A relação entre géneros tem condicionado a expressão da sexualidade ao longo das diversas épocas históricas.
ObjetivoA presente investigação visa analisar a evolução do fenómeno de duplo padrão sexual e relacioná-lo com o conceito de satisfação sexual, no que concerne ao caso português.
Material e métodosForam comparados 2 grupos do sexo masculino, com homens dos 20-30 anos e dos 40-50 anos, avaliando-se a possibilidade de um «efeito de geração» na transmissão de padrões sexuais.
ResultadosContrariamente ao esperado, a satisfação sexual não estava relacionada com a defesa pessoal do duplo padrão sexual nem houve abandono do duplo padrão sexual em favor de um padrão mais igualitário.
DiscussãoEmbora ambos os grupos etários reconheçam a existência social do duplo padrão sexual, os homens mais jovens revelam estar mais apegados ao duplo padrão sexual relativamente aos homens mais velhos.
ConclusõesTais resultados podem ser vistos à luz dum certo receio masculino acerca da emancipação da mulher e também de uma certa necessidade de normatividade social. Por fim, são apontadas algumas sugestões para a intervenção clínica, considerando os resultados obtidos.
The relationship between both genders has conditioned different ways concerning the expression of sexuality.
ObjectiveThis investigation analysed the evolution of the sexual double standard and its relations with sexual satisfaction, concerning the Portuguese context.
Material and methodsTo do so, 2 different male samples were compared: one aged from 20-30 years and the other aged from 40-50 years, considering the possibility of a certain “transgenerational effect” in transmitting sexual standards.
ResultsThe results show that sexual satisfaction is not correlated with personal acceptance of the sexual double standard, and that we are not abandoning the sexual double standard in order to establish a more egalitarian one.
DiscussionAlthough both groups recognise the social pervasiveness of the sexual double standard, younger men are more attached to the sexual double standard when compared to older ones.
ConclusionsSuch results can be seen in a way of a certain “masculine fear” about women's emancipation, and the need for a social adequateness. At the end, some suggestions are made considering the results.
O filósofo francês Michel Foucault1 dizia que o sexo estava em função da sociedade a tal ponto que seria utilizado como um instrumento de poder. Nas suas palavras, «o sexo não é aquilo de que o poder tem medo, mas aquilo de que se serve para o seu exercício». Assim, a sexualidade, bem como os ditames a ela associados, serão mais do que um mero determinismo biológico, um produto da cultura em função da época a que reportam: o dimorfismo entre sexos será, pois, corroborado em função de estruturas culturais.
Nesta linha, poderemos pensar que ao longo dos diversos períodos históricos e também devido a influências de vária ordem (entre as quais a própria Igreja Católica) se foram produzindo acontecimentos que, direta ou indiretamente contribuíram para a consolidação das diferenças de género e levaram à construção de um duplo padrão sexual, conceito criado em 1964 por Reiss2 para se referir a um conjunto de normas sociais que determinam a prática de comportamentos sexuais diferenciados para cada um dos géneros, sendo que aos homens seria concedida uma maior liberdade sexual relativamente às mulheres. Em termos históricos, podemos verificar que, anteriormente à liberalização das atitudes e comportamentos sexuais ocorridos a partir dos anos 60 (em especial com a emancipação feminina através do maio de 1968 em França), predominava nas sociedades ocidentais um duplo padrão sexual clássico, ou seja, era concedida muito maior liberdade sexual ao homem relativamente à mulher, a quem não era permitido ter relações sexuais antes do casamento e muito menos fora dele. Assim, apenas no caso do homem era permitido (e até encorajado) cunhar as suas experiências afetivas dum carácter sexual, ao passo que, para a mulher, tal procedimento acarretava a vergonha e a culpabilização por parte da sociedade. Relativamente a Portugal, com a chegada dos ecos do maio de 68 francês a território nacional, a que se somou o descontentamento civil e militar pela política colonialista e autoritária do Estado Novo, foram criadas as condições para uma «revolução sexual» interna – só a partir do 25 de abril de 1974 é que a liberalização da sexualidade adquiriu uma visibilidade significativa no nosso país, segundo Vilar3.
A partir da década de 60, diversos estudos têm-se debruçado sobre a questão do duplo padrão sexual e chegado a conclusões muito díspares; ao passo que algumas investigações têm mostrado que o duplo padrão sexual tem vindo a perder força nas sociedades atuais (ver Gentry e College4), noutras os dados empíricos recolhidos continuam a sugerir a permanência do duplo padrão sexual, pelo menos na sua forma condicional, ou seja, às mulheres é permitido o envolvimento sexual pré-marital desde que o façam numa atmosfera de compromisso emocional (a este propósito, ver Alferes5). Noutras, ainda, alguma controvérsia tem surgido no que diz respeito à presença, sequer, de algum tipo de duplo padrão na sociedade atual sugerindo-se, ao invés disso, que os comportamentos sexuais de ambos os géneros tendem a convergir para aquilo a que se chamou de padrão sexual singular, onde é concedida a mesma liberdade sexual a ambos os géneros.
No entender de Milhausen e Herold6,7, o conceito de duplo padrão sexual deve, no sentido de ser mais amplamente compreendido e melhor estudado, ser concebido de uma forma multidimensional e não monolítica. Assim, o duplo padrão sexual comporta 2 dimensões distintas: uma relacionada com a perceção social (o modo como a pessoa crê que a sociedade pensa face à existência ou não dum duplo padrão sexual) e outra ligada à aceitação pessoal (o modo como a pessoa pensa acerca da existência ou não dum duplo padrão sexual). Tais autores defendem, com base numa possível contradição entre a perceção social e o julgamento pessoal da existência do duplo padrão sexual, o estudo concomitante destas 2 dimensões no mesmo indivíduo. Uma outra questão prende-se com um eventual carácter de transmissibilidade de padrões sexuais entre gerações, tal como é defendido por autores como Capellà8.
Muito embora não exista grande consenso no que diz respeito à definição e operacionalização do conceito de «satisfação sexual», esta poderia definir-se, segundo Byers et al.9, como «uma resposta afetiva que surge pela avaliação dos aspetos positivos e negativos associados às próprias relações sexuais». Pegando nesta definição, Parish et al.10 assinalaram alguns fatores fundamentais para a satisfação sexual: primeiramente, as práticas e comportamentos sexuais (um maior reportório de técnicas e comportamentos sexuais, assim como um maior envolvimento em atividades sexuais sem coito, são preditores de maior satisfação sexual); segundo, os aspetos socioemocionais da relação com o parceiro (a satisfação estaria positivamente correlacionada com o desejo sexual, a satisfação global com o parceiro e o bem-estar marital); terceiro, conhecimentos, atitudes e valores em relação à sexualidade (fortes valores religiosos, atitudes sexuais conservadoras, baixos conhecimentos acerca da sexualidade e pouca assertividade sexual estariam ligados a uma baixa satisfação sexual); em quarto lugar, a saúde e vitalidade físicas (na medida em que doenças como a depressão, patologias coronárias, saúde física precária ou pouca vitalidade estariam ligadas a uma menor satisfação sexual); por último, barreiras ambientais (como a falta de intimidade, também causadora de uma menor satisfação sexual). A dimensão «satisfação sexual» tem sido fonte de inúmeras confusões e equívocos na área da sexologia, isto porque uma avaliação objetiva da sexualidade humana é extraordinariamente difícil, uma vez que se trata de um fenómeno altamente idiossincrático estando, por isso, pejado de inúmeros aspetos e significados individuais, que só muito dificilmente podem ser acedidos e mensurados de um ponto de vista científico. Não obstante esta ideia, a satisfação sexual continua a ser vista com profundo interesse, a tal ponto que será o fator psicológico que mais tem sido avaliado na área das disfunções sexuais, de acordo com Davis e Petretic-Jackson11.
ObjetivosCom o presente estudo pretende-se averiguar a evolução do conceito de duplo padrão sexual e sua eventual expressão dum ponto de vista masculino (através de 2 grupos de homens com idades distintas), e também o grau de satisfação sexual percebido por cada um dos grupos. Assim, o presente estudo propõe-se testar se o grau de satisfação sexual dos homens que advogam pessoalmente a existência do duplo padrão sexual será significativamente inferior ao grau de satisfação dos homens que não o advogam pessoalmente e também se o grupo de homens dos 20-30 anos revelará uma adesão pessoal ao duplo padrão sexual significativamente menor, comparativamente com o grupo de homens dos 40-50 anos.
Material e métodosParticipantesA amostra ficou constituída exclusivamente por indivíduos do sexo masculino provenientes da zona da Grande Lisboa. Assim, constituíram-se 2 grupos distintos, de dimensões sensivelmente idênticas, num total de 262 participantes. O Grupo 1 foi composto por participantes situados na faixa etária dos 20-30 anos (n=132, M=23,88 anos, DP=2,4 anos). O Grupo 2 foi formado por participantes situados na faixa etária dos 40-50 anos (n=130, M=46,27 anos, DP=3,06 anos).
Os participantes foram selecionados com base nos seguintes critérios: serem do sexo masculino e terem entre 20-30 anos ou entre 40-50 anos (no sentido de se poder observar mais claramente a existência ou não de algum «efeito de geração»), bem como serem ou já terem sido sexualmente ativos (neste último caso era-lhes pedido que se reportassem às suas experiências passadas).
InstrumentosO Questionário de Avaliação do duplo padrão sexual (QADPS; Questionnaire for the Evaluation of Sexual Double Standard; Milhausen e Herold6) é um instrumento capaz de avaliar ambas as dimensões (pessoal e social) do duplo padrão sexual, simultaneamente. Numa primeira parte este questionário apresenta um conjunto de indicadores que se podem agrupar em diversas categorias sociodemográficas (idade, sexo, ano de escolaridade, com quem vive, onde reside, tipo de relação amorosa, orientação sexual e religião, bem como a frequência com que vai à igreja ou pratica atividades de carácter religioso). Depois, o questionário está organizado segundo 5 dimensões de avaliação do duplo padrão sexual. Dentro destas dimensões encontram-se 28 itens emparelhados, em que cada par de itens abordam o mesmo conteúdo temático – um dos itens dirige-se ao género masculino e o outro ao género feminino, de forma a que seja possível avaliar o efeito da variável género, ou seja, a atitude do participante relativamente a um determinado comportamento sexual desempenhado por ambos os géneros.
As respostas dos participantes aos itens das subescalas de tipo Likert distribuem-se por um continuum que vai de um extremo negativo (1) a um extremo positivo (5). O próximo passo a efetuar em termos dos procedimentos de cotação consiste no cálculo da diferença entre os pares de itens correspondentes, ou seja, pela subtração dos itens femininos pelos itens masculinos. O somatório dos resultados assim obtidos pela subtração de todos os itens emparelhados fornece-nos o resultado global obtido por cada participante: se o resultado final for superior a 0 indica que as respostas dadas vão no sentido de um duplo padrão sexual (maior liberdade sexual concedida ao homem por comparação com a mulher); se for igual a 0 indica que apontam para um padrão sexual singular (igual liberdade sexual concedida a homens e mulheres) e, por fim, se for inferior a 0 sugere que as respostas dadas vão no sentido de um padrão sexual invertido (maior liberdade sexual concedida à mulher por comparação com o homem). Neste trabalho, o QADPS obteve um alfa de Cronbach de 0,85, revelando uma boa consistência interna (inclusivamente, superior à obtida pelos autores do instrumento, situada em torno de 0,70), encontrando-se traduzido para a língua portuguesa por Leal et al.12.
O Índice de Satisfação Sexual (ISS; Index of Sexual Satisfaction; Hudson13,14; Hudson, Harrison e Crosscup15) é, segundo Pechorro16, uma escala de 25 itens que mede o grau ou magnitude da insatisfação sexual no contexto de um relacionamento diádico (de casal). Esta escala mede os sentimentos do indivíduo quanto a um número de comportamentos, atitudes, eventos, estados afetivos e preferências associadas ao relacionamento sexual entre parceiros. Os itens foram construídos de forma a não serem ofensivos nem excessivamente invasivos da privacidade do respondente. Cada um dos itens é cotado numa escala de frequência relativa (de tipo Likert) de 1 (nunca) a 7 (sempre). As pontuações obtidas vão de 0 a 100 pontos, indicando as pontuações mais altas maiores níveis de insatisfação sexual. O ISS tem um ponto de corte clínico recomendado de 30 pontos, sendo que as pontuações acima desse valor indicam uma insatisfação sexual relacional clinicamente significativa. Este instrumento foi desenvolvido a partir das respostas de 1.738 respondentes, incluindo homens, mulheres, solteiros e casados, provenientes de populações clínicas e não-clínicas, estudantes e não-estudantes, bem como níveis de ensino que iam do secundário ao universitário. Os respondentes, embora maioritariamente caucasianos, também incluíam um grupo menor de indivíduos pertencentes a outros grupos étnicos.
Em termos de propriedades psicométricas, o ISS obteve valores de precisão alfa de Cronbach muito aceitáveis ao ser aplicado a 3 amostras heterogéneas diferentes (sempre acima de 0,90), indicando uma boa consistência interna. A precisão teste-reteste ou estabilidade temporal com uma semana de intervalo foi considerada boa, com um valor de 0,93.
Em termos de validade, o ISS foi testado através de correlações interescalas que demonstraram que todos os itens exceto 4 obtinham valores considerados elevados (acima de 0,30); esses 4 itens foram, posteriormente, substituídos por outros mais adequados. O coeficiente de validade de grupos-conhecidos ou validade discriminante, determinado pela correlação bisserial por pontos, entre os grupos-critério (com problema sexual versus sem problema sexual) e as pontuações do ISS foi de 0,76, sendo considerado bom porque demonstra que o ISS se correlaciona fortemente com o critério com o qual é suposto estar relacionado (existência de um problema sexual). No que concerne à validade concorrente, o ISS obteve correlações moderadas a altas com outros instrumentos e, em termos de validade divergente, o ISS foi também testado com uma escala de atitudes sexuais, tendo obtido uma correlação baixa. Portanto, podemos considerar que o ISS tem uma boa validade de constructo, uma vez que apresenta uma correlação forte com as medidas com as quais se deveria correlacionar, e se correlaciona fracamente com as medidas com as quais não se deveria correlacionar. No presente estudo, o ISS obteve um alfa de Cronbach de 0,91, na linha dos autores originais e do procedimento de validação acima descrito (onde se obteve um alfa de Cronbach sempre superior a 0,90). O ISS encontra-se validado para as populações feminina e masculina portuguesas por Pechorro et al.17,18, tendo sido essa versão a utilizada no presente estudo.
Relativamente à inclusão de um questionário sociodemográfico, tal passo não se revelou necessário no presente estudo uma vez que o QADPS já inclui uma primeira parte com vista à recolha de informações dessa natureza.
ProcedimentosPreviamente à aplicação de ambos os instrumentos, procurou-se contactar os autores dos mesmos no sentido de obter autorização e aprovação para prosseguir o estudo nos moldes pretendidos. O Grupo 1 foi selecionado e observado no contexto duma instituição de ensino superior. Relativamente ao Grupo 2, as aplicações aconteceram em diversos locais de aplicação (habitualmente na residência dos participantes ou em locais onde fosse assegurada total privacidade) no sentido de esclarecer os objetivos da investigação, a confidencialidade e anonimato dos dados, e a possibilidade de recusa imediata em participar. Neste grupo existiram algumas recusas em participar na investigação, essencialmente devido ao facto dos conteúdos abordados remeterem para questões do foro íntimo.
Para o tratamento estatístico dos dados foi utilizada a versão 17 do programa SPSS para Windows (Statistical Package for Social Sciencies)©. Obtiveram-se dados de natureza descritiva, em especial as idades (tendo-se obtido a média para cada um dos grupos e o respetivo desvio-padrão), níveis de escolaridade, tipo de relação amorosa e orientação sexual dos participantes. No sentido de se averiguar a existência de diferenças significativas entre os grupos ao nível da satisfação sexual e sua relação com a aceitação pessoal do duplo padrão sexual, bem como o nível de adesão pessoal ao duplo padrão sexual de cada um dos grupos, utilizou-se um teste paramétrico de significância sobre a igualdade de valores médios (t-Student) para 2 amostras independentes, tendo-se considerado um nível de significância de p ≤0,05.
ResultadosA grande maioria dos participantes do Grupo 1 (88,6%) afirma viver com a família nuclear (pais, irmãos, tios e/ou avós). Em termos da relação amorosa atual, metade dos inquiridos afirma ter uma relação estável com uma pessoa e cerca de um quarto dos inquiridos afirma não ter nenhuma relação amorosa (26,5%). No que concerne à orientação religiosa, a maioria (mais de 60%) dizem-se católicos mas, curiosamente, nunca ou quase nunca vão à igreja ou praticam atividades de carácter religioso (em 68,1% dos casos).
No que ao Grupo 2 diz respeito, os participantes apresentam-se distribuídos de forma relativamente equilibrada pelos diversos níveis de escolarização considerados, desde o ensino básico até à frequência/conclusão do ensino superior. A grande maioria (quase 90%) vive com o cônjuge mantendo, portanto, um casamento ou união de facto. Mais de 85% dizem-se católicos, sendo que mais de 80% dos inquiridos deste grupo vai à igreja ou tem atividades religiosas com alguma regularidade.
Os resultados mostram que os valores médios obtidos no Índice de Satisfação Sexual dos grupos diferenciados com base na sua pontuação em termos da dimensão «Aceitação Pessoal do Duplo Padrão Sexual» não diferem significativamente (ver tabela 1).
No que à segunda hipótese diz respeito, através dum procedimento estatístico semelhante ao utilizado na primeira hipótese, os resultados obtidos foram estatisticamente significativos (ver tabela 2), mas no sentido de uma maior adesão pessoal ao duplo padrão sexual por parte do Grupo 1 (homens dos 20-30 anos).
DiscussãoO presente estudo procurou estudar a evolução transgeracional8 do fenómeno do duplo padrão sexual em território nacional e averiguar uma eventual relação deste com a insatisfação sexual. Foram, para tal, aventadas 2 hipóteses de estudo, sendo que estas não foram corroboradas pelos dados.
A primeira hipótese esperava encontrar uma relação entre a aceitação pessoal do duplo padrão sexual e o grau de insatisfação sexual, hipotetizando-se que um elevado grau de insatisfação sexual estaria ligado a uma aceitação pessoal do duplo padrão sexual. Ou seja, esperava-se que o valor médio obtido no ISS pelos homens com valor positivo na variável «Aceitação Pessoal do Duplo Padrão Sexual» fosse significativamente mais elevado relativamente aos homens com um valor nulo ou negativo na variável «Aceitação Pessoal do Duplo Padrão Sexual». Não foram encontradas diferenças significativas entre os valores médios de ambos os grupos em estudo, não tendo a primeira hipótese sido corroborada pelos dados.
Estes resultados vão no sentido de trabalhos anteriores, em que se sugere que existem diversos fatores implicados na satisfação sexual e não apenas as práticas, atitudes e valores face à sexualidade9, aspeto especialmente abordado nos instrumentos utilizados neste estudo. As componentes atitudinais face à sexualidade não expressam a totalidade do fenómeno – é preciso conceber a sexualidade, como dizia Foucault1, como um constructo histórico-cultural, expresso em função da época a que se reporta. De acordo com o procedimento de validação do ISS, constatou-se que as atitudes sexuais estarão fracamente correlacionadas com a satisfação sexual, o que ajuda a explicar o resultado obtido13. Assim, é possível que a satisfação sexual não decorra apenas das crenças face à sexualidade e seja também mediada por outro tipo de variáveis (possivelmente o nível de escolaridade, a proveniência geográfica, os hábitos de vida, as características económicas e sociais vigentes, questões ligadas à personalidade dos participantes, sua orientação sexual, entre outras).
Relativamente à segunda hipótese, esta admitia que o Grupo 1 (composto por homens dos 20-30 anos) revelaria uma adesão pessoal ao duplo padrão sexual significativamente menor face ao Grupo 2 (homens dos 40-50 anos). Ou seja, esperava-se que os valores médios da variável «Aceitação Pessoal do Duplo Padrão Sexual» diferissem significativamente conforme os grupos (com o Grupo 1 a apresentar um valor médio de «Aceitação Pessoal do Duplo Padrão Sexual» significativamente mais baixo do que o Grupo 2). Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, mas no sentido inverso ao esperado, com o Grupo 1 a revelar um maior apego ao duplo padrão sexual face ao Grupo 2.
De acordo com Marks19, o próprio «efeito de grupo» poderá ter levado ao surgimento de um duplo padrão sexual no Grupo 1 (dos 20-30 anos), ao contrário daquilo que era esperado – as pessoas exibem o duplo padrão sexual em público, mas não o farão em privado, onde não existirá esse efeito «normalizador» causado pela experiência de grupo – a interação social tenderá a salientar as normas sociais e a sua importância, pelo que o duplo padrão sexual terá então emergido fortemente no Grupo 1, mas não tanto no Grupo 2, levando à não corroboração da segunda hipótese: numa fase do desenvolvimento em que os jovens adultos procuram afirmar-se (quase como se ainda fossem adolescentes), uma aplicação coletiva poderá ter contribuído, ironicamente, para uma forma mais «social» e menos individualizada de pensar, mais de acordo com as diretrizes sociais e «expectáveis» para aquele grupo. O comportamento mais «normal» tenderá a ser, assim, avaliado de forma mais positiva, segundo Vanwesenbeeck20. Assim, em condições de aplicação grupais estandardizadas numa sala, é possível que o duplo padrão sexual tenha emergido mais por um efeito de «desejabilidade social» do que pelo julgamento isento e sincero dos participantes.
O facto de não ter surgido um duplo padrão sexual tão pronunciado no Grupo 2 poderá dever-se também ao facto da sexualidade da meia-idade ser mais, por assim dizer, «um saber de experiência feito», e é bem possível que os homens (e casais) mais maduros estejam mais despertos para uma vertente mais emocional, mais partilhada e menos estritamente física da sexualidade, podendo disfrutar mais aberta e descontraidamente do sexo, longe de dogmas sociais que pregam a «perfeição» e a exigência sexuais sobre os ombros do macho, efeito esse que será mais sentido por parte dos jovens adultos (o caso do Grupo 1). As próprias mulheres poderão, desde logo, estar a «assustar» os novos homens com as suas crescentes exigências e reivindicações por «melhor sexo», na linha daquilo que se definiu, para Sanchez et al.21, como uma «motivação de intimidade», contrastante com uma «motivação de aprovação (por parte do parceiro)». Isto poderá levar os homens a «refugiarem-se» em regras feitas porque mais protetoras e confortáveis para eles, levando-os a manterem-se defensores do duplo padrão sexual não apenas ao nível social como também (e especialmente os mais jovens) ao nível pessoal.
Encontraram-se também indícios dum certo grau de transmissibilidade dos padrões sexuais de geração em geração8, para além duma defesa mais acirrada de padrões sexuais conservadores por parte do grupo mais jovem, contrariamente ao que seria de esperar. As hipóteses não foram, assim, corroboradas pelos dados.
É muito possível, também, que as limitações da presente investigação possam ter tido o seu contributo – falta compreender a eventual interferência de algumas variáveis moderadoras (em especial a idade, a escolaridade, o nível socioeconómico, a zona geográfica de origem dos participantes, entre outras) sobre os resultados obtidos. Uma amostra de maiores dimensões, que seja aleatória e representativa da população-alvo poderia trazer maior clarividência aos resultados e enriquecer o âmbito desta investigação.
ConclusõesEsta investigação lançou um primeiro olhar sobre a perspetiva masculina acerca dos fenómenos de satisfação sexual, duplo padrão sexual e eventuais relações entre ambos. Alguns autores6,7 sustentam a transição de padrões sexuais na sociedade atual, mas parece que tal não tem sucedido sem muito «sacrifício» de valores e ideais patriarcalmente instalados, a tal ponto que se crê existir ainda um forte legado transgeracional8 de padrões sexuais conservadores de geração em geração. O presente estudo chama a atenção para que, em termos da clínica psicológica, médica e sexológica, se compreenda que se vivem tempos de transição ao nível das atitudes e comportamentos sexuais e que, em termos clínicos, os profissionais de saúde mental e sexual deverão não apenas ajudar, como também preparar mulheres e (muito especialmente) homens para a emergência de novos padrões sexuais.
Responsabilidades éticasDireito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Proteção de pessoas e animaisOs autores declaramque os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
FinanciamentoEste artigo foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Agradecemos o financiamento parcial facultado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal.