INTRODUÇÃO
Estima-se que no ano de 2025 mais de 320 milhões de homens serão afectados pela disfunção eréctil (DE)1,2. A DE, definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como a incapacidade persistente para atingir e/ou manter uma erecção suficiente para permitir uma relação sexual satisfatória, tem vindo a ser progressivamente associada com outras comorbilidades. Na última década observámos um aumento dramático da prevalência da obesidade em todo o mundo (24% dos adultos nos EUA foram classificados como obesos em 2005), devido ao aumento dos estilos de vida sedentários e ao aumento de dietas ricas em gorduras saturadas3. A maior parte dos estudos mostram claramente que a obesidade juntamente com outras comorbilidades, nomeadamente a hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes tipo II, constituem factores de risco para o desenvolvimento da ateroesclerose4,5. A disfunção endotelial daqui resultante é causa do aumento da incidência de patologia cardiovascular e cerebrovascular. De uma forma global a maior parte destas alterações estão focadas em torno do síndrome de resistência à insulina, também conhecido como síndrome metabólico (MetS)5-7. Também conhecido como Síndrome X, esta alteração metabólica foi descrita pela primeira vez nos anos 20 por Kylin, médico Sueco, contemplando a associação entre hipertensão, hiperglicemia e gota8. Actualmente, a definição de MetS não é aceite em todos os seus pormenores, mas em comum existe o critério unificador da resistência à insulina. Só em 1998 a OMS aceitou a designação de MetS, criando a sua própria definição. Outros grupos, nomeadamente o National Cholesterol Education Program's Adult Treatment Panel III (NCEP: ATP III) criou a sua definição9, uma das mais aceites na actualidade e que defende, para demonstrar a existência de MetS a presença de 3 ou mais componentes de 1) perímetro de cintura superior a 102 cm, 2) pressão arterial sistólica superior a 130mmHg ou pressão arterial distólica superior a 85 mmHg, 3) colesterol HDL inferior a 40 mg/dl, 4) triglicerídeos superiores a 150 mg/dl, ou 5) diagnóstico prévio de diabetes ou glicose em jejum superior a 110 mg/dl.
A doença isquémica coronária (DIC) e a diabetes mellitus tipo II (DM) são causas major de morbilidade e mortalidade10,11. Só a DIC é responsável por uma em cada cinco mortes12. O facto é que, além de já existirem danos vasculares irreparáveis na altura do diagnóstico destas condições, o MetS é considerado um estado precursor destas mesmas condições10-12. A identificação de um precursor fiável do MetS traria uma excelente oportunidade no sentido de poder prevenir a DIC, a DM e suas complicações. Como os factores de risco para a DIC são os mesmos para a DE e esta também se associa a diabetes, obesidade, hipertensão e dislipidemia12-14, é razoável pensar que estas duas situações estejam relacionadas. Desta forma, poderá a DE ser predictiva do MetS?
AVALIAÇÃO BÁSICA COMBINADA
Avaliando a possível associação entre DE e MetS em estudos populacionais prospectivos como o Massachussets Male Aging Study (MMAS) que decorreu durante 15 anos e utilizando modelos estatísticos validados, foi possível observar essa associação e ainda estabelecer a DE como predictiva de MetS10, mas apenas em homens com índice de massa corporal (IMC) inferior a 25. Isto significa que, juntamente com os homens com IMC superior a 25 (que já por si se apresentam em risco para desenvolver doença cardiovascular), teremos agora que ter em atenção este outro grupo de homens até aqui considerados de baixo risco para MetS e subsequente doença cardiovascular. Este achado sugere um importante "factor de aviso" da DE, providenciando uma excelente janela de oportunidade para uma intervenção precoce (porventura preventiva) neste grupo de homens10,15,. Em resumo, o racional para a incorporação da DE por forma a poder melhorar a prevenção da saúde vascular masculina baseia-se no facto de que a DE é um sinal precoce de doença cardiovascular sistémica e resistência à insulina16,17. Provavelmente estamos na presença de uma nova mudança de paradigma, no sentido em que a avaliação da saúde sexual masculina no contexto de DE está a ser transformada na avaliação da saúde sexual masculina em geral, e, em última instância, na avaliação da saúde global masculina18.
Este "link" entre DE e MetS sugere actualmente uma avaliação dirigida à DE, sendo altamente adequado o doseamento da glicose em jejum, o perfil lipídico, a medição do perímetro de cintura e a avaliação da pressão arterial como requisitos do exame da saúde sexual masculina para além da história clínica e exame físico que se incluem na avaliação standard da DE em ambulatório15,19,20.
Como a DE está presente cerca de 39 meses antes do aparecimento de eventos cardíacos21, a sua avaliação é presentemente o ponto de entrada para a avaliação do status da saúde masculina22. A obesidade é um factor de risco independente para o desenvolvimento de doença cardiovascular e está associada com níveis elevados de várias citoquinas pró-inflamatórias23,24. Desta forma, a identificação do MetS na avaliação da DE pode ser objectivamente medida através de marcadores inflamatórios e de disfunção endotelial tais como CRP, Hgb A1c, IL-6, IL-8 entre outros14,24,25. A importância da disfunção endotelial na fisiopatologia da doença cardiovascular associada com DM só recentemente foi reconhecida, incluindo o papel da insulina e a resistência à mesma na modulação das funções do endotélio26. A disfunção endotelial pode ser um evento inicial na patogénese da ateroesclerose e tem sido demonstrada em indivíduos portadores com DM e intolerância à glicose27. A ateroesclerose é presentemente encarada como uma condição patológica em que o substracto inflamatório é crucial, daí a razão pela qual os marcadores inflamatórios nomeadamente a CRP, estão elevados em indivíduos com DIC27,28. Ainda, concentrações plasmáticas elevadas de CRP estão directamente relacionadas com a severidade progressiva da doença vascular peniana de acordo com dados objectivados por ultrassonografia doppler peniana28. Recentemente, Corona et al concluíram que a DE é mais severa em doentes com MetS e que se associa com uma incidência aumentada de hipogonadismo13,29. Esta situação já observada em doentes com DM, está associada à DIC e constitui uma parcela do crescente risco cardiovascular como parte do MetS. A sua medição deve ser efectuada como rotina em presença de DE e/ou MetS13,20. Estes factos levantam algumas implicações importantes em termos de estilos de vida, prevenção e abordagens terapêuticas.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA E PREVENÇÃO
Que dizer do tratamento? Será que a resolução do MetS vai reverter o homem com DE? Actualmente, como seria de esperar, não existe terapêutica farmacológica directa para o MetS. As opções de tratamento estão baseadas no facto de que o endotélio está "à espera", de que o controle apertado dos factores de risco cardiovascular como medida adjuvante às medicações standard para a DE irão potenciar a eficácia global das terapêuticas médicas orais para a DE, e que a busca de homens sem factores de risco cardiovasculares evidentes é crucial para obter os melhores resultados, nomeadamente na campo da medicina preventiva14,30.
As opções são: dieta, estatinas, controle da hipertensão arterial, intervenção intensiva nos estilos de vida (tabaco), exercício físico e provavelmente o uso crónico de inibidores orais da fosfodiesterase tipo 5 (I-PDE5). As mudanças nos estilos de vida, incluindo uma dieta pobre em calorias associada a programas adequados de exercício físico melhora a função sexual em homens obesos e resulta na observação do retorno da função eréctil em cerca de 30% de homens com DE31. Doentes com excesso de peso e intolerância à glicose baixaram o seu risco absoluto aos 3 anos de desenvolver diabetes de 35 para 15% após redução de 5 kg32. Dieta Mediterrânica rica em frutas, vegetais, legumes, cereais integrais e nozes podem ser eficazes per se na redução da prevalência da DE em homens com MetS30,33. De facto, o score da função endotelial e os marcadores inflamatórios (CRP) melhoraram no grupo submetido a estas medidas30. Assim, a escolha de fontes saudáveis de carbohidratos, gorduras e proteínas associada com actividade física regular e monitorizada e ausência de tabaco, é fundamental para vencer a guerra contra as doenças crónicas33,34. Este facto torna-se ainda mais importante para indivíduos portadores de factores de risco adicionais tais como DM, obesidade e MetS que sistematicamente falham as tentativas de perda de peso a longo termo33,35.
A utilização de I-PDE5 de forma crónica pode vir a ser uma opção em doentes tradicionalmente com respostas menos eficazes a esta abordagem "on demand", nomeadamente os doentes com DM24,36. A frustração pela baixa taxa de resposta deve-se à disfunção endotelial concomitante, o que está de acordo com o facto de que se os I-PDE5 aumentam a cascata de efeitos do ON, uma baixa resposta ao tratamento deverá ser observada se a produção de ON estiver deficitária. A reforçar esta teoria, a utilização de I-PDE5 traduz-se numa melhoria da dilatação da artéria braquial mediada por fluxo, um efeito intrínseco da libertação endotelial de ON37. Estudos actualmente em curso procuram demonstrar a hipótese de que a administração crónica de I-PDE5 pode melhorar os marcadores bioquímicos da disfunção endotelial, e, de facto, o tratamento oral diário com I-PDE5 logo no início do tratamento pode proporcionar uma resposta mais eficaz com a utilização subsequente19,36-39. De facto, podemos estar perante uma outra mudança de paradigma, pela forma como estamos a olhar para a acção dos I-PDE5 no endotélio e esta mudança parece começar no facto de que a reabilitação endotelial pode ser precursora da reabilitação do tecido eréctil18,40. A melhoria dos parâmetros da função eréctil poderá ser um facto, mas não devemos só olhar para o momento presente. Se conseguirmos ver um pouco mais longe, a mudança "on demand" para "once daily" poderá ser convertida para uma forma de prevenção do aparecimento de DE em determinados grupos de risco (diabetes), e ainda no aumento de células progenitoras endoteliais em circulação41,42, uma das esperanças futuras na promoção da reversão da disfunção endotelial a longo termo.
O MetS está longe de estar terminado. O facto é que a testosterona também reclama o seu lugar. Hoje, estamos conscientes que os níveis baixos de testosterona estão associados ao aumento da mortalidade masculina43 e que o hipogonadismo é um componente fundamental do MetS29. Assim, o tratamento do hipogonadismo pode também ter um imenso potencial no atraso ou pausa na progressão do MetS para diabetes ou doença cardiovascular clínica44-47. De facto, alguns estudos demonstraram que homens envelhecidos com obesidade e MetS apresentam uma diminuição significativa dos níveis de testosterona total quando comparados com homens envelhecidos mas metabolicamente saudáveis48. Estes dados sugerem ainda que a tão bem estabelecida associação ente DE e pré-diabetes/diabetes pode envolver um ambiente de mudança hormonal que requer uma avaliação capaz e um tratamento adequado. A verdade é que não podemos esquecer que a administração de testosterona pode amplificar a resposta do tratamento com I-PDE5 em falhas terapêuticas quando estes são usados em monoterapia49,50. Este facto merece sem dúvida uma reflexão aprofundada de acordo com os novos dados sobre sexualidade e MetS.
Correspondência:
Dr. P.A. Simões Vendeira.
Rua Companhia dos Caulinos, 499.
4460-205 Senhora da Hora. Matosinhos. Portugal.
Correio electrónico: vendeira@med.up.pt