INTRODUÇÃO
A disfunção eréctil (DE), definida como a incapacidade em obter e/ou manter uma erecção suficiente para um desempenho sexual satisfatório1, afecta mais de 152 milhões de homens em todo o mundo2. É uma importante causa de diminuição da qualidade de vida, sendo a disfunção sexual mais prevalente no homem entre os 50 e 80 anos de idade3.
A função eréctil depende da complexa conjugação de factores vasculares, neurológicos, hormonais e psicológicos. O fenómeno neurovascular subjacente à erecção implica dilatação do leito vascular, relaxamento do músculo liso do tecido eréctil (corpos cavernosos e esponjoso), aumento do fluxo de sangue intracavernoso e uma normal função veno-oclusiva. Quaisquer factores que perturbem a função dos sistemas arterial e venoso irão ter um impacto negativo na função eréctil4,5.
A etiologia da DE é multifactorial, contudo estudos desenvolvidos na última década demonstram que mais de 80% dos casos têm origem orgânica. A etiologia vasculogénica é predominante especialmente após os 40 anos, sendo o envelhecimento, a diabetes mellitus (DM), a hipertensão arterial (HTA) e a hipercolesterolemia factores de risco reconhecidos para a DE6,7.
A DE de causa orgânica deve-se fundamentalmente a alterações estruturais e funcionais nos componentes fibroelásticos das trabéculas penianas, músculo liso cavernoso e endotélio, que conduzem a uma inadequada expansão sinusoidal diminuindo a rigidez do pénis erecto. Um dos factores responsáveis pela DE vasculogénica parece ser a disfunção veno-oclusiva traduzida em modificações do fluxo arterial e do relaxamento do músculo liso cavernoso, associadas a fibrose cavernosa. Pode também conduzir à ruptura da integridade funcional do endotélio vascular, o que modifica a capacidade de resposta do endotélio a alterações hemodinâmicas locais e a factores parácrinos e autócrinos, sendo esta situação conhecida como disfunção endotelial. A disfunção endotelial que alguns autores consideram mesmo equivalente à DE8, implica diminuição da capacidade de relaxamento do músculo liso dependente do endotélio, o que se deve à perda ou diminuição da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) no leito vascular9. Anomalias deste sistema vasodilatador desempenham um importante papel na fisiopatologia da DE6,7,9-11.
Actualmente, reconhece-se que os factores de risco cardiovascular desempenham um importante papel na etiopatogenia da DE vasculogénica. Vários estudos demonstram que o risco de DE aumenta na presença de DM, HTA e/ou dislipidemia. É consensual que a optimização do controlo destas doenças pode prevenir a DE. Da mesma forma, a adopção de estilos de vida que melhorem a função vascular, tais como a manutenção de um peso corporal adequado e a prática regular de exercício físico, podem também prevenir ou mesmo reverter parcialmente a DE4.
DISFUNÇÃO ERÉCTIL COMO MARCADOR DE RISCO CARDIOVASCULAR
Diversos estudos epidemiológicos relacionam o risco de DE com factores de risco cardiovascular potencialmente modificáveis6,7,10,12-23 considerando-se a disfunção endotelial como a etiologia principal quer da doença cardiovascular (DCV) sistémica quer da DE, dado que a disfunção endotelial e a aterosclerose afectam tanto as artérias coronárias como o leito vascular16,21,24.
A aterosclerose é uma patologia sistémica que uniformemente afecta vários leitos vasculares. Contudo, as manifestações clínicas raramente surgem em simultâneo num mesmo doente, hipoteticamente, devido aos diferentes calibres das artérias nas várias áreas vasculares. Assim, numa fase precoce, uma estenose superior a 50% do lúmen da artéria peniana seria sintomática, enquanto que a mesma sobrecarga aterosclerótica em artérias de maior calibre seria assintomática, só apresentando sintomas numa fase mais avançada. Devido ao calibre reduzido dos vasos penianos, a DE representaria uma evidência clínica precoce de uma patologia vascular difusa, largamente sub-clínica16.
Os resultados do Cross-National Survey on Men's Health Issues22, permitiram concluir que a DE deve ser considerada factor de prognóstico da saúde em geral, dado que a sua gravidade aumenta na presença de comorbilidades, como a DM, HTA e dislipidemia. Embora a DE seja frequente em doentes com doença aterosclerótica avançada, a manifestação de DE em homens relativamente jovens sem DCV evidente nem factores de risco associados, sugere que esta pode ser uma das primeiras manifestações de doença vascular sistémica11.
Desta forma, e dado que a erecção peniana é um processo vascular em que os vasos cavernosos de baixo calibre são particularmente susceptíveis a alterações estruturais e funcionais, considera-se que a DE é um sinal preditivo de outras patologias associadas ao sistema cardiovascular 5,7,11,16,24.
Em resumo, a DE pode representar apenas a ponta do iceberg, devendo a sua presença alertar para a presença de patologia cardiovascular potencialmente grave16. Assim, os factores de risco cardiovascular concorrentes para a DE, deverão constituir alvo de estratégias também para a prevenção desta patologia5,17,18.
DISFUNÇÃO ERÉCTIL E OBESIDADE
A obesidade, doença crónica em que o excesso de gordura acumulada no tecido adiposo se associa a um risco acrescido de diversas morbilidades e mortalidade, atinge actualmente proporções epidémicas25,26. Estima-se que cerca de 750 milhões de pessoas tenham excesso de peso (índice de massa corporal* [IMC]: 25.0-29.9 kg/m2) e 315 milhões sejam obesas (IMC ≥ 30 kg/m2)26.
Estudos recentes indicam uma elevada prevalência de DE em homens obesos7,15,17,23,27-30. A prevalência de excesso de peso ou obesidade em homens que referem DE poderá ser superior a 79%27, embora os factores de risco vasculares frequentemente relacionados com a obesidade tenham um papel significativo21. É de salientar, que foi já demonstrada uma maior associação entre obesidade e risco de DE, do que entre DE e HTA, ou DE e ingestão de alimentos ricos em colesterol15. α
Os resultados dos trabalhos de Kratzik et al28, sobre a influência da idade e IMC no risco de DE, permitiram concluir que o risco de DE aumenta 8.2% por ano de vida e 7.6% por 1 kg/m2. Estes dados são corroborados por outros autores levando-os a considerar a obesidade como mais um factor independente preditivo de DE17,23,31.
O tecido adiposo em geral, e a adiposidade visceral em particular, é um tecido metabolicamente activo com acção no processo inflamatório. A produção de citocinas e factores de crescimento por este tecido, por si só conduz a lesão endotelial, migração celular e proliferação das células musculares lisas32,33. Entre as várias citocinas libertadas pelos adipócitos, o factor de necrose tumoral-α (TNF-α) e a interleucina-6 (IL-6) parecem ser os factores que exercem maior influência na função endotelial, induzindo a expressão de citocinas quimiotáticas e moléculas de adesão, as quais são cruciais no processo aterogénico10. Os indivíduos obesos apresentam alterações dos índices de função endotelial e concentrações superiores das citocinas proinflamatórias IL-6, IL-8, IL-18 e PCR, tendo Giugliano et al34 verificado que o comprometimento da função endotelial era superior em homens obesos com DE comparativamente aos obesos sem a doença.
Assim, a obesidade apresenta-se como um dos factores de risco para a deterioração do endotélio em geral e da vascularização peniana em particular5-7.
Por outro lado, a obesidade associa-se com frequência à resistência à insulina, o que leva à diminuição significativa dos efeitos hemodinâmico e vasodilatador desta hormona35. A disfunção endotelial causada pela obesidade e resistência à insulina parece ser causada por um aumento no stress oxidativo36. A obesidade, tal como outros factores de risco para a DCV, pode mesmo ser considerada um estado crónico de stress oxidativo e inflamação pois aumenta a produção de radicais livres (radicais superóxido e outras espécies reactivas de oxigénio), o que compromete a biodisponibilidade de NO para as células alvo. Com base nisto, Roberts et al37, verificaram em homens obesos que participaram em programas de redução de peso, através da modificação do padrão alimentar e da prática regular de exercício físico, redução dos indicadores de stress oxidativo e níveis de PCR o que se associou a uma maior disponibilidade de NO e consequente melhoria da função eréctil. Alterações do estilo de vida que conduzam à diminuição dos níveis de PCR podem contribuir para a melhoria da doença vascular peniana e, por conseguinte, da função eréctil38.
Embora os estudos disponíveis relacionem positivamente o excesso de peso com o risco de DE vasculogénica, não podemos negligenciar o papel marcado da obesidade para o desenvolvimento de comorbilidades como DM, HTA e hiperlipidemia.
O síndrome metabólico (SM) é definido pela presença de 3 dos 5 seguintes factores de risco: obesidade abdominal, aumento da pressão arterial, aumento da glicemia em jejum, hipertrigliceridemia, e diminuição das HDL-CT. Sabe-se que todos estes factores promovem a disfunção endotelial e por isso são partilhados com a DE36,39. Assim, não constitui surpresa que a DE seja muito frequente em homens com SM20,29,40-43.
Gund¸z et al29, verificaram que todos os indivíduos com SM da sua amostra apresentavam DE e que, independentemente, da presença de SM, a DE estava presente em 95.7% dos doentes obesos (IMC ≥ 30.0 kg/m2). Neste trabalho também se verificou que a DE não se correlacionava significativamente com os níveis de CT (p > 0.05), mas somente quando à hipercolesterolemia se associava a HTA (p < 0.01), o que levou os autores a concluir que após o SM, os factores de risco mais importantes para a DE são a obesidade e a combinação de hipercolesterolemia e HTA. Estes resultados foram posteriormente corroborados por Esposito et al20. Estes autores, para além de constatarem a grande prevalência de DE em homens com SM (26.7 vs 13%; p = 0.03), verificaram também que a prevalência de DE aumentava com o número de critérios de diagnóstico para esta síndrome, sugerindo que o efeito cumulativo do risco cardiovascular pode ser fulcral para a patogénese da DE.
Assim, tem-se vindo a estudar os benefícios da redução ponderal e da prática regular de exercício físico como medidas que visem melhorar a função eréctil.
Esposito et al44, para além de terem verificado que a adopção da dieta tipicamente Mediterrânea se associava à diminuição da prevalência de SM, bem como à melhoria da função endotelial e a uma significativa redução dos marcadores sistémicos de inflamação vascular, verificaram também em homens obesos com DE que um programa intensivo para perda de peso, através de aconselhamento dietético personalizado e um plano de exercício físico, para além duma maior perda de peso (IMC de 36.9 ± 2.5 para 31.2 ± 2.1 vs IMC de 36.4 ± 2.3 para 35.7 ± 2.5) (p < 0.001), alterações favoráveis da função endotelial avaliada pelos níveis circulantes de IL-6 (p = 0.03) e PCR (p = 0.02), em relação ao grupo controlo que apenas recebeu recomendações genéricas. De salientar que no grupo de intervenção se registou uma melhoria significativa da função eréctil (p < 0.001) em 31% dos homens. Os autores concluíram que alterações no estilo de vida podem melhorar a função eréctil em cerca de 1/3 dos indivíduos obesos com DE45. Os resultados deste último trabalho estão de acordo com os estudos disponíveis que revelam que a prática regular de exercício físico está associada à redução do risco de DE e/ou melhoria da função eréctil em 30%, enquanto que a obesidade o aumenta na mesma proporção18,44.
Deste modo, admite-se que a adopção de estilos de vida que melhorem a função vascular, tais como a manutenção de um peso corporal adequado e a prática regular de exercício físico, seja imperativa para a profilaxia da doença4. A European Association of Urology46 recomenda mesmo que as alterações comportamentais, como as enunciadas, deverão preceder ou acompanhar o tratamento da DE.
PERSPECTIVAS FUTURAS
Apesar de existir muita informação relativamente à história natural da DE, pouca atenção tem sido dada à sua profilaxia. Dado que a reversão espontânea da DE não é frequente, e pelo facto dos tratamentos médicos serem invasivos, dispendiosos, ou se desconhecerem os seus efeitos a longo-prazo, a identificação de potenciais meios de prevenção torna-se imperativa.
Tal como em todo o sistema vascular, a manutenção da viabilidade vascular cavernosa está sob o controlo de factores de crescimento angiogénicos que promovem a proliferação e migração de células endoteliais e musculares lisas47, reconhecendo-se já que as terapêuticas conducentes à neovascularização peniana são promissoras quer na prevenção quer no tratamento de muitas das formas de DE48.
Apesar dos acontecimentos celulares e moleculares envolvidos na regulação da neovascularização peniana ainda não serem totalmente conhecidos, sabe-se que a sobrevivência da célula endotelial depende continuadamente do balanço entre factores pró e anti-angiogénicos, pelo que uma melhor compreensão destes mecanismos permitirá a identificação de novas abordagens preventivas e terapêuticas.
Todavia, os potenciais benefícios da redução ponderal são de especial relevância para os indivíduos com DE e factores de risco cardiovascular, pois não só poderão melhorar a sua saúde em geral como também a função eréctil. No futuro, serão necessários mais estudos epidemiológicos que clarifiquem a importância da adopção de estilos de vida saudáveis na prevenção e controlo da DE.
*A utilização do índice de massa corporal (IMC) ou índice de Quetelet (razão do peso em quilogramas pelo quadrado da estatura em metros) [Quetelet A. Physique Sociale: essai sur le développement des facultés de l'homme. Brussels, Belgium: C Muquartdt; 1869], para definir e classificar a obesidade, foi recomendada pelo National Institutes of Health, em 1998. Embora se reconheçam diversas limitações deste índice, ele apresenta uma boa correlação com a quantidade de gordura corporal na maioria dos indivíduos.
Correspondencia: I. Tomada.
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