada segurança, imunogenicidade e eficácia na prevenção de infeções por HPV e lesões pré-cancerígenas cervicais associadas, especialmente se administradas a adolescentes antes da sua primeira relação sexual e, portanto, antes da exposição ao vírus.
Ensaios clínicos com a vacina nonavalente apresentam elevada segurança, imunogenicidade e eficácia na prevenção de infecção e neoplasias cervicais relacionadas com os genótipos nela presentes e sugerem que essa tem um alto potencial para reduzir significativamente a carga da doença associada ao HPV16,17.
Apesar de as vacinas não terem demonstrado benefício terapêutico, revelaram eficácia em prevenir a reativação e reinfecção pelos genótipos nelas presentes. Nos ensaios clínicos em que foram avaliadas mulheres infectadas por um ou mais dos genótipos incluídos na vacina, na avaliação aos 3 anos, a eficácia foi de 100% na prevenção de CIN2+, para os restantes genótipos incluídos na vacina18. Foram também avaliadas as mulheres HPV DNA negativas e soropositivas que tinham tido infecção resolvida e verificou-se uma eficácia de 100% na proteção contra lesões de CIN e genitais externas associadas aos genótipos de HPV da vacina, o que sustenta a eficácia da vacina na prevenção da reinfecção ou reativação pelo mesmo genótipo de HPV. Esses resultados fundamentam a validade da vacinação nas mulheres sexualmente ativas19.
Os condilomas anogenitais são das infecções sexualmente transmissíveis mais frequentes em nível mundial – 90% estão relacionados com o HPV 6 e 11, embora estejam associados a múltiplos genótipos, inclusive alguns de alto risco. De acordo com o estudo Hercoles, a vacinação contra o HPV 6, 11 e 16 tem um papel importante na prevenção dos condilomas anogenitais em mulheres e homens20.
A vacinação com vacinas que contenha genótipos 6 e 11 (quadrivalente e nonavalente) é o método mais eficaz para a prevenção primária de condilomas acuminados, obtém-se a máxima eficácia se administradas antes do início da atividade sexual. Apesar das limitações, alguns estudos têm demonstrado que os programas de vacinação com a vacina quadrivalente têm o potencial de reduzir significativamente a incidência dessas lesões no sexo masculino21. Alguns modelos, com base em dados observados de ensaios clínicos e nos custos associados ao diagnóstico e tratamento de condilomas para os sistemas de saúde, preveem que a vacina é custo-efetiva, também nesse ponto22.
Múltiplos estudos pós-comercialização das vacinas, em países que implantaram programas de imunização sistemática com alta taxa de cobertura, sugerem uma efetividade muito elevada no nível da população, com reduções de mais de 80% na prevalência de infecção pelos genótipos presentes nas vacinas, bem como na incidência de verrugas genitais e lesões cervicais de alto grau23–25.
Em Portugal, a cobertura vacinal é exemplar em nível internacional. Aos 10 anos, é administrada a vacina nonavalente, apenas a moças, mantém-se o esquema das duas doses (0, 6 meses). Até abril de 2018, as moças que tinham iniciado a vacinação com a vacina quadrivalente completaram o esquema com essa vacina; a partir de então, apenas estão disponíveis no nosso país as vacinas bivalente e nonavalente, por isso atualmente a Gardasil 9® é a única vacina que consta do Programa Nacional de Vacinação.
É de referir que, desde a sua introdução, têm-se verificado valores de cobertura vacinal superiores a 85% (mesmo para a terceira dose do esquema vacinal) e, embora ainda não existam estudos sobre a efetividade da vacina, será expectável uma redução significativa na incidência de infecção pelos quatro tipos de HPV vacinais e de condilomas genitais associados aos tipos 6 e 11.
Os indivíduos a quem foi previamente administrada a vacina quadrivalente, com qualquer número de doses, inclusive o esquema recomendado de três doses, podem receber três doses de Gardasil 9®26. Segundo as recomendações do CDC, em moças que iniciaram esquema de vacinação com a vacina bivalente ou quadrivalente o esquema pode ser terminado com a vacina nonavalente sem que haja evidência de proteção adicional. A vacina nonavalente também pode ser administrada em mulheres previamente vacinadas, desde que respeitado o intervalo de 12 meses após a última dose, é bem tolerada e altamente imunogênica nesses casos27. Essa proteção adicional é benéfica apenas nas mulheres28.
A análise combinada do perfil de segurança da vacina nonavalente incluiu sete estudos de fase 3, num total de 12.583 moças e 3.193 rapazes dos 9 aos 26 anos15,29–33. Concluiu-se que a vacina foi bem tolerada, que tem um perfil de efeitos adversos semelhante ao da vacina quadrivalente, os mais comuns são no local da injeção e mais frequentes do que com a vacina quadrivalente. A incidência de efeitos adversos não variou com a idade (9-15 anos versus 16-26 anos), mas foi mais frequente nas moças do que nos rapazes.
Mulheres não vacinadas no PNVTanto a vacina bivalente como a quadrivalente demonstraram elevada eficácia na prevenção de lesões pré-cancerosas provocadas pelos tipos vacinais em mulheres com mais de 26 anos, com imunogenicidade e eficácia mantidas, por tempo indeterminado e elevado perfil de segurança e tolerabilidade34–37. É esperada a sua eficácia para os quatro tipos originais em mulheres dos 26 aos 45 anos, a base é a eficácia da vacina quadrivalente em mulheres nessa faixa etária38–40.
Em síntese, verifica-se que mulheres com idade superior a 26 anos se beneficiam da vacinação profilática, pois mantêm um risco significativo de novas infeções, reativações ou reinfeções por HPV, numa faixa etária em que o risco de persistência é superior.
Vacinação HPV no sexo masculinoA prevenção primária através da vacinação tem provado ser altamente eficaz na diminuição das lesões associadas à infecção pelo HPV em mulheres até aos 45 anos e os dados existentes para o sexo masculino provêm majoritariamente da experiência observada no sexo feminino. Apesar disso, alguns ensaios clínicos têm demonstrado que a vacinação é eficaz na prevenção de lesões externas genitais (condilomas anogenitais e lesões penianas e perineais) nos homens entre os 16 e os 26 anos em mais de 90%41, o que levou a Food and Drug Administration (FDA) a aprovar em outubro de 2009 a extensão da indicação da vacina quadrivalente para homens até os 26 anos42.
Adicionalmente, os resultados da eficácia relacionada com a prevenção do cancro anal e dos condilomas anogenitais nos homens dessa idade foram considerados pela European Medicines Agency (EMA) e resultaram na extensão da indicação da vacina quadrivalente na Europa para homens entre os 9 e os 26 anos. A 25 de outubro de 2011, o Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) recomendou que todos os rapazes de 11 e 12 anos sejam vacinados contra o HPV com a vacina tetravalente43 e mais recentemente, em dezembro de 2015, ocorreu a aprovação nos EUA e na Europa da vacina nonavalente para uso em ambos os sexos até os 26 anos. Já no fim de 2018, mais precisamente em 5 de outubro, a FDA aprova a extensão do uso da vacina Gardasil 9®, ao incluir mulheres e homens dos 27 aos 45 anos.
Apesar de a vacina do HPV ser a única que poderá prevenir certos tipos de neoplasias, a taxa de vacinação mantém-se reduzida em todo o mundo comparativamente a outras vacinas recomendadas. Nos EUA, a taxa de cobertura na idade 13-17 anos é de 60% para o sexo feminino e de 42% para o sexo masculino, para a 1ª dose, e apenas 40% das moças e 22% dos rapazes completaram as doses recomendadas44. As razões invocadas pelos pais para não vacinar os seus filhos incluem informação insuficiente relativamente à segurança e eficácia, falta de recomendação pelo médico assistente, reduzida familiaridade sobre a frequência da dose e ainda esquecimento da 2ª e 3ª doses, custo associado e preocupação que a vacina do HPV possa encorajar a promiscuidade sexual45.
Está demonstrado também que os pais de adolescentes do sexo masculino têm níveis elevados de aceitação da vacinação na sua globalidade, mas reduzidos níveis de conhecimento sobre a infecção pelo HPV e da disponibilidade da vacinação para os homens, além da baixa intenção de vacinar os seus filhos. Contudo, apesar da limitada compreensão das doenças associadas a essa infecção no sexo masculino, a maioria dos pais vacinaria os seus filhos se a vacinação fosse recomendada pelo médico. E quando perguntados acerca do local e tipo de visita médica, pais e filhos sentir-se-iam mais confortáveis se a vacinação fosse feita nos cuidados de saúde primários durante uma consulta breve com um profissional de enfermagem, ou no ambiente escolar, quando administrada com outras vacinas46.
Como já referido, existem atualmente três vacinas para o HPV aprovadas pela FDA para uso nos EUA e aprovadas igualmente na Europa: Cervarix®, Gardasil® e Gardasil 9®. Todas as três protegem contra os sorotipos de alto risco tipo 16 e 18, que são responsáveis por quase todos os tipos de cancro causados pelo HPV. A vacina bivalente Cervarix® permite proteção contra os tipos 16 e 18 e está aprovada para uso no sexo feminino entre os 9 e os 25 anos para prevenção do cancro cervical causado pelo vírus. Gardasil® é a vacina quadrivalente que adiciona cobertura para os tipos 6 e 11, que são a causa mais comum de condilomas genitais. A vacina mais recente é a Gardasil 9®, que protege contra nove tipos de HPV: os quatro presentes na vacina Gardasil® e ainda os tipos 31, 33, 45, 52 e 58. Essas duas vacinas estão aprovadas para uso em homens e mulheres entre os 9 e os 26 anos, para proteção contra os cancros associados ao HPV e contra os condilomas genitais. Todas as vacinas permitem uma forte proteção contra as novas infeções pelo HPV, mas não são eficazes em tratar infeções ativas ou as doenças causadas pelo vírus.
Apesar de vários países terem licenciado essas vacinas, a introdução nos programas de imunização difere de país para país e algumas vacinas apenas estão disponíveis numa base de pagamento individual, o que torna essa situação dependente dos pais dos adolescentes, o que tem contribuído para uma distribuição escassa e desigual. Para um maior impacto da vacinação, o objetivo é vacinar moças antes do início da atividade sexual e conseguir uma elevada cobertura na população-alvo. É na realidade a situação mais frequentemente encontrada quando existe a política de incluir essa vacina no plano nacional de vacinação. Alguns países, no entanto, implantaram programas de resgate para moças com mais idade ou vacinação para adolescentes do sexo masculino para que desse modo se aumente a cobertura da população e se consiga melhorar a imunidade de grupo.
Esse último aspecto é interessante considerar, embora existam poucos dados disponíveis sobre o efeito da vacinação no sexo oposto. Estudos observacionais na Austrália, obtidos de programas de vacinação na mulher e onde a taxa de cobertura é elevada, demonstraram que a vacinação induz alguma imunidade de grupo, isto é, existe uma redução parcial da ocorrência das lesões anogenitais nos homens heterossexuais comparativamente às mulheres vacinadas, que foi de 17%21. No entanto, essa redução não foi observada em homens homossexuais, o que também sugere o efeito de imunidade de grupo. Em outras palavras, a vacinação confere uma proteção indireta na população não vacinada como resultado da redução no total de número de pessoas infetadas, que por sua vez diminui o número de contatos potencialmente infeciosos.
De forma global, a vacinação HPV tem um bom perfil de segurança e o verdadeiro impacto na redução das taxas de neoplasias ainda está por determinar. Esse aspecto deve-se ao fato de a infecção HPV não ser de notificação obrigatória, assim como também não serem as manifestações clínicas associadas, na maioria dos países, daí a necessidade de existirem sistemas de vigilância individuais para avaliar a eficácia da vacinação. Além disso, como o período desde a infecção até as manifestações clínicas difere, pode ir de semanas a meses (condilomas genitais) até vários anos (lesões pré-malignas) ou décadas (cancro), o impacto da vacinação em cada doença varia igualmente. Consequentemente, após os 10 anos desde a introdução das vacinas bivalente e quadrivalente, a avaliação desse impacto tem sido determinada através de estudos observacionais individuais de países com elevada cobertura vacinal. Monitorar esse impacto é difícil, particularmente quando endpoints como a presença de lesões pré-malignas requererem um programa de rastreio consistente, não serem de notificação obrigatória e terem um período longo entre a infecção e o desenvolvimento de doenças, particularmente as neoplásicas, que geralmente ocorrem décadas após infecção persistente por um sorotipo de alto risco.
Em Portugal, como já referido, a vacina contra o HPV faz parte do Plano Nacional de Vacinação e, em 2019, é administrada a vacina nonavalente em duas doses (aos 0 e 6 meses) a moças com 10 anos como medida profilática do carcinoma do colo do útero, motivo pelo qual a cobertura vacinal nessa população tende a ser muito elevada. Contrariamente a outros países, como os EUA ou França, em que a percentagem de moças vacinadas é reduzida, em Portugal a cobertura da vacinação nas moças contra o HPV é suficientemente alta para que uma análise superficial possa julgar que a implantação da vacinação nos rapazes possa não resultar em benefícios adicionais que justifiquem os custos acrescidos dessa intervenção.
Isso porque, do ponto de vista econômico, os estudos de custo-efetividade da vacinação contra o HPV nos rapazes têm demonstrado que essa está fortemente ligada à cobertura vacinal das moças47. Quanto maior for o número de moças vacinadas, maiores são os custos adicionais da vacinação dos rapazes face aos benefícios adicionais gerados. Embora não existam até ao momento estudos de avaliação econômica relativamente à vacinação contra o HPV no sexo masculino em Portugal, essa é a sugestão de estudos semelhantes feitos noutros países. Modelos matemáticos teóricos indicam que a vacinação no homem se torna custo-eficaz na presença de uma reduzida taxa de cobertura vacinal na mulher48, enquanto outros advogam ser mais custo-eficaz vacinar os homens em áreas em que é difícil alcançar uma elevada cobertura vacinal feminina.
Portanto, uma vez que a infecção por HPV é de transmissão sexual, qualquer intervenção como prevenção primária num parceiro terá um efeito positivo em termos de redução das doenças associadas a essa infecção no outro parceiro. Apesar disso, a imunidade de grupo proveniente da vacinação no sexo feminino será insuficiente para erradicar a infecção pelo HPV. Por outro lado, uma campanha de vacinação num dos sexos apenas poderá aumentar a pressão psicológica nas mulheres e essa desigualdade sexual poderá levar a uma carga adicional nos cuidados de saúde. Como se trata de uma infecção com manifestações clínicas que afetam tanto o homem como a mulher, a justiça social tem de ser considerada, uma vez que a vacinação tem benefícios individuais em ambos os sexos. Existe ainda a preocupação dos homens homossexuais, os quais não têm qualquer benefício da vacinação exclusiva das mulheres e para os quais essa vacina consiste claramente numa prevenção de possíveis doenças futuras.
Por fim, no nosso país, a Comissão de Vacinas da Sociedade de Infecciologia Pediátrica e da Sociedade Portuguesa de Pediatria emitiram recentemente, no decorrer de 2018, a recomendação da administração da vacina Gardasil 9®, a título individual, aos adolescentes do gênero masculino como forma de prevenir as lesões associadas ao HPV49.
ConclusãoNa prevenção da infecção e de doenças associadas ao HPV recomenda-se o uso rotineiro do preservativo, especialmente em homens não monogâmicos, e a vacinação. O papel da circuncisão como método preventivo é mais controverso, não está recomendado por rotina.
A implantação da vacina do HPV nos programas de saúde pública tem resultado numa diminuição relevante da prevalência das infeções por esse vírus, assim como na incidência das doenças associadas ao HPV nos países que a introduziram. A vacinação nos homens com a vacina quadrivalente e nonavalente parece ser tão eficaz como nas mulheres, reduz as doenças associadas a essa infecção na ordem dos 90%.
A administração dessas vacinas deverá ser feita idealmente antes do início da atividade sexual tanto na mulher como no homem, para ter o maior impacto, apesar da imunidade de grupo ou comunitária contribuir para a eficácia da vacinação. Será necessário mais tempo de observação para determinar o efeito nas taxas de diminuição das neoplasias associadas, devido ao longo período necessário para esses carcinomas se desenvolverem após a infecção.
O desafio associado a essa vacinação é assegurar que todos os jovens, independentemente de sexo, estado social, geografia, orientação sexual e estado de saúde, são elegíveis e possam ter acesso a essa vacina. Por isso, vacinação do HPV deve ser encarada como uma vacina de rotina que é administrada nos rapazes a partir dos 11-12 anos.
Essa recomendação é independente dos aspetos relacionados com políticas de saúde e sustentabilidade econômica, para as quais deverão ser feitos estudos dirigidos e que estão fora do âmbito desta análise.
Para aumentar a taxa de adesão é importante que essa vacina seja administrada simultaneamente a outras vacinas que estão rotineiramente recomendadas nessa idade e que lhe seja dada a mesma importância. A atitude tanto dos pais como dos clínicos relativamente à vacinação do HPV no sexo masculino é crucial na aceitação e no uso dessa vacina, pelo que se deverão desenvolver estratégias nessas duas populações para aumentar a taxa de adesão.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.